quinta-feira, 1 de março de 2018

Entrevista de Lula

Folha: ‘Não vou me matar nem fugir do Brasil. Vou brigar até o fim’, diz Lula

Ex-presidente diz à Folha que está preparado para ser preso, mas acredita que será inocentado


Ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva

O ex-presidente Lula recebeu a Folha em sua sala no Instituto Lula, na terça-feira (27), para uma rara entrevista exclusiva. Com a Justiça prestes a decidir se ele vai ou não preso por causa da condenação no processo do tríplex, o ex-presidente afirma que é “um homem muito tranquilo, que sabe o que está sendo traçado para ele”. Ainda assim, Lula rechaça abrir qualquer discussão sobre uma candidatura alternativa à dele no PT. “Se eu fizer isso, minha filha, eu tô dando o fato como consumado.”
Antes de começar a entrevista, o petista passou os olhos por um sumário que a assessoria havia feito para ele sobre a entrevistadora. “Busca esta entrevista faz anos, cercando amigos e conhecidos do presidente para isso. Ela tentará: interromper, questionar o discurso, apontar contradições, tentar que assuma erros e investir muito em plano B”, dizia o resumo.
Com o gravador já ligado, Lula disse: “A senhora pode perguntar tudo o que vossa excelência quer perguntar. Tá? Não tem pergunta sem resposta. A não ser que eu não saiba. Se eu não souber eu vou dizer ‘não sei’ e você vai perguntar para um candidato que sabe”.
A seguir, um resumo da conversa.
Folha – O ex-ministro Ciro Gomes (PDT-CE) fala em voz alta o que muita gente murmura e pensa: ninguém no Brasil acredita que o senhor poderá ser candidato a presidente. Quando chegará a hora de discutir o lançamento ou o apoio a um outro nome?
Lula – Se eu não acreditasse na possibilidade de a Justiça rever o crime cometido contra mim pelo [juiz Sergio] Moro, [que o condenou à prisão] e pelo TRF-4 [Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que confirmou a sentença], eu não precisaria fazer política.
Quem sabe eu virasse um moleque de 16 anos e fosse dizer que só tem solução na luta armada. Não. Eu acredito na democracia, eu acredito na Justiça. E acredito que essas pessoas [Moro e desembargadores] mereciam ser exoneradas a bem do serviço público.
Porque houve mentira na denúncia [feita pela] imprensa [que revelou a existência do tríplex], no inquérito da Polícia Federal, na acusação do Ministério Público Federal, na sentença do Moro e na confirmação do TRF-4.
Então o que eu espero? Que o Supremo Tribunal Federal [que deve julgar habeas corpus em que Lula pede para não ser preso] analise o processo, veja os depoimentos, as provas e tome uma decisão. Por isso tenho a crença de que vou ser candidato.
O STF não entrará no mérito da sentença. E não haveria nem tempo, caso isso ocorresse, para garantir a candidatura. Eu vou dizer uma coisa: eu só posso confiar no julgamento se ele entrar no mérito.
A Justiça não é uma coisa que você dá 24 horas, 24 dias ou 24 meses. Ela tem o tempo necessário para fazer a investigação correta e punir quem está errado. E quem deveria ser punido era o Moro, o MPF, a PF e os três juízes que fizeram a sentença lá.
A segunda questão: não acho que ninguém acredita na possibilidade de eu ser candidato. Era mais fácil o Ciro dizer “tem gente que não quer que Lula seja candidato”. E ele quem sabe se inclui nisso.
Só tem unanimidade hoje no meio político: as pessoas não querem que o Lula seja candidato. O Temer não quer, o Alckmin não quer, o Ciro não quer. Eles pensam: “ele [Lula] vai para o segundo turno e pode até ganhar no primeiro. Se ele não for candidato, em vez de uma vaga no segundo turno, podemos disputar duas”. Aumenta a chance de todo mundo.
Eu respeito que todo mundo seja candidato. Até o Temer resolveu ser! Qual é a aposta dele? É a de defender os seus três anos de mandato.
E é importante ter em conta que o Temer teve uma vitória quando derrubou o golpe que a TV Globo, o [ex-procurador-geral Rodrigo] Janot e o [empresário] Joesley [Batista] tentaram dar nele.
Aquele golpe tinha como pressuposto básico o Temer cair, o Rodrigo Maia [presidente da Câmara dos Deputados] assumir a presidência e o Janot ter um terceiro mandato [na PGR].
O senhor acha que a Globo tentou dar um golpe?
Acho. Eu acho.
E por que isso ocorreria?
Porque era importante manter o Janot. Era importante tirar o Temer. E era importante colocar o Rodrigo Maia. Isso para mim tá claro.
Mas por que Rodrigo Maia se o Temer tem uma plataforma…
[Interrompendo] O Temer se prestou a fazer o serviço do golpe. Mas não era uma figura palatável, e houve uma tentativa de golpe. Senão, me explica o que aconteceu.
Não pode ser jornalismo simplesmente?
Jornalismo de quem?
Da Rede Globo.
Você acha que na Globo [que publicou a primeira reportagem sobre a delação da J&F] alguém faz jornalismo livre? O jornalista decide e faz uma denúncia como aquela que foi feita contra o Temer?
No mesmo dia já tinha jornalista apostando na renúncia do Temer. E já tava se discutindo quem ia assumir e o que ia acontecer.
Ora, o Temer resolveu enfrentar. Teve a coragem de desmascarar o Janot, o Joesley e ficou presidente. E ainda ganhou duas paradas no Congresso Nacional [para impedir que o processo contra ele no STF seguisse], não se sabe a que preço. A imprensa dizia que R$ 30 bilhões foram gastos, não sei quantos bilhões. Mas ganhou.
E o senhor o admira por isso?
Não. Eu continuo pensando o mesmo do Temer. Eu estou contando o fato. E o fato histórico não tem sentimentalismo. Tem uma fotografia.
O senhor hoje faz críticas à TV Globo mas, no governo, teve uma boa relação com a emissora.
Para não ser ingrato com os outros meios, eu vou olhar bem nos seus olhos e dizer: duvido que em algum momento da história desse país um presidente tenha tratado os meios de comunicação com a deferência e a “republicanidade” que eu tratei.
Eu tinha uma relação maravilhosa com o velho [Octavio] Frias [de Oliveira, publisher da Folha morto em 2007]. Eu tratei bem o Estadão. Eu tratei bem o Jornal do Brasil, a Globo, a Bandeirantes, o SBT, a Record. Você há de convir que tenho comportamento exemplar no meu tratamento com a imprensa brasileira.
Mas acho que eles não são honestos na cobertura.
A Folha, mesmo nos bons tempos, nos anos 70, 75, quando começou a ser um jornal mais progressista, quando o pessoal de esquerda começou a ler, mesmo assim a gente sentia [no jornal] uma espécie de ojeriza de falar bem de uma coisa boa.
É uma necessidade maluca de não parecer chapa branca. Ah, se fez uma matéria boa hoje, amanhã tem que fazer outra dando um cacete.
O senhor fala “eles não me aceitam”. Quem são eles?
Ah, não sei. São eles. Eu não vou ficar nominando.
Nesse sistema em que “eles” mandariam, o senhor foi eleito, reeleito, fez uma sucessora e a reelegeu. Tinha uma convivência boa com construtoras e bancos. Como dizer que a elite é contra o senhor?
Eu não tive uma relação boa só com esse setor que você falou. Eu tive uma relação boa com todos os segmentos sociais desse país.
Eu tenho orgulho de dizer que o meu governo foi o período em que os empresários mais ganharam dinheiro, os trabalhadores mais ganharam aumento de salário, em que geramos mais empregos, em que houve menos ocupação no campo, na cidade, e menos greve. Eu trago comigo essa honraria de saber conviver com a sociedade brasileira.
E de repente eu vejo o tal do mercado assustado com o Lula. E eu fico pensando, quem é esse mercado?
Não pode ser os donos do Itaú. Não pode ser os donos do Bradesco, do Santander.
Uma coisa são os donos do banco. Outra coisa é um bando de yuppies, jovens bem aquinhoados que vivem ganhando dinheiro através de bônus, de não sei das quantas, para vender papel sem vender um produto.
Essa gente esteve no FMI durante a crise na América do Sul. Falaram o tempo todo mal dos países pobres. Quando a crise foi nos EUA parece que fizeram cirurgia de amígdalas e não falavam nunca. Eles sabem que, se eu voltar, o FMI não dará palpite na nossa economia.
Então, querida, quando eu digo eles…
…fica parecendo as famosas “forças ocultas” do ex-presidente Jânio Quadros [quando se referia a quem o tinha levado a renunciar, em 1961].
Quando eu falo “eles” e “nós”, é porque você tem lado na política brasileira. Quando ganhei as eleições, fiz questão de conquistar muita gente. Criei o Conselho Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social [com representantes de empresários, trabalhadores e setores sociais]. Tinha gente que achava que eu queria criar uma fissura na relação entre Senado e Câmara com a sociedade. Eu falei “não, eu quero é estabelecer uma política de convivência verdadeira com a sociedade”.
Folha

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