Robert Mugabe, o último rei do Zimbábue, deixa o poder depois de 37 anos
O herói guerrilheiro virou ditador populista e viveu no luxo enquanto seu povo morria de fome.
O desafio agora é como reconstruir o país africano devastado pela miséria
OSTENTAÇÃO Mugabe e a mulher Grace: ela só usa grifes - (Crédito: Jekesai Njikizana) |
Thais Skodowski
A renúncia forçada do ex-presidente do Zimbábue
Robert Mugabe, ocorrida na semana passada, é o fim decadente da
trajetória sedenta por poder e riqueza do zimbabuano. Líder guerrilheiro
e ex-preso político, lutou contra o colonialismo britânico, pela
independência do país e contra a segregação racial. Herói nacional,
ganhou as eleições para primeiro-ministro da Rodésia do Sul em 1980, ano
em que o país se tornou independente e passou a se chamar Zimbábue. A
nação africana estava pronta para prosperar e Mugabe parecia ser o homem
perfeito, na hora certa. Em seu primeiro discurso declarou estar
disposto a unir negros e brancos. “O fato de os brancos nos terem
oprimido jamais poderá justificar que, hoje, os negros os oprimam só
porque agora detêm o poder”, disse. Foi comparado ao ex-presidente
sul-africano Nelson Mandela – símbolo maior da luta contra a segregação
racial – e elogiado internacionalmente. Ao longo dos anos, ficou
evidente que ele não passava de mais um ditador populista, como tantos
outros no mundo. Um déspota de um país miserável.
CAFONA Veludos, dourado e mármores: assim é o palácio onde morava o ex-presidente |
A exemplo de todo populista – na América Latina o ex-presidente
venezuelano Hugo Chávez e seu sucessor Nicolás Maduro são a prova disso –
o ex-presidente africano adotou, no início, medidas que caíam no gosto
da população, como ensino básico e assistência médica para famílias
antes abandonadas. Contudo, sua natureza ditatorial começou a aparecer.
Em 1982, ele iniciou uma disputa por poder com seu antigo aliado, Joshua
Nkomo. A briga resultou no massacre de vinte mil civis da etnia Ndbele,
que apoiava Nkomo. Os dois fizeram as pazes em 1987, ano em que o líder
virou presidente. O país seguia bem, apesar de o poder estar cada vez
mais centralizado na mão de Mugabe. “Quando cheguei ao Zimbábue, em
1995, conheci um professor inglês. Ele dizia que o país era para
principiantes que queriam conhecer a África”, lembra o médico Carlos
Laudari, que trabalhou durante seis anos no país. “Lá tudo funcionava,
como a economia, segurança, educação.”
Porém, com medo de perder o cargo, o ex-presidente passou a
adotar uma postura autoritária. “A ânsia de permanecer no poder fez com
que ele colocasse tudo a perder”, diz Alexandre dos Santos, professor de
História da África da PUC-Rio. Nos anos 2000, o ditador deu o passo que
arruinou a economia .Sob pressão de seus aliados de partido – que
queriam mais poder – promoveu a nacionalização das propriedades
agrícolas que estavam nas mãos dos brancos. Prometeu redistribuí-las
para os negros, o que de fato não ocorreu. Os empresários saíram do
país. Milhares de trabalhadores negros ficaram sem trabalho, casa e
comida. O que era então o celeiro de cereais da África entrou no mapa da
fome.
Enquanto os zimbabuanos dependiam de ajuda humanitária para
sobreviver, Mugabe mantinha sua vida de riqueza. Sua casa era um
palácio. Tudo muito cafona, com excesso de mármores, veludos e dourado,
numa clara intenção de ostentar. Suas festas custavam milhões. Para a
comemoração de seus 93 anos, neste ano, o ditador gastou € 1,9 milhões
em uma festa com cem mil convidados. Sua mulher, Grace Mugabe, 40 anos
mais nova, ficou conhecida como Gucci Grace por causa da obsessão por
roupas e acessórios de grife. O casal era uma caricatura. O
relacionamento entre os dois começou quando Mugabe ainda era casado e a
primeira esposa se tratava de um câncer. Mais uma das hipocrisias do
líder católico e conservador.
A economia entrou em colapso. Houve hiperinflação e o Banco
Central chegou a emitir notas de trilhões de dólares zimbabuanos. Mugabe
permanecia intocável – ganhando sucessivas eleições fraudadas – até que
recentemente mexeu com quem não deveria: seus colegas de partido. Ao
destituir o vice-presidente Emmerson Mnangagwa, deixou claro que não
seria mais Mnangagwa o seu sucessor, mas, sim, sua mulher Grace.
O partido considerou o ato uma traição e, em uma operação
militar, Mugabe foi preso e obrigado a renunciar. Mnangagwa, que estava
fora do país, voltou e assumiu o poder. Em seu primeiro discurso, na
semana passada, disse que era o início de uma nova democracia e que o
foco seria a criação de empregos. O futuro do país, porém, é uma
incógnita. “A renúncia foi de cima para baixo, o que significa que pode
haver poucas mudanças no país”, explica o professor Alexandre dos
Santos. Ainda assim, a população que sofreu décadas nas mãos do tirano
comemorou a queda do último rei do Zimbábue.
Mnangagwa tem o desafio de não cometer os erros do antigo
aliado, sob risco de perder o posto. Ao que tudo indica, o Zimbábue não
aceitará mais um ditador. “Ele herdou uma população descontente e com
acesso a mídias sociais. Um povo que não aceita mais ser silencioso”,
explica Chipo Dendere, professora especialista em Política da África, da
Amherst College, Massachusetts, Estados Unidos.
ALÍVIO Nas ruas, o povo do país festejou a queda do tirano - (Crédito:Philimon Bulawayo)
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