A volta de Hosmany Ramos, um dos mais famosos médicos brasileiros
Após 36 anos preso por crimes como sequestro, assassinato e tráfico de drogas, Hosmany retorna aos consultórios de jaleco branco e revela ter ambições políticas para 2018
NA ATIVA O médico em frente ao hospital em Santa Thereza, em Palmas: ele voltou a fazer cirurgias |
A trajetória de Hosmany surpreende a todos que o conhecem. Assistente
de Ivo Pitanguy, um dos maiores cirurgiões plásticos do mundo, ele foi
condenado por tráfico internacional de drogas, sequestros, roubo de
veículos e aviões, assassinatos e acusado de mais de dez tentativas de
fuga durante o tempo em que esteve na prisão. Em setembro de 2016,
obteve do Tribunal de Justiça de São Paulo o alvará de soltura. “Sou um
cidadão completamente livre, não devo mais nada à Justiça”, diz.
Assim que saiu da prisão, Hosmany passou quatro meses em Oslo, na
Noruega. A viagem, paga pelo filho, empresário de 41 anos, tinha o
propósito de afastá-lo dos holofotes. “Meu filho sentiu que eu precisava
de uma injeção de ânimo”, diz Hosmany. “Foi a melhor forma de recomeçar
minha vida. Fiz amizades, cursei especializações em técnicas de
cirurgia com laser e lipoaspirações.” Os laços com o Brasil o trouxeram
de volta em janeiro desse ano. Hoje, ele se divide para cumprir os
compromissos em Palmas e os atendimentos agendados em uma clínica em São
Paulo. “Decidi morar no Tocantins porque desde que meu irmão morreu, há
10 anos, minha mãe se sente muito sozinha. Como ela me ajudou muito
durante o tempo que passei na prisão, prometi que ficaria com ela até
seus últimos dias.” Uma vez por mês, ele viaja à capital paulista, onde
costuma ficar hospedado na casa de familiares, para atender pacientes
que o aguardam na clínica da Avenida Brasil, um dos endereços mais
nobres da cidade.
Tanto em São Paulo quanto na capital tocantinense, as primeiras
oportunidades de trabalho surgiram a partir de amigos que afirmam
confiar na qualidade do trabalho do médico. “Conheci Hosmany desde os
tempos que ele era assistente do Ivo Pintaguy, não tive dúvidas sobre
sua capacidade profissional”, afirma uma das funcionárias da clínica em
que o cirurgião atende. Em Palmas, Hosmany recebe, em média, três
pacientes por semana, geralmente interessados em abdominoplastia,
aplicação de silicone e lipoaspiração. Os valores cobrados pelos
procedimentos variam de R$ 8 mil a R$ 15 mil. “Conheço ele desde que
chegou à cidade e no dia 28 de setembro tive a oportunidade de fazer uma
abdominoplastia e outros procedimentos com ele”, diz uma paciente que
não quis se identificar. “Soube do passado e da fama que tinha. Quando o
vi pela primeira vez senti pena, mas não tive nenhum receio em fazer as
cirurgias. Ele é muito profissional e educado.” Já em São Paulo, ele
tem se dedicado a implantes de cabelo — o custo pode chegar a até R$ 100
mil para a aplicação de mil fios. A procura é grande: de quatro a cinco
clientes por semana.
O médico quer agora fazer cirurgias plásticas em portadores de
Hanseníase e já deixou seu currículo no Hospital Geral de Palmas. “Aqui
muitos profissionais têm medo de fazer essas operações.” Além de voltar à
medicina, Hosmany tem se dedicado às atividades literárias. Ainda nos
anos de prisão ele começou a escrever sua autobiografia. “A prisão é
muito brutal, muito material se perdeu. Eles entravam e levavam todos os
manuscritos”, diz. Além do livro “Meu Grito”, que deve ser publicado em
janeiro, o cirurgião revela o tema de sua próxima obra: “Por que quero
me tornar político?”. Hosmany afirma que deseja se candidatar a deputado
federal ou a senador nas eleições de 2018. “Os mais próximos me
consideram uma espécie de Nelson Mandela brasileiro, que é meu ídolo, e
acredito que todos têm o direito de recomeçar”, afirma. “Vou ter meu
índice de rejeição, mas também terei apoio.” Segundo ele, suas
principais bandeiras serão mudanças no sistema político, judiciário e
carcerário.
Nascido na cidade de Jacinto, em Minas Gerais, em 1946, Osmane Ramos
chegou ao Rio de Janeiro com 17 anos para estudar medicina. Formado pela
Universidade Federal, ele logo começou a trabalhar na equipe de
Pitanguy. Já com o nome de Hosmany, ele atendia uma clientela de
personalidades importantes e chegou a integrar a Academia Brasileira de
Cirurgia Plástica. Em 1981, porém, o rumo de sua vida mudou
radicalmente. O cirurgião foi preso por roubo de carros e aviões,
tráfico, sequestros e homicídios. Segundo a Promotoria de Justiça de
Araçatuba, o assassinato de seu piloto Joel Avon foi considerado “queima
de arquivo”. “O acusado o eliminou para assegurar a impunidade dos
crimes que vinha praticando, que eram de conhecimento da vítima”, diz o
documento do Ministério Público de São Paulo. Segundo o órgão, já preso,
Hosmany também arquitetou o sequestro da filha de um juiz de Caçapava
para obter sua soltura e de outros condenados. O médico foi condenado a
46 anos e 11 meses de prisão. Durante esse período, ele orquestrou
muitas tentativas de fuga. Em 1996, deixou o Instituto Penal Agrícola de
Bauru. Um mês depois, foi recapturado ao participar do sequestro do
fazendeiro Ricardo Carvalho Rennó, em Santa Rita do Sapucaí, Minas
Gerais.
Hosmany atende uma média de três pacientes por semanapara aplicação de silicone, lipoaspiração e abdominoplastia
Sem perigo à sociedade
A fuga mais espetacular ocorreu em dezembro de 2008, quando convocou
jornalistas para anunciar que não voltaria à cadeia após o indulto de
Natal e Ano Novo como forma de protesto contra as más condições
carcerárias brasileiras. Oito meses depois, seria preso na Islândia ao
tentar entrar no país com o passaporte do irmão. Após a Suprema Corte
islandesa autorizar a extradição, agentes da Polícia Federal foram
buscá-lo na capital Reykjavík. Quando chegou ao Brasil, foi levado ao
presídio de Junqueirópolis, interior paulista. “Foi um absurdo eu ter
ficado 36 anos preso. Uma pessoa como eu não oferece perigo à
sociedade”, diz Hosmany.
Em 29 de setembro do ano passado, o Ministério Público de São Paulo
questionou a liberdade plena de Hosmany, alegando a necessidade de um
exame criminológico com o objetivo de verificar o perfil psicológico do
cirurgião. Em maio, o Tribunal de Justiça concedeu decisão favorável ao
médico, sob os argumentos de que já havia cumprido o tempo de pena
referente aos crimes hediondos e aos crimes comuns. Além disso, segundo o
órgão, Hosmany não registrou falha disciplinar nos últimos 12 meses de
detenção.
Hosmany defende que o sistema penitenciário seja mais humanizado para
proporcionar a reintegração do preso à sociedade. “É preciso passar uma
borracha, esquecer o passado. Nutrir a vontade de vingança não leva a
nada”, afirma. Católico, o médico se diz arrependido dos crimes que
cometeu. “Faço minhas orações e costumo pedir perdão — que Deus possa me
dar condições de me reerguer”, afirma. Na corrida pela nova vida,
Hosmany afirma ter revalidado o registro profissional médico para
exercer a profissão. De acordo com os Conselhos Regionais de Medicina de
Tocantins e do Rio de Janeiro, o registro do médico está ativo e
regular. Já o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo
indeferiu o pedido de revalidação e pediu que ele apresente documentos
para esclarecer suas acusações e penas recebidas pela Justiça. O Cremesp
afirma também que ele não teve nenhuma condenação no âmbito criminal
relacionada ao exercício da medicina.
Nos momentos em que não está com pacientes, Hosmany gosta de ler,
ouvir música, tocar violão e piano e pintar quadros. “Meu aspecto
psicológico está muito bem trabalhado porque me dedico aos meus artigos e
à literatura. Para minha felicidade ficar completa, gostaria de arrumar
uma namorada.” Sobre as lembranças na prisão, Hosmany diz que fez
amigos e conquistou a admiração e a confiança de muitas pessoas. “Fui um
preso que conseguiu dar a volta por cima.”
“Sou um cidadão livre”
Como o senhor organiza sua rotina desde que retornou ao Brasil?
Trabalho em uma clínica em Palmas, em Tocantins e, a cada 20 dias,
atendo em São Paulo. Também me dedico à literatura. No tempo livre,
gosto de escutar música, tocar violão, piano e pintar.
Por que o senhor decidiu registrar sua história em uma autobiografia?
Escrevo desde a prisão, mas muita coisa se perdeu. Costumo dizer que
existe o tempo de chorar, de sorrir, de calar e de gritar. Minha
autobiografia é o “meu grito”. Além disso, estou escrevendo um livro
sobre porque quero me tornar político.
E por quê?
Sempre tive a necessidade de ajudar o próximo. Quero mudar a
política, o sistema judiciário e o carcerário. Acredito que terei
rejeição, mas também terei apoio.
O senhor se arrepende dos crimes que cometeu?
Sim. Tudo ocorreu num período de três meses, foi um trauma psicológico. Hoje, faço minhas orações e procuro pedir perdão.
Como o senhor define sua vida atualmente?
Sou um cidadão livre. Não devo nada à Justiça. A liberdade é o maior
bem do ser humano. Mas ainda não encontrei a felicidade total. Falta uma
alma gêmea para reconstruir a vida, mas com o tempo chegará.
Istoé - Foto: Washington Luiz
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