Luiz Fux acusa o Congresso de tentar enfraquecer o Judiciário em reação à Lava-Jato
Em entrevista, ministro do STF defende volta de financiamento de campanha por empresas
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Fux elogia a força-tarefa da Lava-Jato - (Foto: Reprodução) |
Ministro do STF e próximo presidente do TSE a partir
de fevereiro de 2018, Luiz Fux acusa o Congresso de tentar enfraquecer o
Judiciário em reação à Lava-Jato, repetindo o que foi feito na Itália
para anular os efeitos da Operação Mãos Limpas. Fux elogia a
força-tarefa da Lava-Jato e, sobre reforma política, defende a volta do
financiamento de campanha por empresas, se não forem contratadas pelo
governo após a eleição. Leia entrevista.
Alguns juízes dizem que, depois da Operação Lava-Jato, o Congresso Nacional passou a retaliar o Judiciário. O senhor concorda?
O enfraquecimento do Judiciário é uma das fórmulas que se utilizou
para fulminar os resultados positivos da Operação Mãos Limpas, na
Itália. E parece que isso está acontecendo agora no Brasil, em relação à
Operação Lava-Jato. Enquanto nós estamos estudando as melhores formas
de combater a corrupção, as melhores formas de investigação, o que se
tem feito no Congresso é estudar como se nulificou, na Itália, todos os
resultados positivos da Operação Mãos Limpas. Na Itália, começaram a
fazer reformas mirabolantes para tirar o foco da Operação Mãos Limpas.
Aqui, fizeram o mesmo. Na Itália, começou a haver uma política de
enfraquecimento do Poder Judiciário. Aqui, a iniciativa popular propôs
medidas anticorrupção, e elas foram substituídas por uma nova lei de
crime de abuso de autoridade, inclusive com a criminalização de atos do
juiz. Se você comparar, tudo o que se fez na Itália para minimizar os
efeitos da Operação Mãos Limpas tem sido feito no Brasil também.
Quais as medidas mais graves que o Congresso tomou até agora?
Em primeiro lugar, transformar as propostas contra a corrupção em lei
de abuso de autoridade, para tentar criar uma ameaça legal à atuação
dos juízes. Em segundo lugar, é completamente fora da reforma política
fixar prazo de mandato para os juízes dos tribunais superiores. Entendo
que seja uma estratégia para enfraquecer o Poder Judiciário. Essas
mudanças são para tirar o foco do que se está efetivamente apurando, que
é a corrupção.
Mandato delimitado para os ministros enfraqueceria o Supremo?
Depende. Se você aplicar o mandato no curso em que o ministro está
apurando uma operação grave, evidentemente que enfraquece. Se você
respeitar esse prazo de mandato da emenda em diante, acho até uma boa
sugestão.
O ministro do Supremo Gilmar Mendes costuma dizer que o
Ministério Público Federal exagera nas denúncias na Lava-Jato. O senhor
concorda?
A Operação Lava-Jato tem como finalidade passar a limpo o Brasil, e
acho que o Ministério Público é quem vai estabelecer o final dessa
linha. Queixa-se muito de que a Lava-Jato não termina, mas eu entendo
que esses integrantes da força-tarefa sabem até onde eles querem chegar.
Eles realizam um trabalho digno de muitos elogios. Sou favorável a essa
operação e acho que está sendo levada a efeito com um sentido bastante
positivo.
As brigas entre Gilmar Mendes e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, a partir da Lava-Jato, atingem a imagem do STF?
Eu entendo que isso é algo de caráter subjetivo, é uma opinião de um
componente do colegiado que não atinge o colegiado. Na verdade, ele fala
só por si. Eu não quero avaliar esse eventual dissenso entre o ministro
e o procurador. Acho que cada um está cumprindo o seu papel de acordo
com a sua percepção e a sua consciência.
O senhor acha que o STF deve julgar logo o pedido de Janot
para que Gilmar seja impedido de atuar em habeas corpus de empresários
com os quais teria relação?
Isso é algo de foro íntimo a ser resolvido de forma regimental. Se
não me falha a memória, essa alegação é decidida na presidência. Mas, se
tiver que ser levada a plenário, que seja.
Seria melhor julgar o assunto em plenário, de forma pública?
O STF não tem tradição de julgar impedimentos ou suspeições.
Normalmente, isso é declarado pelo próprio julgador, por foro íntimo.
Agora, no momento em que o tribunal foi instado a decidir isso, a
decisão tem que ser tomada necessariamente pelos critérios legais. A lei
estabelece casos de impedimento, em que o juiz não pode de maneira
alguma funcionar, e casos de suspeição. Se o caso estiver enquadrado em
um desses incisos da lei, automaticamente a função do tribunal é aplicar
a lei ao caso concreto.
O Supremo tem condições de lidar com o grande volume de processos da Lava-Jato?
Diferentemente da vara de Curitiba, que só julga as ações da
Lava-Jato, o STF tem competência múltipla. O juiz de Curitiba (Sergio
Moro) profere, no máximo, 30 sentenças condenatórias por mês. O Supremo
tem que produzir 90 sentenças judiciais por mês, incluindo direito
tributário, meio ambiente, demarcação de terras indígenas... É muito
variado. A tramitação das ações penais no Supremo é mais lenta do que em
varas especializadas porque o STF não tem só isso para fazer.
Isso deve atrasar a conclusão dos processos da Lava-Jato?
Julgar uma ação penal na turma (com cinco ministros) é mais rápido do
que julgar uma ação no plenário (com 11 ministros). Entendo que o
Supremo vai dar uma resposta judicial bem mais célere do que daria se
submetesse todos os processos da Lava-Jato ao plenário. Nós passamos
seis meses julgando mensalão no plenário. Agora agiliza, porque as
turmas é que vão julgar.
Os inquéritos abertos a partir da delação da Odebrecht saíram
da relatoria do ministro Edson Fachin e foram distribuídos a outros
gabinetes, entre eles, o do senhor. Hoje, Fachin tem três juízes
auxiliares e outros ministros têm dois. O senhor acha que será
necessário pedir reforço na equipe?
Seria uma boa medida, porque há inquirições. Agora que pulverizou (a
investigação da Odebrecht entre os ministros), acho que todos deveriam
ter também mais um juiz, para ficar com a dedicação mais exclusiva. Eu
pretendo pedir mais um, para dar mais agilidade para os processos.
Na semana passada houve polêmica sobre semipresidencialismo e
parlamentarismo. O senhor acha que é o momento de mudar o sistema de
governo do país?
Efetivamente não é a hora de se mudar o sistema de governo, até
porque o presidencialismo permite o controle dos atos do presidente não
só pela sociedade, mas pelo Congresso e pelo STF. O presidente pode ser
afastado por denúncia de crime, pode sofrer impeachment. E o Brasil é de
tradição presidencialista. Não é hora de alterar absolutamente nada. A
hora é de manter a nossa tradição política presidencialista sob esse
novo enfoque ético e moral, esses novos valores que foram inaugurados
com a repugnância de tudo a que nós assistimos aí no cenário político.
Qual a opinião do senhor sobre a proposta do distritão misto?
Esse distritão misto é de uma indecência a toda prova, porque ele é
destinado a manter a reeleição de quem já está lá. Transforma uma
eleição proporcional em majoritária, tira as vozes das minorias e acaba
mantendo um status quo absolutamente indesejável.
O Congresso cogitou criar um fundo bilionário para financiar
campanhas eleitorais, mas voltou atrás. O senhor concorda com a
proposta?
Para mim, esse fundo é completamente incompatível com o momento de
crise econômica nacional. A proposta que eu faria seria permitir a volta
do financiamento eleitoral por parte de empresas que tenham a mesma
bandeira ideológica do candidato. Por exemplo, um candidato que defende o
meio ambiente, ou de determinado setor do mercado financeiro. Esse
financiamento se daria num determinado limite. O financiamento seria
ideológico, e a empresa doadora ficaria impedida de contratar com o
poder público. Isso mostra a lisura do financiamento, como um ato de
quem quer ser representado. É o que ocorre com as pessoas físicas: você
doa para quem você acha que representa seus ideais.
Empreiteiras poderiam contribuir para campanhas? Qual seria a
ideologia das empreiteiras? A Lava-Jato mostrou que muitas priorizam a
corrupção.
A proibição da contrapartida evita que haja ilícito praticado a
posteriori. Essas empresas poderiam doar dentro do ideal de necessidade
de melhoria na infraestrutura do país.
A corrupção não encontraria um caminho? Por exemplo, a
empreiteira poderia usar outra empresa como laranja para fazer um
contrato com o poder público.
Sinceramente, na forma como se levou adiante a Lava-Jato,
dificilmente uma empresa vai querer doar ilicitamente para uma campanha
eleitoral para depois ter que comprar, com seu dinheiro, tornozeleiras
eletrônicas para seus executivos.
O senhor vai presidir o TSE de fevereiro a agosto de 2018. O
senhor acha que a Justiça Eleitoral tem real capacidade para fiscalizar o
uso do caixa dois?
A Lava-Jato serviu de exemplo. Nós vamos montar uma estrutura no TSE
para, em vez das auditorias e perícias serem realizadas a posteriori,
elas serão feitas contemporaneamente à prestação de contas. Isso é
importante. Não vamos usar só as forças do tribunal, mas todas as forças
da administração pública serão usadas, como a Receita Federal e peritos
técnicos.
O Globo
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