Emmanuel Macron, o mal bem menor, terá sua chance e irá aproveitá-la?
Favorito sai da eleição com menos estatura do que entrou. Em princípio, vitória sempre zera tudo, mas até a pecha de mentiroso e sonegador paira sobre ele
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A mãe de todas as lições: sob a proteção da mulher e ex-professora, Macron disputa voto de confiança em clima de desconfiança - (Philippe Wojazer/Reuters) |
“Você é odiado”, “você é odiado”, “você é
odiado”. A frase demolidora foi repetida muitas vezes na “Carta aberta a
um presidente já odiado”, a melhor coisa escrita durante a campanha
presidencial francesa.
O alvo, evidentemente, é Emmanuel Macron. O atirador,
François Ruffin, jornalista e candidato a deputado pela França
Insubmissa, a frente de extrema-esquerda que se saiu muito bem no
primeiro turno, com Jean-Luc Mélenchon.
Ruffin fez uma mistura de manifesto, desabafo, reportagem de
uma força visceral, publicado na última quinta-feira. Contou como andou
pelas quebradas de Amiens, a cidade dele e de Macron, distribuindo
material de sua campanha. “Discuti com centenas de pessoas e deu para
respirar no ar: você é odiado”, escreveu – francês, claro, usando o
pronome “vous”.
“Isto me deixou chocado, realmente impressionado,
estupefato: você é odiado”, disse ele. Os motivos são sempre os mesmos:
Macron é um jovem representante da elite sem a menor conexão com as
necessidades, medos e anseios da população periférica, que vive longe
das metrópoles e se sente simplesmente abandonada.
IDIOTAS SEM FRONTEIRAS
Sofre de “surdez social”, definiu Ruffin, ao defender
mudanças nas regras de aposentadoria, abono doença, salário desemprego e
outros benefícios. Parece até o presidente de um certo país que nunca
chegou ao estado de bem-estar social da França, mas já precisa aumentar o
mal estar social.
Ruffin, claro, não diz que estas reformas, desde que feitas
de forma inteligente, são vitais para salvar um sistema insustentável,
tentar dinamizar a economia e diminuir o gigantismo de um Estado que tem
um número espantoso: responde por 56% das atividades econômicas.
Ruffin é contra tudo isso. Mas, ao contrário dos
informadores baseados nos princípios dos Idiotas Sem Fronteiras, que
repetem sempre as mesmas ideias feitas, ele foi ver o que acontece no
mundo fora da bolha das elites, incluindo dos meios de comunicação, e
abriu os olhos.
Macron, se eleito presidente, tem várias qualidades
ignoradas no manifesto de Ruffin. Conheceu bem as entranhas do Leviatã
quando foi ministro da Economia.
Antes disso, ganhou dinheiro, e relativamente bastante para
os padrões franceses – coisa de uns 3 milhões de euros -, trabalhando
num banco de investimentos, o Rothschild. Isso foi apontado como um
defeito pelos adversários durante a campanha, mas tem um valor enorme
para um líder político.
ÉTICA UTILITARISTA
Só será de um efeito devastador se sua assinatura num
documento de uma companhia chamada LLC Providence, que opera nas Ilhas
Cayman, vier a demonstrar que ganhou e não declarou.
O documento faz parte do tsunami de emails hackeados de
funcionários da campanha de Macron revelados explosivamente na
sexta-feira, pouco antes do embargo noticioso pré-eleitoral.
Marine Le Pen insinuou, no espetacular embora muitas vezes
angustiantes debate de quarta-feira, que algo do gênero poderia
aparecer. Macron disse que ia processar. Começar um governo com a pecha
de sonegador, mentiroso e desonesto não seria nada bom para nenhum
presidente.
“Macron como presidente francês seria horrível para a
Grã-Bretanha, mas não tão ruim quanto Marine Le Pen”, escreveu no
Telegraph outro político e jornalista de alto nível, Daniel Hannan. Ele é
parlamentar pelo Partido Conservador – no lado oposto, portanto, de
François Ruffin, numa prova de que, felizmente, existe também a
Inteligência Sem Fronteiras.
“Nenhum dos candidatos é entusiasmante do ponto de vista
britânico”, analisou Hannan, um dia antes da eleição francesa. “Para os
macronistas, Marine Le Pen é da pior laia do populismo, prometendo
dinheiro que ela não tem, usando imigrantes como bodes expiatórios,
cantando a Marselhesa enquanto recebe dinheiro dos russos”.
“Os militantes de Le Pen retrucam que Macron é um
internacionalista sem raízes, um enarca super-privilegiado que nunca se
dignou antes a disputar nenhuma eleição, um profissional do mercado
financeiro que ficou rico manipulando dinheiro em vez de fazer
coisas”.
Enarca é como os franceses chamam a elite da elite da disse
dirigente, formada na excelente Escola Nacional de Administração. Tomara
que para um Macron presidente isso seja uma vantagem a mais e não a
menos.
Seguindo os princípios da ética utilitarista, David Hannan
acha que ele fará menos estragos do que Marine. Se o pequeno gênio de 39
anos, que fez uma carreira brilhante em vários campos, sempre
obedecendo as instruções da mulher e ex-professora, Brigitte,
surpreender a França e o mundo com alguma coisa um pouco menos
inspiradora do que fazer o mal menor, será uma vitória para todos.
Veja
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