Galã global conta porque fez voto de pobreza e hoje vive nas ruas do Rio de Janeiro

Eduardo Tornaghi foi um Fábio Assunção
dos anos 1970 até meados dos 1980. Estrelou várias novelas, derreteu
corações, ganhou status de galã e muito dinheiro. Mas cansou. Percebeu
que vivia em uma “gaiola de ouro”, que dinheiro era “veneno”, e resolveu
conhecer o Brasil real e o “mundo subterrâneo da cultura”. Hoje, aos 64
anos, ele sobrevive do que ganha nas ruas do Rio de Janeiro, recitando
poesias e vendendo livros, e das aulas de interpretação que dá ao ar
livre, em um quiosque de praia. Há dez anos, tentou voltar à TV, mas não
funcionou. “Sinto que meu tempo na TV passou”, reconhece.
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Eduardo Tornaghi nos anos 1970 - (Reprodução) |
Além da semelhança física, Tornaghi e
Assunção têm em comum a carreira meteórica na TV. Em oito anos, na
década de 1990, Assunção fez nove trabalhos na Globo. Tornaghi, em uma
época em que novelas davam 60 pontos de audiência, atuou praticamente em
um folhetim por ano. Foram 12 telenovelas de 1973 a 1985, entre elas
Veja a Lua no Céu (1976), Dancin’Days (1978) e Vereda Tropical (1984).
Depois de A Gata Comeu, em 1985, em que namorou a mocinha de Christiane Torloni, ele deu uma de Ana Paula Arósio e não renovou contrato com a Globo. Dois anos depois, fez uma ponta na novela Carmem, da Manchete, vendeu o que tinha e sumiu.
Depois de A Gata Comeu, em 1985, em que namorou a mocinha de Christiane Torloni, ele deu uma de Ana Paula Arósio e não renovou contrato com a Globo. Dois anos depois, fez uma ponta na novela Carmem, da Manchete, vendeu o que tinha e sumiu.
Fez voto de pobreza e adotou um estilo
hippie tardio. Foi dar aulas de teatro em presídios e em acampamentos de
sem-terra. “Eu havia virado um produto, uma pessoa que dá lucro. Acabei
preso numa gaiola de ouro porque essa exposição toda dá dinheiro,
claro, e isso acaba te botando numa prisão. Porque dinheiro é uma droga.
Ele envenena. A gente entra num jogo de interesses e pira se não souber
lidar. Não era o que eu queria e me afastei. Hoje, não tenho mais
aquela grana, mas estou livre”, diz.
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Tornaghi com Christiane Torloni em A Gata Comeu, em 1985 - (Reprodução/Memória Globo) |
Trabalho na TV não lhe faltaria. Mas ele
não queria mais. Tentou voltar 20 anos depois, porém já era tarde. Em
2006, conseguiu apenas uma participação na série Carga Pesada, da Globo.
Quatro anos depois, fez uma ponta na novela Uma Rosa com Amor, no SBT.
Em ambas, não tinha nem nome.
Tornaghi diz que vive recusando
convites, mas a verdade é que ele não interessa mais à TV. “Volta e
meia, um produtor me chama para algum trabalho. Nunca vinga. Ainda tenho
aqueles velhos amigos querendo me ver trabalhando na TV, mas nunca dá
certo”, admite. “Talvez porque sempre tenho mais o que fazer!”.
O “mais o que fazer fazer” é comandar
todas as quartas-feiras a Pelada Poética, na qual recita poesias em um
quiosque da praia do Leme, no Rio, quase em frente ao apartamento em que
mora. As aulas de teatro são realizadas ali mesmo, na praia. O que
ganha “dá pra sobreviver”, diz.
Tornaghi também faz palestras sobre a
importância da leitura em colégios e apresenta peças em empresas (esteve
na Petrobras e na Casa da Moeda). Aliás, cozinhar é uma de suas
paixões. “Adoro cozinhar e tocar violão para minhas filhas”. Ele é pai
de duas meninas, uma de 13 e outra de 16 anos.
Um adicto em fama
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Em 1978, com Fábio Jr. em Ciranda Cirandinha, série sobre os jovens dos anos 70 - (Nelson Di Rago/Globo) |
Vontade de voltar para a TV ele ainda
tem, mas não sofre por isso. Um dia sofreu, mas diz que aprendeu a
controlar o vício em fama. “Fama vicia, e eu sou um adicto. Sinto falta.
Cheguei a ter crises de abstinência. Certa vez, pouco antes de embarcar
para Brasília, onde participaria de um congresso de moradores de rua,
me deparei, no aeroporto, com uma equipe da Globo gravando uma novela.
Havia fita de isolamento e eu fiquei ali paralisado. Senti vergonha por
estar do lado de fora, de não fazer parte da cena. Não consegui
cumprimentar os amigos. Tive tremedeira e fui para a sala VIP respirar.
Repeti mil vezes que o que eu estava fazendo [ir ao congresso] era mais
importante. Foi difícil”, lembra.
Faz tempo que o ator não tem uma dessas
crises. “Certa vez, uma moça me disse que eu era importante. Respondi
afirmando que eu parecia uma pessoa importante, mas não era. Hoje sou
importante e não pareço. Divulgo a arte, trabalho com pessoas
maravilhosas e de origens diversas, faço arte nas ruas”.
No ano passado, foi tema de reportagem
do Domingo Show, da Record. A exposição aumentou o número de alunos e de
pessoas interessadas em sua poesia e em seu modo de vida.
“Foi maravilhoso, porque jogou uma luz
no que faço. No entanto, focaram no meu sumiço e não no fato de que saí
do circuito para fazer o que Manuel Bandeira [poeta, 1886-1968] e
Villa-Lobos [maestro e compositor, 1887-1959] fizeram: olhar para a
cultura brasileira e ajudar a desenvolvê-la. Também falaram pouco do
pessoal com o qual convivo. Gente comum que faz um trabalho educativo.
Mas é TV. Foi válido. Fiquei apenas um pouco decepcionado”, conta.
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Tornaghi faz seu primeiro protagonista com Norma Blum em cena de Vejo a Lua no Céu - (Memória Globo) |
Tornaghi tem um canal no canal no
YouTube, em que recita e discute poesias.Também se prepara para lançar
mais um livro (ele já tem dois), mas ainda não sabe sobre o quê. “Estou
pensando. Aliás, a bobagem que realmente gosto é pensar. Esqueço da vida
pensando. Esse estado se parece muito com a inércia, e a gente acaba
gostando”, diverte-se.
Ele diz que entre as várias pessoas que o
ajudaram a abrir a “ostra” na qual vivia estão o preparador corporal
Angel Vianna, o ator Sergio Brito (1923-2011), e a fonoaudióloga
Glorinha Beuttenmüller. “Eles me ajudaram a sair da ostra. Aprimoraram
minha arte. Hoje sou um bicho ‘cateiro’ [de acumulador de cultura].
Estou disponível para a vida”. Bicho ‘cateiro’ e barbudo. “Sim,
barbudão. Estilo Paulo Freire [educador e filósofo, 1921-1997]”,
corrige.
REPRODUÇÃO/FACEBOOK
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Eduardo Tornaghi em recital de poesia na praia do Leme, onde vende seus livros |
FONTE: noticiasdatv.uol.com.br
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