Humanos e seu ‘parente’ primitivo podem ter convivido na África, diz pesquisadores
‘Homo naledi’ pode ter caminhado ao lado do ‘Homo sapiens’, mais um indício de que a evolução humana não seguiu um caminho linear
Reconstrução de como se pareceria um 'Homo naledi' - (National Geographic/Reprodução) |
Hominídeos primitivos podem ter convivido na África com os primeiros seres humanos
modernos, anunciaram cientistas nesta terça-feira. Uma equipe de
pesquisadores internacionais descobriu novos restos de, pelo menos, 18
exemplares de Homo naledi em uma caverna localizada na África do Sul,
perto de Johannesburgo. Segundo os cientistas, um dos exemplares é um
esqueleto bastante completo, incluindo um crânio bem preservado,
apelidado de neo (“presente”, na língua local sesotho). A pesquisa, publicada na revista científica online eLife,
sugere que esses hominídeos habitaram a região até pelo menos 236.000
ou 335.000 anos atrás, mesmo período que os primeiros humanos, e podem
ter fabricado suas próprias ferramentas de pedra. A descoberta fornece
ainda mais evidências de que a evolução humana possivelmente não tenha
seguido um caminho linear, mas teria um desenho mais próximo ao de um
rio que, ao longo de seu curso, separa-se em braços que podem voltar a
se encontrar lá na frente.
Homo naledi
Em 2015, cientistas anunciaram a descoberta de uma rica coleção de 1.500 ossos de 15 hominídeos,
também na África do Sul. Na época, o líder da pesquisa, o paleontólogo
americano Lee Berger, da Universidade de Witwatersrand, na África do
Sul, ocupou as manchetes dos principais jornais do mundo ao afirmar que
os achados pertenceriam a um tipo inédito, uma nova espécie de
antepassado humano. A análise das ossadas apontou para um hominídeo que
reunia características de exemplares do gênero Homo e macacos —
ele apresentava um pequeno cérebro, pés semelhantes aos de homens
modernos e mãos capazes de segurar ferramentas. Entretanto, na época, os
fósseis não puderam ser datados com precisão, deixando algumas dúvidas
sobre a reunião de traços em um mesmo indivíduo.
O estudo recém-divulgado, também liderado por Lee Berger,
revela a idade dos fósseis e de outro conjunto de ossos que pertenceriam
aos mesmos hominídeos, mostrando que são muito recentes e,
possivelmente, coabitaram com os humanos modernos. Para os
pesquisadores, a datação torna ainda mais frágeis as leituras lineares da evolução dos seres humanos,
que acreditam que houve uma progressão lógica e constante dos macacos
para os humanos, e fornece novos indícios de que nossa história
evolutiva tenha sido formada por diversas espécies que conviviam e
competiam, com características que surgem e desaparecem ao longo do
tempo. A imagem mais próxima de nossa evolução, sugerida por Berger, é a
de um curso d’água, que pode se separar em braços que voltariam a se
encontrar próximo à foz. A água dos diversos cursos do rio evolutivo
arrastariam consigo os sedimentos de todos os lugares por onde
passou, unindo-se em um delta antes de desembocar no oceano.
Crânio de ‘Homo naledi’ encontrado em caverna da África do Sul - (Foto/Divulgação) |
“Pensávamos que o homem era invencível (…) e que havia apenas uma história ou uma linha reta cada vez mais humana com um cérebro maior e comportamentos mais complexos”, ressaltou John Hawks, da Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, membro da equipe de cientistas responsáveis pelo estudo. “A datação destes fósseis sugere muitas possibilidades de trocas (…) entre o Homo sapiens e o Homo naledi“, completou Paul Dirks, da Universidade John Cook, na Austrália, que também participou da investigação.
Segundo a pesquisa mais recente, os Homo naledi
viveram no início do que é considerado pelos cientistas o começo da era
dos humanos modernos. “Eles são surpreendentemente jovens. E é muito
possível que o Homo naledi, esta espécie de hominídeo de cérebro pequeno, tenha encontrado o Homo sapiens“, afirmou Berger à Agência France-Presse.
Casos de coabitação entre espécies já foram identificados.
Na Europa, por exemplo, o homem de Neandertal cruzou seu caminho com o Homo sapiens antes de sua extinção, há 30.000 anos. Mas este cenário jamais havia sido traçado na África.
“Não poderemos mais afirmar qual espécie fabricou quais
ferramentas ou mesmo que os homens modernos estão na origem de certas
inovações técnicas ou comportamentais”, afirmou o cientista. “Este pode
ser um ‘elo perdido’ crucial na história da nossa evolução.”
Ritos funerários
O paleontólogo também voltou a falar sobre uma outra
controvérsia relativa à sua descoberta inicial. Em 2015, Berger sugeriu
que a presença de ossos em uma caverna quase inacessível significava que
ela era, de fato, uma tumba e que o Homo naledi realizava ritos
funerários, uma prática até então atribuída unicamente aos seres humanos
modernos. Sua hipótese suscitou muitas provocações, mas, nesta
terça-feira, o pesquisador insistiu, revelando que o caminho para o
local do segundo conjunto de ossos era tão estreito quanto o primeiro.
“Isso reforça, creio eu, a ideia de que o Homo naledi utilizava essa caverna com um objetivo particular e potencialmente (…) que o Homo naledi enterrava seus mortos lá.”
Outros pesquisadores, no entanto, acreditam que é preciso
ter cautela e analisar os indícios com cuidado antes de chegar à
conclusões em relação aos rituais funerários. Ritos para os mortos
costumam ser vistos como comportamentos avançados, pois sugerem que a
espécie seria capaz de conceber símbolos e se enxergar como separada da
natureza. Apenas humanos e Neandertais foram conclusivamente associados à
prática de enterrar seus mortos, e, no caso dos Homo naledi,
alguns cientistas acreditam que a possibilidade de que os ossos tenham
sido depositados na caverna naturalmente ainda não pode ser descartada.
Veja
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