Desesperadas, famílias pedem autorização para matar filhas e evitar estupro
Foto: ABDALRHMAN ISMAIL / REUTERS
LONDRES
— Moradores do leste da cidade síria de Aleppo estão pedindo permissão a
religiosos para que pais possam matar as filhas, mulheres e irmãs antes
que elas sejam capturadas e estupradas pelas forças do regime de Bashar
al-Assad, da milícia libanesa do Hezbollah ou do Irã, de acordo com
relatos que circulam. As histórias ganharam força com a reprodução nas
redes sociais da carta de uma enfermeira da área cercada da cidade
explicando por que havia escolhido o suicídio diante da possibilidade de
“cair nas mãos de animais do Exército sírio”. Outros postam mensagens
desesperadas à medida que as tropas do governo se aproximam, trazendo
para mais perto do mundo o drama vivido na área rebelde da cidade síria.
“Sou
uma das mulheres em Aleppo que em breve serão violadas. Não há mais
armas ou homens que possam ficar entre nós e os animais que estão
prestes a vir, o chamado Exército do país. Eu não quero nada de você.
Nem mesmo suas orações. Ainda sou capaz de falar e acho que a minhas
orações são mais verdadeiras do que as suas. Tudo o que peço é que não
assuma o lugar de Deus e me julgue quando eu me matar. Eu vou me matar e
não me importo se você me condenar ao inferno! Estou cometendo suicídio
porque não quero que meu corpo seja alguma fonte de prazer para aqueles
que sequer ousavam mencionar o nome de Aleppo dias atrás. E quando você
ler isso saiba que eu morri pura apesar de toda essa gente”, diz a
carta. O nome não foi divulgado e a veracidade não pode ser comprovada.
A
carta era endereçada a líderes religiosos e da oposição e, segundo o
jornal britânico “Metro”, o post foi compartilhado pelo trabalhador
humanitário Abdullateef Khaled. Ela reforça os rumores de mulheres
cometendo o suicídio para evitar o estupro à medida que as forças sírias
avançam e surgem denúncias de execuções.
Outros relatos que
circulam nas redes sociais dizem que pais estão pedindo a permissão de
autoridades religiosas para assassinar as próprias filhas antes que
sejam capturadas. As forças sírias executaram mais de 80 pessoas em
Aleppo na segunda-feira, incluindo mulheres e crianças ainda em suas
casas.
Muhammad Al-Yaqoubi, um conhecido líder religioso que fugiu
da Síria, tuitou na terça-feira que estava recebendo consultas de
Aleppo, incluindo algumas inquietantes: “Pode um homem matar sua mulher
ou irmã antes que ela seja estuprada pelas forças de Assad na frente
dele?”
DESESPERO NAS REDES SOCIAIS
Uma
trégua deveria ter permitido a saída de moradores da cidade. Mas com a
retomada dos bombardeios nesta quarta-feira, a retirada foi suspensa. O
desespero aumenta e, isolados por terra, moradores da área cercada enviam
apelos pelas redes sociais.
Filmado pelo próprio celular, o
professor de inglês Abdulkafi al-Hamdo aparece encolhido atrás de um
muro. Afirmando que as forças de Assad estão chegando e que podem estar a
300 metros dali, ele resume a situação:
– Não há mais para onde
ir. Este é o último lugar – diz no vídeo divulgado pelo Twitter. Espero
que algo possa deter os massacres. Ninguém dormiu esta noite. Minha
mulher, minha filha, todos os que conheço estão… – disse, até que o
vídeo foi interrompido de repente.
Não se sabe a situação dentro
de um dos últimos bolsões controlados pelos rebeldes na cidade. A última
mensagem do jornalista americano Bilal Abdul Kareem na região veio na
segunda-feira. Com o som de explosões ao fundo, ele disse poderia ser um
de seus últimos vídeos.
– Talvez não possamos mais enviar mensagens à medida que o regime se aproxima cada vez mais.
Outros
enviam mensagens de despedida, temendo a morte ou a captura. São
agradecimentos a quem ajudou os sírios, pedidos para que habitantes de
outros países protestem contra o que ocorre no país. Outras são
reproduzidas por jornalistas que recebem mensagens de ativistas na
cidade.
“Ativistas estão tuitando seus momentos finais. Eles
quase certamente serão detidos/torturados/mortos após a captura. O
aperto que se sente no estômago após ler as últimas mensagens de Aleppo.
Que Deus nos perdoe por não ajudar essas pessoas”, escreveu um
jornalista no Twitter.
O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário