Vasto cardápio de pornô on-line pode dificultar relações sexuais na vida real
Barata,
ao alcance da mão e para todos os gostos. A pornografia na era digital
faz a alegria de muitos, mas cada vez mais vem criando problemas para
jovens e adultos.
Especialistas em sexualidade apontam um aumento
no número de viciados em conteúdo pornô e na masturbação devido ao
acesso fácil pela internet e à privacidade que o celular e o tablet
proporcionam.
Os jovens são os mais suscetíveis a desenvolver
dependência e já estão sendo chamados de autossexuais – pessoas para quem
o prazer com o sexo solitário é maior do que o proporcionado pelo
método, digamos, tradicional.
“Eles começam a atividade sexual sem
parceria, na masturbação, em frente a um vídeo no qual escolhem tipo
físico e idade de todas as variedades imagináveis. Isso é muito
sedutor”, explica Carmita Abdo, coordenadora do Programa de Estudos em
Sexualidade da USP.
“Os meninos aprendem muito na internet, o que
não é didático, porque são corpos e posições irreais, atividades sexuais
mais agressivas que a média. Eles correm o risco de achar que é o
padrão”, diz o psiquiatra Alexandre Saadeh, professor da PUC-SP e do
Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.
Parte deles
enfrenta perda do desejo sexual e disfunções, como falta de ereção ou
ejaculação, e muitos têm uma visão distorcida sobre o próprio corpo ou
desempenho sexual. Isolamento e insatisfação nos relacionamentos também
são relatados nos consultórios.
“A pornografia veio substituir a
prática sexual com outra pessoa, porque mesmo uma garota de programa tem
um custo, e o encontro não pode ser a qualquer hora”, diz Carmita.
Quem
é mais inibido continua trocando a vida sexual pelo pornô, até que ela
começa e os problemas sexuais aparecem. Acostumado a um ritmo e a uma
sequência na masturbação, o jovem não consegue repetir o mesmo estímulo
no sexo a dois. Resultado: não tem ereção ou não ejacula, interrompendo a
relação antes do final.
DEPENDÊNCIA
O
norte-americano Alexander Rhodes, 26, ex-analista de dados do Google, se
tornou o porta-voz dos dependentes de pornografia com o site NoFap,
criado para ajudar pessoas que desejam largar o vício.
Sua
história mostra como o problema pode começar cedo. Por volta dos 11
anos, ele clicou em um banner e caiu em um site de conteúdo adulto. Não
parou mais. Rhodes contou, em entrevista ao “The New York Times”, em
julho, que chegava a se masturbar até 14 vezes diante da tela por dia na
época da faculdade.
Com a primeira namorada, só conseguia manter a
ereção se fantasiasse com pornografia. Em 2011, ao buscar ajuda num
fórum de discussão, percebeu que não estava sozinho, mas só conseguiu
largar o pornô depois de outro relacionamento fracassado.
“Acho
que eu dependia da pornografia como um tipo de muleta emocional. Se algo
ruim acontecesse, ela estava sempre lá”, disse ao jornal.
No
site, homens dividem suas experiências e buscam apoio uns nos outros.
Contam como se sentem depois de uma recaída (“Não tenho ânimo para nada,
sinto-me vazio. Me viciei de novo e sinto que é impossível parar”) e
comemoram suas conquistas (“Minha vizinha acaba de me convidar para
sair. O NoFap funciona mesmo!”).
EDUCAÇÃO
A
facilidade de acesso à pornografia e o tabu que ainda envolve a
sexualidade está transformando o pornô na base da educação sexual dos
jovens de hoje, segundo os especialistas, com uma série de efeitos
indesejados.
De um lado, as famílias delegam a tarefa à escola,
que aborda o tema quando as crianças já tiveram acesso à pornografia ou
mesmo iniciaram a vida sexual. Deixar para conversar com os filhos na
adolescência, diz Saadeh, é um erro. “Tem que começar a acompanhar desde
criança, saber quem é o filho, discutir o tema”, orienta.
Na fase
seguinte da vida também há problemas. Os jovens temem parecer
inexperientes e não corresponder às expectativas. “Quando existe vínculo
afetivo entre os parceiros é mais tranquilo, mas é cada vez mais comum o
sexo sem intimidade”, diz Carmita.
O proprietário da produtora
pornô Brasileirinhas, Clayton Nunes, vê o vicio em pornografia como uma
desculpa para os homens que perderam o interesse sexual pela mulher. “Se
não faz sexo, ele acaba procurando pornografia. Essa pessoa precisa
procurar um terapeuta sexual, conversar com a parceira ou mesmo se
separar”, diz.
Segundo ele, a pornografia pode fazer parte de uma
vida saudável se “consumida com moderação” e cabe aos pais controlar o
acesso dos filhos para evitar excessos.
Apesar de ter aumentando
nos consultórios a procura por ajuda para problemas sexuais ligados à
pornografia, as pesquisas sobre a relação entre as duas coisas não são
conclusivas. A maioria avalia homens que buscavam tratamento para o
problema, o que pode levar a resultados enviesados, ou envolvem poucos
participantes.
Publicado no periódico “Sexual Medicine” no ano
passado, um estudo com 280 homens sem queixas sobre a vida sexual não
encontrou relação direta entre consumo de pornô e disfunção erétil.
Outra
pesquisa recente, feita por cientistas da Universidade de Oklahoma
(EUA), sugeriu que a pornografia aumenta o risco de divórcio,
principalmente entre os jovens, que tendem a assistir com mais
frequência e têm casamentos menos estáveis.
Saadeh afirma, no
entanto, que não é possível fazer uma relação direta entre o consumo de
pornô e o divórcio. “O acesso à pornografia pode ser um sintoma de que
algo na relação sexual desse casal não estava satisfatório antes”, diz.
É
importante ressaltar que não são todos os jovens conectados que correm
risco de dependência. “Há aqueles que assistem hoje, se masturbam e não
voltam amanhã”, diz Carmita. Entre os sinais de alerta estão a angústia
em relação ao uso e a restrição da capacidade de interação. “Se o
indivíduo não se incomoda, paciência”, diz.
Para Saadeh, nos casos
em que a situação sai do controle uma única conversa com um
especialista pode ser suficiente. “Sexo é para ser uma boa experiência.
Se não for, ou tem algo diferente em mim ou preciso aprender alguma
coisa.”
Folha de São Paulo
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