sexta-feira, 30 de setembro de 2016

O drama de uma miss

Miss Brasil Marthina Brandt esconde câncer de útero: “Não queria ser coitadinha”

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Por que esperar um ano inteiro para revelar um câncer de útero, carregando o título de mulher mais bonita do Brasil? Para a gaúcha Marthina Brandt, se tratava de não ser vista como vítima, mas sim como protagonista da própria história, apesar de não saber qual seria o seu destino. Hoje curada e quase se despedindo do posto conquistado em novembro do ano passado (neste sábado (1) será o Miss Brasil 2016), ela se sente confortável para falar sobre a sua trajetória com exclusividade à Marie Claire. A entrevista foi concedida em seu apartamento, no bairro do Morumbi, em São Paulo. Nas paredes, pequenos quadrinhos que ajudam a entender por que Marthina é a primeira representante de uma nova geração de misses. Num deles se lê “proibido calar catarses”. No outro, “tenho em mim todos os sonhos do mundo”. Confira:

Marie Claire: Como você está se sentindo às vésperas de coroar a nova Miss Brasil?
Marthina Brandt: Feliz porque poderei iniciar uma nova fase. Mas você vai pensando na sua trajetória, em tudo o que você passou e dá um aperto no coração. Esses dias, vi a Letícia [Kuhn, Miss Rio Grande do Sul 2016], e ela estava indo para o Hilton [hotel onde as candidatas estão hospedadas] e deu vontade de dizer ‘menina, vai para a casa’. É sofrido.


MC: Sofrido?
MB: Todas alimentam uma expectativa e cada uma tem uma história até chegar ao Miss Brasil. 26 [candidatas] vão embora tristes, porque só uma vai vencer. Não é justo destruir o sonho de uma pessoa. Mas a vida é assim, ela é dura. Depois da minha doença, fiquei mais sensível aos outros. As coisas me tocam mais. Talvez seja um sentimento de mãe, porque elas são muito meninas e não têm ideia do que pode acontecer. Elas imaginam o que é ser Miss Brasil, mas não sabem como é a coisa real. Quando você ganha, o bicho pega, tudo bate em você, que tem que ser forte para aguentar as críticas. Ficar doente, como eu fiquei, e segurar as pontas. Tem que ter a cabeça boa. Conheço muitas misses que passaram pela depressão, tiveram ‘n’ problemas. São traumas para a vida.


MC: Que doença você teve? Por que nunca falou sobre o assunto?
MB: Eu tive câncer no útero. Sou uma pessoa muito reservada quanto à vida pessoal. Não queria que as pessoas me vissem e me perguntassem sobre a doença. Não podia me abater porque se você fica triste e se entrega, o seu quadro piora. Não queria me sentir vitimizada, que tivessem pena ou achassem que eu queria justificar qualquer coisa usando o meu problema de saúde.


MC: Como você descobriu?
MB: Passei mal antes do Miss Brasil [2015] e então fiz um exame patológico. Embarquei para disputar o Miss Universo [realizado em dezembro de 2015, em Las Vegas] e minha médica ligou dizendo que eu precisaria fazer quimioterapia voltando ao Brasil. Você não sente nada até que estoura o negócio. Eu fazia exames a cada seis meses. Foi bem complicado, mas sendo bem sincera, eu não chorei um único dia. Hoje, quando penso nisso, tenho orgulho de mim. Fui muito forte. Essa palavra, ‘quimioterapia’, é muito pesada. É engraçado. Você se olha no espelho, está linda, fazendo o cabelo e a maquiagem, e pensa: ‘Será que vou perder meu cabelo? Tem cura? Não tem? Vou viver? Vou morrer?’. Você pensa em mil coisas ao mesmo tempo e precisa mostrar que está bem.


MC: Você continuou no Miss Universo após o diagnóstico.
MB: Minha médica dizia que o certo era descansar e eu não tinha como. Fiz o que pude. Quando voltei, a organização [do Miss Brasil, comandada pela empresa Polishop] perguntou sobre quanto tempo eu precisava para ficar bem e eu optei por manter as minhas atividades. Ninguém me proibiu de descansar. Não sabia que fim iria levar, se iria me curar ou não, mas queria deixar uma imagem positiva. Ou a gente é vítima ou é protagonista. Minha avó comentou ‘justo agora que você conquistou o que mais sonhava acontece isso’. Mas acho que as coisas ruins podem ser boas. Nesse caso, ocorreu uma transformação. Desde os 18 anos, fazia trabalhos voluntários relacionados ao câncer e hoje sei o que as pessoas passam. Eu me sentei na cadeira delas. No fim das contas, aconteceu algo legal comigo. Mudei para melhor.


MC: Quem soube da sua doença? Você sofreu os efeitos colaterais da quimioterapia?
MB: Apenas a minha família e a organização. Meus amigos vão levar um susto [ao ler esta entrevista], porque nem os mais íntimos sabiam. Sofri poucos efeitos colaterais. A quimioterapia não foi convencional. Foi agressiva com o tumor, mas não tanto com o corpo. Eu perdi cabelo, mas uso mega hair, então não foi perceptível. Sentia muito cansaço, tinha unhas fracas e falta de apetite. Perdi dois quilos, mas normalmente oscilo entre 52 e 55 quilos.

A Miss Brasil 2015 (Foto: Antares Martins)

MC: Qual era a chance de cura?
MB: Minha médica dizia que, com o tratamento, de seis meses, eu teria 40% de chances. Consegui em três meses e meio. Fui ao hospital um dia sim, um dia não, durante oito dias. Pausava cinco dias e começava de novo. Minha mãe sempre me acompanhava e eu ficava mais sentida por ela. Ela dizia que se pudesse, trocava de lugar comigo.


MC: Você está curada?
MB: Sim, mas durante cinco anos preciso fazer exames. E tenho que me cuidar, porque quando [o câncer] volta no mesmo lugar, ele volta mais agressivo.


MC: Você tinha tudo para falar sobre isso e não falou.
MB: Não queria ser notícia por causa de um problema, e sim ser lembrada pelo meu trabalho. A coordenação propôs abrir isso para a mídia na época, e eu não quis. Agora que estou encerrando um ciclo, não serei mais a ‘Miss Brasil coitadinha’ e intimamente estou melhor. Este é o momento.


MC: Seu reinado foi marcado por mudanças no conceito de miss. O que é ser miss hoje?
MB: É opinião. Ninguém mais aguenta ler dicas para cuidar do cabelo. Se a pessoa quiser, ela pesquisa no Google. Miss é conteúdo. Precisa ser bonita, mas manter a atenção pelo que fala. Não acho que tem que fazer caridade se não gosta. Pode defender causas, sim, mas não para postar nas redes sociais. Tem que ser algo que faz parte de você de verdade. Não pode vestir uma roupa de que não goste, mudar o cabelo se não quiser.  Ela precisa saber que ocupa espaço público, mas não pode ser intocável.


MC: Neste ano, a Fabiane Niclotti, Miss Rio Grande do Sul e Miss Brasil 2004, se suicidou. Foi uma surpresa, mostrando que o mundo miss não é cor de rosa.
MB: Em 2004, eu era muito nova. Não sei dizer se ela aproveitou o reinado dela como gostaria. Minha relação com ela, depois, não era íntima. Mas ela era uma das pessoas que eu mais vi sorrir. Ninguém dizia que ela tinha depressão. Fiquei bem abalada. Ela já foi o que sou hoje e você se projeta no futuro. Não tem como eu não me colocar no lugar dela. Pensei o que poderia ter acontecido com ela para chegar a isso.


MC: Você se arrepende de ter ganhado o título?
MB: Não. Fico muito feliz porque, após um ano de reinado, eu ouço ‘parabéns pelo seu jeito de ser’. É muito mais legal do que ‘seu cabelo é lindo, seus olhos são lindos, sua bunda não tem celulite’. Foi uma construção mostrar que a miss não é um cabide. Algumas pessoas ainda estranham meu posicionamento em redes sociais, dizem que não posso opinar. Eu sempre vou opinar. A gente está no século 21 e eu não vou me calar. Estou muito feliz por ter passado por várias experiências, evoluí muito. Sou grata pelo carinho das pessoas e jamais vou esquecer esse período, mesmo com tantas dificuldades.

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