Questão social e política faz da França ser o alvo preferencial de atentados
A
França vem sendo, claramente, alvo preferencial de ataques nos últimos
meses. Para a portuguesa Mónica Ferro, professora do Instituto Superior
de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, há duas
razões principais para isso.
A primeira é o empenho militar
francês no combate ao Estado Islâmico (EI) na Síria, Iraque e Líbia.
“Embora até o presente momento ainda não saibamos se foi um atentado
reivindicado pelo EI, pois ainda não há reivindicação, sabemos que
alguns grupos ligados ao EI já se congratularam nas redes sociais por
este atentado”, afirmou à Agência Brasil.
A
segunda razão, de acordo com a professora, é que a França tem grandes
comunidades de jovens que estão “desenraizados” e que são mais
facilmente cooptados por grupos terroristas. “Os atentados em Bruxelas e
em Paris foram cometidos por europeus, jovens que vivem na Europa, e
que foram radicalizados no continente europeu”, afirma.
Para o
português Felipe Pathé Duarte, professor universitário e membro do
Observatório de Segurança, Criminalidade Organizada e Terrorismo
(OSCOT), o problema é social e político. “No caso específico da Europa,
[são] jovens com 20 e poucos anos e com problemas sociais e políticos
que vão beber dessa ideologia [jihadismo]. É um problema social e
político”, afirma o professor.
Para Duarte, é um engano relacionar
terrorismo à questão religiosa. “Estamos falando de uma ideologia
reacionária, violenta, enquadrada por questões religiosas, sem dúvida,
mas é uma ideologia política, que procura tomar o poder. Não é salvar
almas, é tomar o poder. Mas [os jihadistas] falam utilizando uma
retórica religiosa”.
Data nacional
Para
Mónica, o ataque da noite de ontem (14), em Nice, no dia quando se
comemora a Queda da Bastilha, foi simbólico. “É o dia nacional, dia no
qual a França afirma liberdade, igualdade e fraternidade. É um ataque ao
coração dos valores da nossa civilização, da forma como nós nos
organizamos em sociedade. E a França é fonte inspiradora desses direitos
e isso faz deles um alvo muito importante”.
Felipe Pathé Duarte é autor do livro Jihadismo Global: das palavras aos actos
e afirma que um dos grandes desafios atuais é acompanhar e monitorar o
movimento de radicais que potencialmente poderão vir a ser violentos.
“Esse
acompanhamento tem que ser feito para ver até que ponto o indivíduo
passa do radicalismo à violência, o que é extremamente complicado pois
não há um padrão. E, por outro lado, às vezes é o próprio desespero que
leva a isso [ataques terroristas]. Monitorar o desespero é impossível”,
afirma.
Para Duarte, a internet é um novo campo de guerra, de
batalha, onde há comunicação e os terroristas utilizam isso como
ninguém. Não apenas para passar a mensagem, que é a comunicação externa;
mas também na comunicação interna. “Muitos entram na chamada deep dark web
[internet escura e profunda, em tradução livre], se comunicam através
de fóruns, compartilham vídeos, informações. Está disponível a qualquer
um e em alguns casos é uma espécie de do it your self your own jihad
[faça você mesmo sua própria jihad]. Portanto, alguém com problemas de
sociopatia, psicopatia ou com tendências homofóbicas, pode apanhar
aquela ideologia e ver nela a capacidade de resposta para a sua própria
frustração”, disse.
A professora Mónica Ferro afirmou ainda que é
quase impossível antecipar um atentado como o de ontem e que o
terrorismo, nos últimos tempos, vem se alterando. “Um sujeito aluga um
caminhão e avança para cima de centenas de pessoas. É uma pessoa que
utiliza um objeto do nosso cotidiano como arma. O atentado de ontem
mostrou o quão simples é causar um grande número de mortes de civis nos
nossos países”.
“O que a Europa precisa entender é o que faz com
que estes homens jovens estejam disponíveis para uma ação dessas. como,
onde e porque foram radicalizados. E não podemos generalizar isto à
comunidade islâmica. Há milhares de muçulmanos vivendo na França, que
vivem em paz e perfeitamente integrados. Precisamos entender onde a
política europeia está falhando”, afirma Mónica.
Para Duarte, o
terrorismo jihadista é uma estratégia subversiva global e de longo
prazo. “O objetivo de uma ação estratégica subversiva é corroer a
relação de confiança para tomar o poder. É nessa corrosão da relação de
confiança que o terrorista atua. O que melhor corrói a relação de
confiança? É a disseminação do medo. Qual melhor forma de disseminar o
medo? Através da violência aleatória”, diz o professor português que
acrescente: “o próprio poder político na Europa está se alterando. O
crescimento da extrema direita tendo como pano de fundo a crise
econômica e financeira. Essa situação cria bolsões de ressentimento e é
nesses bolsões que se vai encontrar mais recrutas para continuar a
luta”, afirma.
Repercussão
Quanto à
dramaticidade e impacto dos ataques a locais públicos, como foi o caso
do atentando de ontem, Duarte explica que a repercussão é amplificada
pelo caráter aleatório da ação. “Quando há uma carnificina, qualquer
pessoa pode ser eliminada desde que esteja passando no local, isso
automaticamente aumenta o sentimento de insegurança”, diz.
Em
relação aos ataques realizados em aeroportos, como foi o caso de
Istambul, no fim do mês passado, Duarte explica que estes locais são os
chamados soft targets, onde a segurança efetiva é extremamente complexa por serem pontos de intenso fluxo de pessoas.
“Nos soft targets,
a fluidez de pessoas é permanente. O fluxo é enorme e é impossível
monitorar todas as pessoas. Se nós quisermos escrutinar individualmente
todas essas pessoas, o fluxo diminui. Então, a essência daquela
plataforma, que é o fluxo permanente de pessoas, é posta em questão em
nome da segurança”, argumenta o professor Duarte.
Segundo o
especialista, há a insegurança e o sentimento de insegurança. E os dois
nem sempre caminham juntos. Desta forma, a presença policial é
fundamental, por ser um fator dissuasório e por aumentar o sentimento de
segurança das pessoas. No entanto, o policiamento não pode ser
excessivo a ponto de violar direitos, liberdades e garantias
individuais.
Agência Brasil
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