quinta-feira, 8 de maio de 2014

Paradoxo

SÃO PAULO: Terra da Ostentação, Beleza e Descaso


Amanda Cristina de Souza
A disparidade existente na grande São Paulo, entre o luxo e o que podemos denominar de “lixo”, me fez lembrar a saudosa canção que diz: “De um lado esse carnaval, de outro a fome total”. Ainda nesta canção é perceptível o brilhante paradoxo inserido pelo autor ao afirmar que ora a sereia era desejada por seus beijos de deusa e ora queriam o seu rabo para a ceia.
Os “beijos de deusa”, é o retrato de um Brasil refletido em cada esquina da grande São Paulo, com isso, quero deixar claro que não apenas nesta metrópole mas em todo o país, é possível encontrar um estado de calamidade, silenciada por vozes esquecidas e desventuradas.
A correria do Estado de São Paulo, não se pode mensurar. A vida de cada habitante é basicamente movida a pão de queijo, metrô, ônibus, dormir, acordar e repetir tudo isto durante dias, semanas, meses, até aí tudo bem, é a chamada rotina, o que realmente surpreende é como a invisibilidade de algumas pessoas seja ela trabalhador ou em situação de rua, parece ser constante, pouco aterrorizante e comum.
Não é difícil perceber que os “beijos de deusa” estão configurados em belíssimas obras como o shopping Iguatemi e principalmente o Higienópolis, e nas pessoas que parecem não existir de forma concreta no planeta terra por sentir que o ar que respira, possui Channel nº5 para diferenciá-los dos pobres mortais, desse modo, o padrão de vida, comportamento, poder aquisitivo, ultrapassa os limites de nossa aceitação. Quando falo em aceitação, é por não conseguir encontrar outra palavra que defina observar tamanha disparidade e nada poder fazer.
Ainda em minha peregrinação na cidade paulistana, observei que as pessoas em situação de rua, assim como em todo território nacional, parecem não existir. “Outros a desejar seu rabo pra ceia”, para continuar a poética canção, revela o lado obscuro no qual o cidadão deixa de ser sujeito para transformar-se em mero objeto na sociedade do consumo, retirando toda a sua dignidade.
O rabo da sereia é cobiçado diariamente por àqueles que enfrentam a fome e o frio de uma cidade repleta de show, brilho, ostentação, consumo, sorrisos, iPhone, carros, enfim, afirmar que a violência cresce cotidianamente, não é o mesmo que acrescer que esta mesma violência ocorre abruptamente por esquecermos que se nós, temos necessidades e desejos o próximo também compartilha do mesmo pensamento. Acredito muito no ditado “Cada cabeça uma sentença”, pois, através dele conseguimos vislumbrar que as nossas ações geram reflexos diferenciados, por sermos indivíduos plurais em nosso modo de pensar, agir e ser.
A imagem, ainda que desfocada, mostra a situação de exclusão da população que não possui moradia, comida, emprego, a já mencionada dignidade, e muito menos perspectivas de mudança em suas vidas. Olhar para viadutos e perceber que o ser humano é tratado como lixo, me fez lembrar uma poesia do eterno Manuel Bandeira que diz:
“Vi ontem um bicho
Na imundice do pátio
Catando comida entre os detritos.
Quando achava alguma coisa,
Não examinava nem cheirava:
Engolia com voracidade.
O bicho não era um cão,
Não era um gato,
Não era um rato.
O bicho, meu Deus, era um homem”
(Manuel Bandeira)
*Amanda Cristina Souza é estudante de Serviço Social da UFPB, estagiária no NCDH/UFPB, Poeta nas horas vagas e escreve uma coluna aos domingos no www.agorapb.com.br

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