domingo, 4 de agosto de 2013

Sexo

Quando o sexo faz mal

Só recentemente O vício em sexo vem sendo tratado com a seriedade que merece. Saiba o que é, quais os sintomas e como tratá-lo.

Por_ Juliano Coelho // Ilustração_ Alexandre Camanho

Quando o sexo faz mal"Chegou a um ponto em que eu tinha duas saídas: ou me matava, ou matava alguém. Não havia escapatória. É assim que estava se encerrando a minha história. Eu, que era casado, com filhos, me enfiei naquela situação inteiramente sozinho e não achava qualquer maneira de sair dela. Foi aí que eu descobri a irmandade e consegui me encontrar de novo. 24 horas de paz. Obrigado (aplausos)."

Um depoimento dessa gravidade dito em uma sala com 15 pessoas sentadas em carteiras escolares formando um semicírculo seria facilmente reconhecido como uma cena de reunião do Narcóticos Anônimos ou do Alcoólicos Anônimos. Mas essa situação de desespero, para dizer o mínimo, foi descrita por um homem de uns 60 anos em uma reunião semanal do Dependentes de Amor e Sexo Anônimos (D.A.S.A.), de São Paulo, e mostra: o vício em sexo é destrutivo e nada glamouroso.

O impulso sexual aumentado, termo utilizado pelos terapeutas, é uma disfunção que tem se tornado cada vez mais comum. Não só por estar sendo diagnosticada com mais frequência em tempos em que a soma pornografia + internet está acessível a qualquer momento, mas também, e principalmente, porque só de uns anos para cá estão sendo contabilizados os reais números dela. Nos Estados Unidos, por exemplo, uma pesquisa feita pela Society for the Advancement of Sexual Health (Sociedade pelo Avanço da Saúde Sexual), organização que educa e trata a compulsão sexual, estipulou que entre 3% e 5% dos americanos têm algum desvio relacionado à quantidade de atividade sexual no seu dia a dia. Aqui no Brasil, o Prosex (Projeto Sexualidade), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, prevê terminar em setembro deste ano o primeiro estudo mais aprofundado sobre o assunto, sob o comando do psiquiatra Marco Scanavino. Os números não devem ser muito diferentes das impressionantes estatísticas americanas, o que no Brasil significaria quase 10 milhões de pessoas. E o panorama tende a ser ainda mais preocupante, pois é incomum um compulsivo sexual admitir sua condição facilmente.

Mesmo com esses números, quando surge o assunto vício em sexo, as histórias que vêm à cabeça são de casos notórios como o do golfista Tiger Woods, ou dos atores de Hollywood Charlie Sheen e Michael Douglas. A impressão é, para quem não sofre desse problema, que só desenvolve o vício em sexo quem pode ter acesso ao sexo o tempo todo, o que muitas vezes está ligado ao dinheiro. Mas não é bem assim, como conta o psiquiatra, membro do Prosex, Giancarlo Spizzirri: "O que se pensa é que para desenvolver o impulso sexual aumentado é preciso estar envolvido em práticas sexuais com outra pessoa em grande quantidade. Mas prática sexual pode ser a masturbação". Aí, você que está com a SEXY na mão e, provavelmente, "elogia" as fotos da revista pode estar ficando preocupado. Calma. Antes de marcar uma consulta com um terapeuta, continue lendo o texto.


VOCÊ TEM TRÊS OU MAIS DESSES PADRÕES


Em um texto publicado pela Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, o psiquiatra Marco Scanavino diz que a pessoa tem que ter, pelo menos, três desses comportamentos para pensar em procurar a ajuda de um especialista:

1 Praticar sexo cada vez mais intensa e frequentemente para obter a mesma satisfação que havia no início do quadro.


2 Sentir mal-estar físico e/ou psicológico quando tentar diminuir ou evitar o sexo.


3 Ocupar mais tempo com o sexo com outras pessoas ou com masturbação.


4 Fracassar quando tentar controlar o comportamento sexual.


5 Gastar muito tempo e energia buscando o sexo.


6 Ocupar-se do sexo quando deveria trabalhar e continuar com o comportamento sexual mesmo percebendo que está sendo prejudicado.



Quando o sexo faz malSOU VICIADO


Há alguma controvérsia para diagnosticar um compulsivo sexual. "No caso do homem, tem-se levado em conta uma ideia de que aquela pessoa que precisa com urgência ejacular mais que 12 vezes por semana já teria um indício de que tem alguma questão na área sexual. Mas isso é muito relativo e eu não gosto muito desses números tão fechados. Para um garoto de 18 anos, por exemplo, essa frequência é mais do que normal", diz Spizzirri. Na verdade, para saber se você sofre ou não desse problema é preciso responder sinceramente a uma questão que está relacionada a esse ou a qualquer outro tipo de vício: meu comportamento prejudica outras atividades e minha qualidade de vida? Infelizmente nem sempre se chega a essa resposta simplesmente consultando a consciência. A mente tem várias artimanhas para esconder o que realmente está acontecendo. "O argumento mais comum dos pacientes que querem dizer que não têm impulso sexual aumentado ou qualquer tipo de vício é dizer: 'Mas eu não prejudico ninguém com isso'. Pode até não prejudicar outras pessoas, mas prejudica a si mesmo", diz Spizzirri.
  
Outra maneira de perceber se você tem uma necessidade sexual acima do comum é sugerida pela psicóloga Sandra Vasques, do Instituto Kaplan, uma associação que visa atender e educar a população sobre sexualidade: "Vamos supor que sua namorada decide viajar com você para algum lugar. É preciso planejar a viagem, não é? Ligar para agências de viagens, comparar preços, alugar carro, garantir hospedagem... Se, com sua namorada ao lado, você não pára de boliná-la e não consegue se focar em seus afazeres; ou pior, se, sozinho, você abre insistentemente outra aba no navegador para ver pornografia e não consegue concluir a tarefa, esse é um comportamento esperado de quem tem compulsão sexual". Uma terceira forma de fazer um autodiagnóstico antes de consultar um terapeuta foi oferecida pelo psiquiatra Marco Scanavino ao fazer uma triagem para a pesquisa do Prosex (veja no box "Você tem três ou mais desses padrões?"). Finalmente, se você entende inglês, pode fazer o teste Sast (Sexual Addiction Screening Test, ou teste de triagem de dependência sexual), disponível no site www.sexhelp. com/am-i-a-sex-addict/sex-addiction- -test. É um questionário formulado pela equipe da clínica Pine Grove, onde ficou internado o golfista Tiger Woods. São 52 questões com respostas "sim" e "não" que traçam seu perfil, que é comparado com o das milhares de pessoas que já fizeram o teste.

Nunca é demais lembrar que, ainda que um desses métodos apontem seu comportamento como compulsivo, é fundamental procurar um terapeuta especializado. Ainda pode ser um alarme falso.


MOTIVOS E SINTOMAS


Como alguém chega ao estágio indicado no depoimento do senhor frequentador do D.A.S.A., no início do texto? Como o vício em algo tão natural como o sexo pode levar a pessoa a pensar em suicídio ou homicídio? É importante deixar claro que existem graduações de um mesmo problema. A pessoa pode sofrer de compulsão sexual, mas não chegar a uma situação tão desesperadora. Tudo tem a ver com a origem da questão em cada indivíduo e o tempo que se leva para tratá-la, por isso terapia é importante. "Muitas vezes, por baixo dos panos do impulso sexual aumentado, a pessoa tem pensamentos e fantasias sexuais tidas como não habituais. Como, por exemplo, pessoas que têm atração pelo uso sexual de roupas pertencentes a outro gênero, ou então o voyeurismo.", afirma Spizzirri. Ou seja, poucas vezes o compulsivo sexual é uma pessoa que apenas gosta muito de sexo.

É importante também pontuar que existem pessoas que praticam mais sexo que outras, mas nem por isso sofrem algum tipo de distúrbio. Uma constância maior de atividades sexuais nem sempre configura a compulsão. "Se o cara se masturba, vá lá, duas vezes ao dia, transa todo dia com a namorada, mas tem um trabalho, consegue se dedicar a várias atividades, se relaciona com uma turma de amigos, tem boas relações familiares. Enfim, se ele tem uma vida dentro dos conformes, isso não faz dele um viciado", diz Sandra Vasques. O psiquiatra Giancarlo Spizzirri também contextualiza essa pessoa, a qual, de fato, só pratica mais sexo do que a maioria: "Essas pessoas, em geral estão em sintonia com o que elas fazem. Não veem isso como um problema. O real problema é quem vê isso como um problema. Os que sabem que a situação não está legal, que não está fazendo bem".

Vasques vai além e diz que até os comportamentos sexuais pouco usuais, em que o foco do prazer não está na transa em si, conhecidos como parafilias, podem não ser um indício de uma doença propriamente dita. Sobre o sadomasoquismo, por exemplo, ela diz: "Se um sádico encontra uma masoquista e ambos começam um relacionamento dentro dessas bases, tomando cuidado para não ferirem um ao outro, mas conseguem manter suas vidas fora daquele mundo normalmente, não é necessariamente uma doença".

Outro aspecto que contribui para que a compulsão sexual mereça atenção especial é o preconceito que a sociedade tem com a doença. "O sexo está impregnado de valores morais contraditórios. Então, a sociedade encara a pessoa viciada em jogo ou em álcool, por exemplo, de forma mais séria. Quem é viciado em sexo é encarado, de maneira pejorativa, como uma pessoa mais 'taradinha'. Quem tem essa condição sofre muito com isso e, muitas vezes, nem encontra uma pessoa com quem conversar sobre o assunto", diz Spizzirri. E, como em qualquer outro vício, preconceito, medo ou desconhecimento só prejudicam o quadro de quem sofre.

O D.A.S.A.

Nas reuniões do D.A.S.A, é possível presenciar alguns dos casos mais pesados de vício em sexo, normalmente depoimentos de satiromaníacos (o nome correto para o homem que sofre da compulsão). A SEXY entrou incógnita em duas reuniões do mesmo grupo, que, por razões óbvias, não incentiva a presença de jornalistas. Os depoimentos, por lá, vão de algo um pouco menos preocupante, como um participante com roupa de homem de negócios dizendo: "Sou um D.A.S.A. em recuperação e repeti meu padrão recentemente. Eu recaí e me masturbei compulsivamente. Me senti terrivelmente mal depois" a testemunhos alarmantes, como: "Ontem enterrei um amigo que tinha o mesmo vício que eu. Ele não tinha dinheiro para comprar um caixão e só estava eu e outro amigo no velório. Agradeço ao D.A.S.A. por não permitir que eu tenha acabado assim".

Quando o sexo faz malOutros depoimentos do D.A.S.A. chamam atenção. Em um determinado momento, um senhor com mais de 70 anos pediu a palavra. Com voz doce e amável, o homem falava pausadamente, de maneira didática, com jeito de avô. O testemunho, no entanto, era contrastante com a forma como foi dito: "Eu, quando entrei para o D.A.S.A., o fiz apenas por curiosidade. Acreditava que estava acima disso, acima de vocês. Só precisava comparar meus problemas com os dos outros. Mas foi aqui que percebi que eu estava doente, que precisava de ajuda e que, sozinho, não daria conta do recado. Foi aqui que percebi que não era normal frequentar os banheiros que estava frequentando com os fins pelos quais eu procurava". Poucos eram os participantes que citavam detalhes específicos de seus vícios, talvez para não evidenciarem de forma tão explícita o que passaram, ou para a lembrança não fazer com que revivessem as experiências. Mas havia também os que descreviam suas experiências de forma mais direta. "Fui rever um grupo de amigos e todos eles estavam com a vida mais ou menos resolvida, casados, com filhos. Não que eu ache que casar e ter filhos é a resposta para tudo, mas eu sabia muito bem por que eu era o único sozinho naquela ocasião. E o motivo era que, para me sentir menos frustrado, eu sairia dali e iria a um puteiro. Todo o meu dinheiro mensal vai embora assim."

O perfil dos participantes varia bastante. Há homens das mais variadas idades, bem ou mal financeiramente, homossexuais e heterossexuais. Há também um número bem menor de mulheres, mas nenhuma delas era ninfomaníaca. A imensa maioria das frequentadoras de D.A.S.A. são viciadas em amor. É o caso da mulher que, antes mesmo de falar com um possível parceiro, já projeta nele o seu marido e pai de seus filhos, por exemplo.

A importância do D.A.S.A. é incontestável, até porque é a primeira possibilidade de "tratamento" de compulsão sexual no Brasil (desde a década de 80), mas Sandra Vasques ressalta: "o D.A.S.A. é uma forma de a pessoa desabafar sobre o assunto e perceber que não está sozinha, mas há muitas pessoas que saem direto da reunião da irmandade para praticar sexo com outro compulsivo que conheceu por lá. É preciso levar a sério".


A NINFOMANÍACA

A figura da ninfomaníaca é cercada de uma aura sedutora. A mulher que pode satisfazer a todas as necessidades sexuais. Por outro lado, julgamentos morais lhe dão nomes pejorativos, como "vagabunda" ou "piranha". Por isso, a ninfomaníaca tem que enfrentar não somente seus próprios demônios, mas também o preconceito de seus parceiros e da sociedade. A vida da ninfomaníaca pode ser ainda mais difícil por puro preconceito. Carol (nome fictício), de 27 anos, é ninfomaníaca e topou conversar com a SEXY anonimamente para ajudar quem se encontra em situação parecida. Ela trata sua condição há quatro anos e ainda combate seu desvio. Hoje, tem um namorado fixo e seus impulsos são controlados, mas ainda sente os sintomas de sua adicção e não vê muita saída: "É um grande dilema, porque eu o amo, não quero traí- -lo nem esconder nada, mas não consigo ser plenamente feliz assim [com uma quantidade de atividade sexual menor]. Eu quero casar, ter filhos com ele e estou tentando. Mas, ao mesmo tempo, sei que queria transar com meu chefe, com um conhecido que revi numa balada recentemente e também com um ex-namorado". A origem da compulsão de Carol está ligada a uma necessidade que ela tem de se sentir humilhada e submissa, de uma maneira bem mais pesada do que as tietes de Christian Grey poderiam imaginar. "Quando comecei a perceber meu padrão, sentia, sinceramente, que tinha algo de errado na cabeça. Gosto dessa coisa da submissão da mulher, da humilhação, de ser usada". Ela, que não quis revelar sua profissão, garante que não precisava de dinheiro, mas chegou a se prostituir - enquanto tinha um namorado fixo - só para sentir o prazer de ganhar dinheiro com o ato. "Hoje não traio mais, nem faço sexo por dinheiro, mas tenho vontade, e é importante que eu admita isso para mim mesma, para que não subestime a minha condição. Corri riscos de saúde mental e física. Tenho conseguido me controlar e posso dizer que vale a pena a vida longe do vício."


TRATAMENTO


No Brasil não há uma clínica de reabilitação especializada em compulsão sexual, como a famosa Pine Grove americana, mas há instituições que são referências no assunto, como a Prosex, do Hospital das Clínicas. O tratamento para quem tem esse tipo de condição é muito parecido com o de casos de depressão: terapia para encontrar a origem do problema e, nos casos mais agudos, antidepressivos para diminuir o padrão compulsivo. A presença nas reuniões do D.A.S.A. também é indicada como um complemento do tratamento, principalmente para quem precisa falar sobre o assunto abertamente. Para conhecer o trabalho do Prosex, visite o site do instituto de psiquiatria do Hospital das Clínicas - ipqhc.org.br -,  já os locais e os horários das reuniões do D.A.S.A. estão em slaa.org.br/br/grupos. htm. Não é preciso marcar hora, apenas aparecer nas reuniões. O Instituto Kaplan também tem um serviço gratuito que tira dúvidas de assuntos relacionados a sexo na aba "tire suas dúvidas" do blog sosex.org.br. Todas essas soluções são discretas, gratuitas e podem ajudar quem tem dúvidas sobre um suposto vício.

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