Quando o sexo faz mal
Só recentemente O vício em sexo vem sendo
tratado com a seriedade que merece. Saiba
o que é, quais os sintomas e como tratá-lo.
Por_ Juliano Coelho // Ilustração_ Alexandre Camanho
"Chegou a um ponto em que eu tinha duas saídas: ou me
matava, ou matava alguém. Não havia escapatória. É assim
que estava se encerrando a minha história. Eu, que
era casado, com filhos, me enfiei naquela situação inteiramente
sozinho e não achava qualquer maneira de sair
dela. Foi aí que eu descobri a irmandade e consegui me
encontrar de novo. 24 horas de paz. Obrigado (aplausos)."
Um depoimento dessa gravidade
dito em uma sala com 15
pessoas sentadas em carteiras
escolares formando um semicírculo
seria facilmente reconhecido como uma
cena de reunião do Narcóticos Anônimos
ou do Alcoólicos Anônimos. Mas
essa situação de desespero, para dizer
o mínimo, foi descrita por um homem
de uns 60 anos em uma reunião semanal
do Dependentes de Amor e Sexo
Anônimos (D.A.S.A.), de São Paulo, e
mostra: o vício em sexo é destrutivo e
nada glamouroso.
O impulso sexual aumentado, termo
utilizado pelos terapeutas, é uma
disfunção que tem se tornado cada
vez mais comum. Não só por estar
sendo diagnosticada com mais frequência
em tempos em que a soma
pornografia + internet está acessível
a qualquer momento, mas também, e
principalmente, porque só de uns anos
para cá estão sendo contabilizados os
reais números dela. Nos Estados Unidos,
por exemplo, uma pesquisa feita
pela Society for the Advancement of Sexual
Health (Sociedade pelo Avanço da
Saúde Sexual), organização que educa e
trata a compulsão sexual, estipulou que
entre 3% e 5% dos americanos têm algum
desvio relacionado à quantidade de
atividade sexual no seu dia a dia. Aqui no
Brasil, o Prosex (Projeto Sexualidade),
do Instituto de Psiquiatria do Hospital
das Clínicas, prevê terminar em setembro
deste ano o primeiro estudo
mais aprofundado sobre o assunto,
sob o comando do psiquiatra Marco
Scanavino. Os números não devem ser
muito diferentes das impressionantes
estatísticas americanas, o que no
Brasil significaria quase 10 milhões
de pessoas. E o panorama tende a ser
ainda mais preocupante, pois é incomum
um compulsivo sexual admitir
sua condição facilmente.
Mesmo com esses números, quando
surge o assunto vício em sexo, as histórias
que vêm à cabeça são de casos notórios
como o do golfista Tiger Woods, ou
dos atores de Hollywood Charlie Sheen
e Michael Douglas. A impressão é, para
quem não sofre desse problema, que só
desenvolve o vício em sexo quem pode
ter acesso ao sexo o tempo todo, o que
muitas vezes está ligado ao dinheiro.
Mas não é bem assim, como conta o
psiquiatra, membro do Prosex, Giancarlo
Spizzirri: "O que se pensa é que para
desenvolver o impulso sexual aumentado
é preciso estar envolvido em práticas
sexuais com outra pessoa em grande
quantidade. Mas prática sexual pode
ser a masturbação". Aí, você que está
com a SEXY na mão e, provavelmente,
"elogia" as fotos da revista pode estar
ficando preocupado. Calma. Antes de
marcar uma consulta com um terapeuta,
continue lendo o texto.
VOCÊ TEM TRÊS OU MAIS DESSES PADRÕES
Em um texto publicado pela Secretaria
de Saúde do Estado de São
Paulo, o psiquiatra Marco Scanavino
diz que a pessoa tem que ter,
pelo menos, três desses comportamentos
para pensar em procurar a
ajuda de um especialista:
2 Sentir mal-estar físico e/ou
psicológico quando tentar
diminuir ou evitar o sexo.
3 Ocupar mais tempo com o
sexo com outras pessoas ou
com masturbação.
4 Fracassar quando tentar
controlar o comportamento
sexual.
5 Gastar muito tempo e energia
buscando o sexo.
6 Ocupar-se do sexo quando
deveria trabalhar e continuar
com o comportamento sexual
mesmo percebendo que está
sendo prejudicado.
Há alguma controvérsia para diagnosticar
um compulsivo sexual. "No caso do
homem, tem-se levado em conta uma
ideia de que aquela pessoa que precisa
com urgência ejacular mais que 12 vezes
por semana já teria um indício de que
tem alguma questão na área sexual.
Mas isso é muito relativo e eu não gosto
muito desses números tão fechados.
Para um garoto de 18 anos, por exemplo,
essa frequência é mais do que normal",
diz Spizzirri. Na verdade, para saber
se você sofre ou não desse problema é
preciso responder sinceramente a uma
questão que está relacionada a esse ou
a qualquer outro tipo de vício: meu comportamento
prejudica outras atividades
e minha qualidade de vida? Infelizmente
nem sempre se chega a essa resposta
simplesmente consultando a consciência.
A mente tem várias artimanhas para
esconder o que realmente está acontecendo.
"O argumento mais comum
dos pacientes que querem dizer que
não têm impulso sexual aumentado ou
qualquer tipo de vício é dizer: 'Mas eu
não prejudico ninguém com isso'. Pode
até não prejudicar outras pessoas, mas
prejudica a si mesmo", diz Spizzirri.
Outra maneira de perceber se você
tem uma necessidade sexual acima do
comum é sugerida pela psicóloga Sandra
Vasques, do Instituto Kaplan, uma
associação que visa atender e educar a
população sobre sexualidade: "Vamos
supor que sua namorada decide viajar
com você para algum lugar. É preciso
planejar a viagem, não é? Ligar para
agências de viagens, comparar preços,
alugar carro, garantir hospedagem... Se,
com sua namorada ao lado, você não pára de boliná-la e não consegue se focar
em seus afazeres; ou pior, se, sozinho,
você abre insistentemente outra aba no
navegador para ver pornografia e não
consegue concluir a tarefa, esse é um
comportamento esperado de quem tem
compulsão sexual". Uma terceira forma
de fazer um autodiagnóstico antes de
consultar um terapeuta foi oferecida
pelo psiquiatra Marco Scanavino ao
fazer uma triagem para a pesquisa do
Prosex (veja no box "Você tem três ou
mais desses padrões?"). Finalmente, se
você entende inglês, pode fazer o teste
Sast (Sexual Addiction Screening Test,
ou teste de triagem de dependência
sexual), disponível no site www.sexhelp.
com/am-i-a-sex-addict/sex-addiction-
-test. É um questionário formulado pela
equipe da clínica Pine Grove, onde ficou
internado o golfista Tiger Woods. São 52
questões com respostas "sim" e "não"
que traçam seu perfil, que é comparado
com o das milhares de pessoas que já
fizeram o teste.
Nunca é demais lembrar que, ainda
que um desses métodos apontem seu
comportamento como compulsivo, é fundamental
procurar um terapeuta especializado.
Ainda pode ser um alarme falso.
MOTIVOS E SINTOMAS
Como alguém chega ao estágio indicado
no depoimento do senhor
frequentador do D.A.S.A., no início do
texto? Como o vício em algo tão natural
como o sexo pode levar a pessoa
a pensar em suicídio ou homicídio? É
importante deixar claro que existem
graduações de um mesmo problema.
A pessoa pode sofrer de compulsão
sexual, mas não chegar a uma situação
tão desesperadora. Tudo tem a
ver com a origem da questão em cada
indivíduo e o tempo que se leva para
tratá-la, por isso terapia é importante.
"Muitas vezes, por baixo dos panos do impulso sexual aumentado, a pessoa
tem pensamentos e fantasias sexuais
tidas como não habituais. Como, por
exemplo, pessoas que têm atração pelo
uso sexual de roupas pertencentes a
outro gênero, ou então o voyeurismo.",
afirma Spizzirri. Ou seja, poucas vezes
o compulsivo sexual é uma pessoa que
apenas gosta muito de sexo.
É importante também pontuar que
existem pessoas que praticam mais
sexo que outras, mas nem por isso
sofrem algum tipo de distúrbio. Uma
constância maior de atividades sexuais
nem sempre configura a compulsão.
"Se o cara se masturba, vá lá, duas
vezes ao dia, transa todo dia com a
namorada, mas tem um trabalho, consegue
se dedicar a várias atividades, se
relaciona com uma turma de amigos,
tem boas relações familiares. Enfim,
se ele tem uma vida dentro dos conformes,
isso não faz dele um viciado", diz
Sandra Vasques. O psiquiatra Giancarlo
Spizzirri também contextualiza essa
pessoa, a qual, de fato, só pratica mais
sexo do que a maioria: "Essas pessoas,
em geral estão em sintonia com o que
elas fazem. Não veem isso como um
problema. O real problema é quem vê
isso como um problema. Os que sabem
que a situação não está legal, que não
está fazendo bem".
Vasques vai além e diz que até
os comportamentos sexuais pouco
usuais, em que o foco do prazer não
está na transa em si, conhecidos como
parafilias, podem não ser um indício de
uma doença propriamente dita. Sobre
o sadomasoquismo, por exemplo, ela
diz: "Se um sádico encontra uma masoquista
e ambos começam um relacionamento
dentro dessas bases, tomando
cuidado para não ferirem um ao outro,
mas conseguem manter suas vidas fora
daquele mundo normalmente, não é
necessariamente uma doença".
Outro aspecto que contribui para
que a compulsão sexual mereça atenção
especial é o preconceito que a
sociedade tem com a doença. "O sexo
está impregnado de valores morais
contraditórios. Então, a sociedade
encara a pessoa viciada em jogo ou
em álcool, por exemplo, de forma
mais séria. Quem é viciado em sexo
é encarado, de maneira pejorativa,
como uma pessoa mais 'taradinha'.
Quem tem essa condição sofre muito
com isso e, muitas vezes, nem encontra
uma pessoa com quem conversar
sobre o assunto", diz Spizzirri. E, como
em qualquer outro vício, preconceito,
medo ou desconhecimento só prejudicam
o quadro de quem sofre.
O D.A.S.A.
Nas reuniões do D.A.S.A, é possível
presenciar alguns dos casos mais pesados
de vício em sexo, normalmente
depoimentos de satiromaníacos (o
nome correto para o homem que
sofre da compulsão). A SEXY entrou
incógnita em duas reuniões do mesmo
grupo, que, por razões óbvias, não
incentiva a presença de jornalistas. Os
depoimentos, por lá, vão de algo um
pouco menos preocupante, como um
participante com roupa de homem de
negócios dizendo: "Sou um D.A.S.A.
em recuperação e repeti meu padrão
recentemente. Eu recaí e me masturbei
compulsivamente. Me senti terrivelmente
mal depois" a testemunhos alarmantes, como: "Ontem enterrei um
amigo que tinha o mesmo vício que eu.
Ele não tinha dinheiro para comprar um
caixão e só estava eu e outro amigo no
velório. Agradeço ao D.A.S.A. por não
permitir que eu tenha acabado assim".
Outros depoimentos do D.A.S.A.
chamam atenção. Em um determinado
momento, um senhor com mais de 70
anos pediu a palavra. Com voz doce
e amável, o homem falava pausadamente,
de maneira didática, com jeito
de avô. O testemunho, no entanto, era
contrastante com a forma como foi dito:
"Eu, quando entrei para o D.A.S.A., o
fiz apenas por curiosidade. Acreditava
que estava acima disso, acima de
vocês. Só precisava comparar meus
problemas com os dos outros. Mas foi
aqui que percebi que eu estava doente,
que precisava de ajuda e que, sozinho,
não daria conta do recado. Foi aqui que
percebi que não era normal frequentar
os banheiros que estava frequentando
com os fins pelos quais eu procurava".
Poucos eram os participantes que citavam
detalhes específicos de seus vícios,
talvez para não evidenciarem de forma
tão explícita o que passaram, ou para a
lembrança não fazer com que revivessem
as experiências. Mas havia também os
que descreviam suas experiências de
forma mais direta. "Fui rever um grupo
de amigos e todos eles estavam com a
vida mais ou menos resolvida, casados,
com filhos. Não que eu ache que casar e
ter filhos é a resposta para tudo, mas eu
sabia muito bem por que eu era o único
sozinho naquela ocasião. E o motivo era
que, para me sentir menos frustrado, eu
sairia dali e iria a um puteiro. Todo o meu
dinheiro mensal vai embora assim."
O perfil dos participantes varia bastante.
Há homens das mais variadas idades,
bem ou mal financeiramente, homossexuais
e heterossexuais. Há também
um número bem menor de mulheres,
mas nenhuma delas era ninfomaníaca.
A imensa maioria das frequentadoras de
D.A.S.A. são viciadas em amor. É o caso
da mulher que, antes mesmo de falar com
um possível parceiro, já projeta nele o seu
marido e pai de seus filhos, por exemplo.
A importância do D.A.S.A. é incontestável,
até porque é a primeira possibilidade
de "tratamento" de compulsão sexual
no Brasil (desde a década de 80), mas
Sandra Vasques ressalta: "o D.A.S.A. é
uma forma de a pessoa desabafar sobre
o assunto e perceber que não está sozinha,
mas há muitas pessoas que saem
direto da reunião da irmandade para
praticar sexo com outro compulsivo que
conheceu por lá. É preciso levar a sério".
A NINFOMANÍACA
A figura da ninfomaníaca é cercada
de uma aura sedutora. A mulher
que pode satisfazer a todas as necessidades
sexuais. Por outro lado,
julgamentos morais lhe dão nomes
pejorativos, como "vagabunda"
ou "piranha". Por isso, a ninfomaníaca
tem que enfrentar não
somente seus próprios demônios,
mas também o preconceito de seus
parceiros e da sociedade. A vida
da ninfomaníaca pode ser ainda
mais difícil por puro preconceito.
Carol (nome fictício), de 27 anos,
é ninfomaníaca e topou conversar
com a SEXY anonimamente
para ajudar quem se encontra em
situação parecida. Ela trata sua
condição há quatro anos e ainda
combate seu desvio. Hoje, tem um
namorado fixo e seus impulsos são
controlados, mas ainda sente os
sintomas de sua adicção e não vê
muita saída: "É um grande dilema,
porque eu o amo, não quero traí-
-lo nem esconder nada, mas não
consigo ser plenamente feliz assim
[com uma quantidade de atividade
sexual menor]. Eu quero casar, ter
filhos com ele e estou tentando.
Mas, ao mesmo tempo, sei que
queria transar com meu chefe,
com um conhecido que revi numa
balada recentemente e também
com um ex-namorado". A origem
da compulsão de Carol está ligada
a uma necessidade que ela tem de
se sentir humilhada e submissa, de
uma maneira bem mais pesada do
que as tietes de Christian Grey poderiam
imaginar. "Quando comecei
a perceber meu padrão, sentia,
sinceramente, que tinha algo de errado
na cabeça. Gosto dessa coisa
da submissão da mulher, da humilhação,
de ser usada". Ela, que não
quis revelar sua profissão, garante
que não precisava de dinheiro, mas
chegou a se prostituir - enquanto
tinha um namorado fixo - só para
sentir o prazer de ganhar dinheiro
com o ato. "Hoje não traio mais,
nem faço sexo por dinheiro, mas
tenho vontade, e é importante que
eu admita isso para mim mesma,
para que não subestime a minha
condição. Corri riscos de saúde
mental e física. Tenho conseguido
me controlar e posso dizer que vale
a pena a vida longe do vício."
TRATAMENTO
No Brasil não há uma clínica de reabilitação
especializada em compulsão sexual,
como a famosa Pine Grove americana,
mas há instituições que são referências no
assunto, como a Prosex, do Hospital das
Clínicas. O tratamento para quem tem
esse tipo de condição é muito parecido
com o de casos de depressão: terapia
para encontrar a origem do problema e,
nos casos mais agudos, antidepressivos
para diminuir o padrão compulsivo. A presença
nas reuniões do D.A.S.A. também
é indicada como um complemento do
tratamento, principalmente para quem
precisa falar sobre o assunto abertamente.
Para conhecer o trabalho do Prosex,
visite o site do instituto de psiquiatria do
Hospital das Clínicas - ipqhc.org.br -, já
os locais e os horários das reuniões do
D.A.S.A. estão em slaa.org.br/br/grupos.
htm. Não é preciso marcar hora, apenas
aparecer nas reuniões. O Instituto Kaplan
também tem um serviço gratuito que
tira dúvidas de assuntos relacionados a
sexo na aba "tire suas dúvidas" do blog
sosex.org.br. Todas essas soluções são
discretas, gratuitas e podem ajudar quem
tem dúvidas sobre um suposto vício.
Nenhum comentário:
Postar um comentário