Prisões, prisioneiros, os juízes de então e os de hoje
Quando o atual ministro da Justiça brasileiro
declarou que preferiria morrer a ter de viver em uma de nossas prisões,
me referi à lenda, de muitas versões, que cerca o escritor mineiro
Bernardo Guimarães, autor do romance A escrava Isaura e tantos
outros. Contei que o grande romancista e poeta sofreu um processo por
soltar onze criminosos da prisão de Catalão, Goiás, onde era juiz
municipal e de órfãos.
Volto à história, com mais detalhes, para introduzir o tema das prisões novamente, porque é um caso bom para pensar.

Em sua causa Bernardo negou que soltara os réus alegando que não
tinha contingente necessário para manter os malfeitores trancafiados.
Bernardo só se livrou do processo porque a política deu uma virada que
lhe foi favorável.
Um de seus filhos, Horácio Guimarães, em depoimento por ocasião da
celebração do centenário de nascimento de Bernardo, referiu-se ao fato
dizendo que seu pai era um homem bom:
“O que dele se diz, a propósito da soltura dos presos da cadeia de
Catalão, não deixa de ter seu fundo de verdade, mas não se passou como
contam. Tratava-se de uma cadeia úmida, sem as necessárias condições de
higiene. Basta dizer que nela nunca entrara sol. Os infelizes que lá se
achavam, estavam atacados de beribéri, uns, tuberculosos, outros. Pelo
que são ainda hoje os presídios do interior de Estados, mesmo os de mais
recursos, pode-se calcular o que seria nessa época longínqua a cadeia
de Catalão. Compadecido da sorte dos reclusos, meu pai (e quem, em seu
lugar, tendo um pouco de coração, não faria o mesmo?) deu-lhes licença
para tomarem um pouco de ar, sob condição, porém, de regressarem à
cadeia. Em se vendo soltos, aqueles detentos não cumpriram a palavra, o
que, por ser humano não lhes deve exprobar, embora comprometessem com
isso o juiz.”
E o que se dizia do escritor sobre esse fato? Dizia-se que os
detentos eram seus amigos, marginais e beberrões e que diversas vezes
puseram para correr o oficial de justiça que levava ordem de prisão para
Bernardo e o encontrava em serestas a beber e tocar viola com os
prisioneiros soltos.
A fama de Bernardo corria as Minas Gerais e conta-se que d. Pedro II
em visita àquela província em 1881 quis homenagear os talentos de
escritor com o título de barão, mas o poeta recusou a honraria
justificando-se com as seguintes palavras: “Qual! Onde já se viu barão
sem baronato?” Em outra passagem, d. Pedro pediu-lhe suas obras
completas e o poeta assim o fez entregando os livros pelas mãos de suas
duas filhas Isabel e Constança por ocasião da cerimônia realizada na
Assembleia Provincial. O imperador e a imperatriz, rompendo o protocolo,
levantaram-se para receber as meninas.
Vejam vocês que não se fazem mais juízes como antigamente, embora as
prisões continuem insalubres e tenebrosas. Os presos, uns muito
violentos, mas a maioria composta de pobres ladrões de galinha, ficam à
mercê de uma lei aplicada por juízes que não sentem tristeza e muito
menos piedade por aqueles que mandam encarcerar em masmorras desumanas.
Falei em Bernardo pensando em Julita Lemgruber que foi, no segundo
Governo Brizola, no Rio de Janeiro, diretora do Desipe, a dona das
chaves dos presídios do estado do Rio de Janeiro.
No livro que escreveu com a jornalista Ana Bela Paiva – A dona das chaves:
Uma mulher no comando das prisões do Rio de Janeiro – conta sua saga de
socióloga que teve a ousadia de estudar os presídios e, depois, sair da
torre de marfim, em que muitas vezes se encastelam os cientistas
sociais, para viver a vida daqueles que têm o dever de manter no cárcere
os fora da lei.
Julita Lemgruber descreve como eram as cadeias na década de 1980 e
1990, e como foi difícil melhorar o sistema penitenciário em aspectos
fundamentais como os assassinatos de prisioneiros, as fugas e a
violência dos carcereiros contra os encarcerados. A certa altura se
pergunta por que tamanha sanha contra os que infringiram as leis e foram
condenados? Qual a razão da violência e como fazer para amenizar essa
relação impiedosa com os prisioneiros?
Deixo os meus leitores avisados que na próxima semana falarei dos
presos do final do século XX e não mais os do final do XIX e das
hipóteses de Julita sobre o motivo das cadeias continuarem até hoje
insalubres e violentas.
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