Terceiro a
julgar o caso, o ministro Luiz Fux levou mais de 11 horas para votar, na
quarta-feira, 10, pela absolvição de Bolsonaro. O voto foi considerado
inesperado pela plateia de advogados e deputados que compareceram à
Primeira Turma para acompanhar a sessão.
Fux afirmou
que não há provas para condenar Bolsonaro por nenhum dos crimes
atribuídos a ele na denúncia: golpe de Estado, abolição violenta do
Estado democrático de direito, organização criminosa, dano qualificado e
dano ao patrimônio tombado. "Não há
provas suficientes para imputar ao réu Jair Messias Bolsonaro os crimes
de tentativa abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe
de Estado, dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o
patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima, e
deterioração de patrimônio tombado", declarou.
Fux também
votou para absolver o almirante Almir Garnier, ex-comandante da Marinha
que teria aceitado ceder tropas para uma ruptura democrática, de todos
os crimes, e para condenar Mauro Cid por tentativa de abolição do Estado
democrático de direito. Antes o ministro havia decidido pela
improcedência das acusações de abolição do Estado democrático de
direito, de crimes de organização criminosa e organização criminosa
armada e de dano ao patrimônio.
Mais cedo,
ele havia acolhido algumas das preliminares apresentadas pelas defesas
que abrem brecha para a nulidade do processo. O voto animou as defesas
dos réus e selou a divergência com o relator do caso, Alexandre de
Moraes. Com isso, Fux reduziu a diferença no placar pela condenação de
Bolsonaro e aliados para dois a um, após votos de Moraes e Flávio Dino
contra o ex-presidente. Existe uma expectativa de que o placar seja
fechado em quatro a um com os votos de Cármen Lúcia e Cristiano Zanin.
No começo da
manhã, Fux fez uma explanação acerca da definição e das diferentes
categorias de democracia observadas no mundo. Para configurar uma
tentativa de abolição, segundo ele, deve estar configurado um "perigo
real, não meramente hipotético", do agente da ação. Seria também preciso
dolo do agente contra todos os aspectos do Estado de direito, como
separação de Poderes, eleições livres e liberdades individuais.
Em relação à
acusação de organização criminosa, ele argumentou que a denúncia não
narrou em qualquer trecho que os réus pretendiam praticar delitos
reiterados de modo permanente, como exige o tipo de organização
criminosa. "As alegações finais do
Ministério Público tampouco descreveram a permanência e a estabilidade
da organização criminosa para a prática de delitos indeterminados", declarou.
Fux também
afirmou não ter visto "inequívoca intenção dolosa" dos réus para a
imputação de dano ao patrimônio. Sem estar caracterizado dessa forma,
segundo o magistrado, não há autoria imediata da ação, nem mesmo para
Jair Bolsonaro, apontado como o líder do grupo denunciado. "Pelo
contrário, há evidências de que, assim que a destruição começou,
tomaram medidas para evitar que o edifício do Supremo fosse invadido
pelos vândalos."
A duração do
voto cansou os colegas - o procurador-geral da República, Paulo Gonet,
demonstrou sonolência, e Moraes bocejou em algumas ocasiões. Passava das
19h quando o presidente da Turma, Zanin, chegou a perguntar se Fux iria
se prolongar ainda mais com a sua leitura. A sessão começou às 9h. Na
quinta-feira, o julgamento será retomado no mesmo horário e pode levar o
dia todo.
Preliminares
Fux começou a
leitura de seu voto cumprindo a promessa, feita durante o voto de seu
colega Alexandre de Moraes, de que voltaria às questões preliminares na
sua vez - indicando que a questão não estava pacificada. O ministro
listou cinco preliminares levantadas pelas defesas dos oito réus: a
competência do STF para julgar o caso; a competência da Primeira Turma
em detrimento do plenário para o julgamento; o cerceamento do direito de
defesa; a validade de colaboração premiada de Mauro Cid e a sustação da
ação penal contra o réu Alexandre Ramagem.
Para Fux, há
uma "Incompetência absoluta" do STF pra julgar a trama golpista. Ele
argumenta que os réus perderam os seus cargos antes de a Corte firmar o
novo entendimento que a permitiu julgar esse tipo de ação. Os réus,
segundo ele, deveriam ser julgados pela Justiça Federal.
Uma vez que a
ação está no Supremo, Fux também entende que o âmbito ideal para o
julgamento seria no plenário, com voto dos 11 ministros, e não nas
Turmas - cada qual formada por cinco deles, estando ausente apenas o
presidente da Corte, no caso Luís Roberto Barroso.
"Ao rebaixar a
competência original do plenário para uma das turmas, estaríamos
silenciando as vozes de ministros que poderiam esterilizar a formar de
pensar sobre os fatos a serem julgados nesta ação penal. A Constituição
Federal não se refere às Turmas, ela se refere ao plenário e seria
realmente ideal que tudo fosse julgado pelo plenário do STF com a
racionalidade funcional", declarou Fux.
Outra questão
a trazer acalento aos bolsonaristas foi a posição de Fux sobre a
alegação de cerceamento de defesa em razão de uma "avalanche" de
documentos. O ministrou citou os 70 terabytes de dados, incluindo
"bilhões de páginas", 1,2 mil laudos periciais e mais de mil
equipamentos eletrônicos apreendidos junto aos investigados para acolher
o argumento dos advogados de que eles tiveram pouco tempo para analisar
tamanha carga de provas.
"Os
advogados, seja os constituídos pelo acusado ou nomeados pelo juiz, têm
direito de acesso aos autos do processo e da investigação penal, ainda
que em tramitação de regime de sigilo, considerada a essencialidade do
direito de defesa", afirmou. E disse que "toda
pessoa acusada tem direito à plena igualdade e diversas garantias,
entre as quais dispor de tempo necessário para garantir sua defesa".
Os três
posicionamentos vão ao encontro à argumentação de Bolsonaro e seus
aliados de que o julgamento, como tal, não deveria ocorrer. Enquanto a
leitura do voto, diversos aliados do ex-presidente manifestaram elogios e
empolgação com o ministro. "Fux vai gabaritar", afirmou o advogado
Fabio Wajngarten, conselheiro de Bolsonaro.
Fux também
declarou ter mudado de opinião sobre a validade da delação de Cid. Ele
disse ter "chegado à conclusão que o réu colaborou com as delações
sempre acompanhado de advogado" e que as advertências pontuais feitas
pelo relator "fazem parte" da dinâmica do instituto do colaborador. Fux
também concordou em sustar as ações penais contra Ramagem que tenham
relação com crimes cometidos durante o seu mandato como deputado federal
- no caso, dano ao patrimônio público e dano ao patrimônio tombado,
ocorridos durante os ataques do 8 de Janeiro.
Notícias ao Minuto