'Já temos onze crimes do presidente Jair Bolsonaro e vários agravantes', diz Renan Calheiros
Em relação ao chefe do Executivo, a quem chama "mercador da morte", afirma que está clara e comprovada a sua participação em crimes

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RENATO MACHADO - BRASÍLIA,
DF (FOLHAPRESS) - O relator da CPI da Covid, senador Renan Calheiros
(MDB-AL), afirma que seu texto final terá três personagens centrais: o
presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o ex-ministro da Saúde Eduardo
Pazuello e seu braço-direito, o coronel Élcio Franco.
Em
relação ao chefe do Executivo, a quem chama "mercador da morte", afirma
que está clara e comprovada a sua participação em crimes e que por isso
não há dúvidas de que será responsabilizado.
"Nós já temos a
especificação de 11 crimes e vários agravantes", afirma em entrevista à
Folha. A previsão é de leitura do relatório no dia 19 de outubro.
O
senador do MDB também acrescenta que cogita propor o indiciamento de
filhos de Bolsonaro por suas ações com a negociação de vacinas contra a
Covid-19, pela ligação com o caso Prevent Senior e com o gabinete
paralelo.
Além das tipificações que vêm sendo mencionadas para
enquadrar os responsáveis –como prevaricação, crime contra a vida,
charlatanismo e crimes de responsabilidade–, o relator afirma trabalhar
com a hipótese de incluir nas sugestões de indiciamentos homicídio
comissivo, quando é cometido por omissão.
De volta aos
holofotes com a CPI, após dois anos de ostracismo, o senador nega que
esse seja um retorno definitivo para o centro da política. "Não pretendo
voltar a ser pauta da política nacional."Folha - Qual o balanço que o
sr. faz dos trabalhos da CPI?
Renan Calheiros - Eu nunca havia
participado de CPI, faço agora porque era preciso investigar
profundamente e exemplarmente punir essas pessoas. Era necessário
retomar a capacidade do Parlamento de investigar.
Essa CPI
teve muitas especificidades, foi sem dúvida a que obteve mais aderência
social, teve índices históricos de aprovação e foi a que mais obteve
audiência.
O primeiro resultado visível da CPI foi a potencialização
da indignação social represada durante meses de pandemia por temor a
aglomerações e contágio.
A
partir da CPI, as ruas passaram novamente a ser ocupadas por opositores
do governo Bolsonaro. E teve outras coisas, como a maneira espontânea e
inédita que criou também um gabinete do bem de defesa da vida, da
ciência, que envolveu denúncias, checagens, sugestões, linhas de
investigações, perguntas onlines. A sociedade verdadeiramente participou
do seu dia a dia.
Nós não imaginávamos inicialmente investigar a corrupção.
Mas,
a partir das primeiras reuniões, nós começamos a receber denúncias de
que, enquanto o governo recusava as ofertas da Pfizer, do Butantan e da
OMS, algo em torno de 170 milhões de doses que poderiam ter sido
aplicadas ainda no ano que passou, priorizava tratativas com lobistas,
atravessadores, indicados por critérios políticos, pelo seu líder na
Câmara dos Deputados [Ricardo Barros (PP-PR)].
E depois
[chegamos aos] contratos escusos no Ministério da Saúde, depois a
disputa de poder dos remanescentes do centrão com os representantes dos
militares que foram levados pelo ministro Pazuello.
Folha - Olhando para trás, o sr. se arrepende de algo, de ter ouvido algum depoente?
Renan
Calheiros - Não, quem define os limites da investigação acaba sendo a
própria investigação. Chega em um momento que é preciso ouvir todos os
que têm culpa no cartório.
Naquela circunstância era necessário ouvir
o Luciano Hang, por tudo o que ele fez e deixou de fazer,
independentemente do que ele simbolizava ou não para o bolsonarismo.
A CPI, quando vai investigar, não investiga em função de direção A ou B. Ela tem que investigar indistintamente.
Se
tivesse que ouvir, eu ouviria novamente o Luciano Hang com as suas
mentiras, com as suas imprecisões, suas contas em paraísos fiscais, com a
falsificação da certidão de óbito da sua própria mãe, para não
desmerecer a eficácia do tratamento da Covid, que era um produto
brasileiro que o governo brasileiro queria vender com a Prevent Senior
para o exterior.
Em regra geral, os governistas negaram o
negacionismo, enrolaram, procuraram ser imprecisos, mentiram
veladamente, mas isso não poderia inibir a convocação de ninguém.
Folha - Em alguns momentos, a CPI perdeu o foco?
Renan
Calheiros - Nós apresentamos um plano de trabalho. Nele, nós não
iríamos investigar determinados desvios de condutas. Acabamos tendo de
investigar, sim, porque é a investigação que define os rumos do
trabalho. Então a CPI acertou sempre.
Nós mantivemos esse
canal com a sociedade, com os internautas, com redes sociais, com
telespectadores, que acompanharam como nunca os trabalhos da comissão.
Procuramos
corrigir rumos, ouvir as críticas, redefinir táticas de investigação.
Nós tentamos o tempo todo colar o ouvido no Brasil para amenizar os
erros. Por isso estamos acabando com essa aprovação popular.
Folha
- A CPI teve muita audiência, virou trending topic, mas muitas vezes
isso se deu por bate-boca, confusões, piadas. Como responde a essa
crítica de que a CPI em determinados momentos virou um circo?
Renan
Calheiros - Da forma que respondemos a todos que procuraram expor a
comissão parlamentar de inquérito para atender aos propósitos do
negacionismo e do governo Bolsonaro.
A
circunstância juntou na comissão parlamentar de inquérito quadros
respeitados da vida nacional. O senador Tasso Jereissati, por exemplo,
exerceu uma liderança indiscutível do ponto de vista ético, moral e
colaborou para colocar equilíbrio.
O próprio presidente Omar [Aziz],
com muita precisão, catalisava rapidamente o sentimento majoritário e
repelia com firmeza arruaças, insinuações, intimidações.
A comissão, é claro, em todos os momentos, procurou ouvir, ouvir, ouvir e por isso acertamos muito mais.
Folha - Qual será a tônica do relatório do sr.?
Renan
Calheiros - O aprofundamento da investigação nos levou a
caracterizações várias, de procedimentos criminosos, em função disso
vamos usar vários tipos penais, desde crime de responsabilidade,
passando pelos crimes comuns, chegando aos crimes contra a saúde pública
e contra a humanidade. Mais de 40 pessoas serão indiciadas.
Folha - O sr. disse que o presidente Jair Bolsonaro será indiciado "com certeza". Quais seriam as tipificações?
Renan
Calheiros - Detalhadamente, ainda não as temos. E a partir do dia 15 eu
vou colher o ponto de vista de cada senador da CPI.
Mas há um
consenso de que o Bolsonaro é um mercador da morte. Sua trajetória é
autoexplicativa: defendeu matar 30 mil brasileiros, ainda quando
deputado federal, inclusive o presidente Fernando Henrique Cardoso.
Idolatra ditadores carniceiros como Pinochet, Ustra, Stroessner, Médici,
tem vínculos inegáveis com a face mais assustadora da morte, as
milícias.
Quer dizer, continua defendendo armamento, fala em armar a
população, em fuzilar adversários. E foi decisivo para a morte de
milhares de brasileiros.
É um facínora, e esse governo criou o
gabinete da morte, um ministério paralelo, também responsável pelo
extermínio dos brasileiros. Por causa disso tudo, desse impedimento
óbvio e majoritário, ele será responsabilizado.
Folha - O sr. poderia mencionar alguns crimes ou quantos seriam?
Renan
Calheiros - Nós já temos a especificação de 11 crimes e vários
agravantes. Mas não há ainda uma conclusão, porque antes de qualquer
coisa eu vou ouvir os senadores.
Folha - Cogita propor o indiciamento de filhos do presidente?
Renan
Calheiros - Evidentemente que eu não posso dizer o que estou cogitando,
não posso antecipar, porque todas dependerão da maioria da CPI e não
apenas do relator.
Mas nós estamos estudando todas essas hipóteses,
inclusive em relação aos filhos, na negociação de vacinas, de defesa do
que aconteceu na Prevent Senior, no gabinete do ódio, nas fake news.
Folha - Quem serão os personagens centrais do relatório?
Renan
Calheiros - Todos cujas condutas foram investigadas serão
responsabilizados. Esses encaminhamentos [relativos a pessoas sem foro
especial] não serão feitos para a Procuradoria-Geral da República. Serão
feitos a instâncias inferiores do Ministério Público Federal.
Mas todos serão responsabilizados, aqueles cujas comprovações a comissão parlamentar de inquérito observou durante os trabalhos.
Existem
figuras principais. O general [Eduardo] Pazuello é um, o coronel Élcio
Franco, o presidente da República, tiveram participações comprovadas na
materialização do que aconteceu no Brasil e no custo que se pagou com
vidas. Esses são os principais, mas vamos ter o indiciamento de mais de
40 pessoas.
Folha - Há provas suficientes para ligar o caso Prevent Senior ao governo?
Renan Calheiros - O caso da Prevent Senior, agora na reta final, e o de Manaus foram os mais aterradores de nossa apuração.
Eles
nos remetem a experiências macabras do Terceiro Reich com seres
humanos, teste de remédios, resistência física e até mesmo experiências
cruéis com gênios de Josef Mengele, com hinos entoando a obediência e
lealdade. É algo macabro, desumano, criminoso.
Em Manaus, a delegação da morte, que é a comitiva oficial do Ministério da Saúde, matou pessoas asfixiadas.
Na
Prevent Senior, o mais grave é a vinculação direta com o Poder
Executivo, com o presidente da República, com os seus filhos e com o
gabinete paralelo.
Os experimentos nazistas eram festejados e
espalhados pelo presidente. E nós temos provas de tudo isso. Era um
instrumento que, segundo o próprio Bolsonaro, iria revolucionar a
medicina do mundo.
Folha - O sr. pensa em propor indiciamento por homicídio por ações durante a pandemia?
Renan
Calheiros - Dentre os tipos penais que estão sendo observados, uma
hipótese que avança é a hipótese da utilização do homicídio por omissão,
o homicídio comissivo.
Por isso que não pode haver a essa altura
ainda um detalhamento com relação aos tipos penais que vamos utilizar,
mas estamos discutindo, sim, a hipótese do homicídio como um deles.
Folha - Teme que o relatório final seja engavetado pelo procurador-geral Augusto Aras?
Renan
Calheiros - Não tenho nenhuma dúvida de que a investigação isenta,
independente e profunda que se fez nesses 165 dias, defendendo a vida, a
ciência, colocando luz em lugares que precisariam ser iluminados,
trabalhando na adversidade contra a morte, contra o obscurantismo, a
crença medieval e as trevas vai ser analisada tecnicamente.
Eu não
acredito que o procurador-geral da República substitua tudo isso por um
engavetamento de tudo o que se levantou com o apoio da sociedade.
A
expectativa que eu tenho é que as coisas andarão na Procuradoria-Geral
da República com relação àqueles que têm prerrogativas especiais.
Eu
acho que os índices superlativos de apoio que essa CPI teve acenarão
definidamente para que essas coisas aconteçam no prazo da lei, que são
30 dias.
Folha - Depois da derrota nas eleições para a presidência
do Senado, em 2019, o sr. manteve uma atuação mais discreta. A CPI
marcou em definitivo sua volta aos holofotes da cena política?
Renan
Calheiros - Não, eu apenas, com meu trabalho, colaborei com a conexão do
Senado com a sociedade, com a investigação de fatos que precisavam vir à
luz e, sobretudo, colaborei com a retomada da condição de investigar do
Senado Federal, do Parlamento, que tem que fazer investigações
coletivas todas as vezes em que fatos graves não estão sendo
investigados pelos canais convencionais.
Não pretendo voltar a ser
pauta da política nacional. Quero exercer plenamente meu mandato de
senador, em nome do povo de Alagoas e, modestamente, colaborar, como
devo colaborar.
Renan Calheiros, 66
Nascido em
Murici (AL) e formado em direito, iniciou sua carreira política no
final dos anos 1970, ao ser eleito deputado estadual em Alagoas. Foi
também deputado federal e atua como senador desde 1995, sempre pelo MDB.
Foi presidente da Casa por três vezes. É o atual relator da CPI da
Covid.
Notícias ao Minuto
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