Doca Street, assassino da socialite mineira Ângela Diniz, morreu aos 86 anos de idade em São Paulo
Quando cometeu o crime, Doca tinha 42 anos. Ângela, 32.
© Reprodução/Arquivo
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Não existe verbete na Wikipédia sobre Doca Street. Morto na última sexta-feira, (18) aos 86 anos, talvez agora ele ganhe uma página em seu nome nesta que é a maior enciclopédia colaborativa do mundo, onde só em português constam 1.049.371 artigos.
A menção mais relevante no site a Raul Fernando do Amaral Street, o nome completo de Doca, aparece na entrada que fala de Ângela Diniz, socialite mineira assassinada em 1976 com quatro tiros disparados pela arma - e pelas mãos - de Doca, na casa que o casal dividia na Praia dos Ossos, em Búzios (RJ).
Nada surpreendente. Afinal, desde que pôs um fim à
existência de Ângela, Doca viu sua vida marcada e conectada ao crime que
cometeu - ainda que, após seu primeiro julgamento, em 1979, ele tenha
saído pela porta da frente do tribunal, ovacionado pelo público de Cabo
Frio, também no litoral fluminense.
Foi só em 1981, após
anulação do primeiro veredito a pedido do Ministério Público, que um
novo júri montado para avaliar o caso acabou por condenar Doca.
Declarado culpado, recebeu pena de 15 anos de prisão. Cumpriu três em
regime fechado, dois no semiaberto, e dez em liberdade condicional.
A
lacuna de três anos entre uma audiência e outra foi suficiente para que
se erguesse e fortalecesse um movimento feminista que, com faixas e
cartazes contra Doca, recepcionou-o em frente à corte, em busca de algo
diferente da alegação de "legítima defesa da honra" usada pelos
advogados no primeiro tribunal.
Escoltado, Doca se deparou com um
acampamento exclusivamente feminino, que gritava palavras de ordem pelo
fim das agressões e crimes contra a mulher. Em um dos sinais que as
manifestantes carregavam, dava para ler "O silêncio é cúmplice da
violência".
Relatar tantos detalhes de algo que
aconteceu há 40 anos, quando transmissões televisivas eram, de longe,
muito mais precárias, só é possível neste final de 2020 porque a
história de Doca Street acaba de ser contada em um dos podcasts mais
ouvidos do ano.
"Praia
dos Ossos", uma produção da Rádio Novelo, remontou ao longo de oito
episódios não só o crime de que Ângela Diniz foi vítima, mas também toda
a sua história de vida, passando, obviamente, pelo relacionamento com
Doca.
Foram dois anos de produção, com a colaboração de 40
profissionais, para que a idealizadora e apresentadora Branca Vianna,
junto com a pesquisadora Flora Thompson-Devaux, pudessem colocar de pé a
produção, que consideraram, em entrevista ao portal Universa, um
apanhado de "fatores sistêmicos que estão por trás do feminicídio no
Brasil".
Um dos principais trunfos de "Praia dos Ossos"
aparece no antepenúltimo episódio: uma entrevista com Doca Street.
Trechos bem selecionados do material bruto, com duas horas e meia de
duração, rechearam um dos mais surpreendentes capítulos do podcast.
Na
conversa, gravada no apartamento de um amigo de Doca que o convenceu a
falar sobre o caso, ele explicou que evitava tocar no assunto por ficar
"emocionado", além de pedir respeito à memória da ex-namorada. "Ângela é
mito. Nunca vou deixar de ter admiração", disse.
Antes
disso, Doca havia dado sua versão do caso no livro "Mea Culpa: O
Depoimento que Rompe 30 anos de Silêncio" (Editora Planeta). À época do
lançamento, em 2006, Cristiana Vilas Boas, uma das filhas de Ângela,
então com 42 anos de idade, protestou.
"Esse homem é um
canalha. Ele está querendo ganhar dinheiro à custa da minha mãe. Meu
Deus, quando é que ele se cansará de assassiná-la e a reputação dela?",
disse, em entrevista à Folha.
A reportagem lembrava, ainda,
uma frase dita no ano do primeiro julgamento de Doca, em 1979, pelo
poeta Carlos Drummond de Andrade. "Aquela moça continua sendo
assassinada todos os dias e de diferentes maneiras."
Era uma
referência à argumentação dos advogados de defesa que diziam que Ângela
Diniz era uma "vênus lasciva" movida a cocaína e álcool.
Raul
Fernando do Amaral Street nasceu em 5 de dezembro de 1934, em São Paulo.
Ganhou o apelido de Doca ainda na infância, como diminutivo de
"Fernandoca", como era chamado pela família.
Nos anos 1970,
foi descrito pela Revista Setenta como "homem forte do mercado de
capitais, figura obrigatória nas reuniões e happenings da sociedade
paulista, bon vivant". Quando lançou seu livro, tinha 71 anos e ganhava a
vida operando no mercado financeiro e negociando carros.
Em
entrevista à Revista "Isto É Gente", por ocasião do lançamento do livro,
contou que recebia também R$ 1.400 como aposentado pelo INSS, e que era
proprietário de um apartamento e de dois carros. Declarou-se, ali,
livre de vícios em bebida e cocaína, dos quais disse ter abusado por
"pura farra" nas décadas de 1960 e 1970. Fumava no máximo alguns
cigarros.
Quando cometeu o crime, Doca tinha 42 anos. Ângela,
32. Três meses antes, ele havia se separado de Adelita Scarpa, com quem
tivera um filho, Luís Felipe, então com três anos.
Doca Street morreu nesta sexta-feira (18), no Hospital
Samaritano, em São Paulo, após sofrer um infarto. Deixa viúva, três
filhos, dez netos e uma bisneta.
]Notícias ao Minuto
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