A saga do ex-governador Ricardo Coutinho, um político que frustrou até seus adversários

Nonato Guedes
Na censura dirigida por setores da opinião pública ao ex-governador
paraibano Ricardo Coutinho (PSB), acusado de desviar recursos públicos
da Saúde e da Educação, tal como denunciado nos autos da Operação
Calvário, o sentimento mais nítido – até da parte dos seus adversários –
é o de desencanto com sua biografia política. Quando emergiu no cenário
a partir de João Pessoa, laborando como vereador, deputado estadual e
prefeito por duas vezes, Coutinho foi saudado por gregos e troianos como
uma grata revelação da política até então dominada por grupos
tradicionais e esquemas oligárquicos que não tinham nada de novo a dizer
ao eleitorado paraibano, até por serem reféns de métodos e estilos
viciados que visavam mais a perpetuação no poder, mediante táticas
hegemonistas, do que propostas de renovação que arejassem de verdade o
fazer político.
Coutinho era, pois, o “achado” precioso, com um discurso que trazia
para o debate o Orçamento Democrático e substituía a imposição de metas e
decisões, por grupelhos, pela definição de prioridades públicas a céu
aberto, em Plenárias nas quais, teoricamente, comissários do povo tinham
voz e voto. Influenciavam, concretamente, os rumos da gestão pública,
apontando onde o dinheiro arrecadado do contribuinte deveria ser
investido. Para os mais açodados, era o socialismo convertido em
realidade. Lembro do comentário do poeta Ronaldo Cunha Lima, durante
sessão especial na Assembleia Legislativa, em conversa com este
repórter, ao ouvir o deputado Ricardo discursar: “Ele tem um futuro
brilhante”. Não pareceu haver malícia no tom de Ronaldo que ensejasse
exegese de duplo sentido na assertiva.
Ricardo principiava ser “diferente”. Tanto na Câmara Municipal como
na Assembleia não dava pinta de ser homem de conchavos, muito menos de
“cambalachos”. Aparentava ser tão inabalavelmente sério e exageradamente
correto que parlamentares que compunham grupos e esquemas definidos
receavam abordá-lo em busca de apoio para algum projeto. Filiado, então,
ao Partido dos Trabalhadores, Coutinho radicalizou tanto no perfil
“diferenciado” vendido à opinião pública que se tornou ensimesmado,
desafeiçoado a maior contato com colegas de Parlamento sobre os próprios
temas da Ordem do Dia das pautas legislativas. Fazia oposição ao
governo. A qualquer governo. Esta era a marca que pretendia imprimir,
intuindo, estrategicamente, a ocupação de espaços. Adicionava, à sua
biografia, componente que fazia inveja a outros políticos: a forja nos
movimentos estudantis, projetando-se no período final da ditadura
militar em que ressurgia o interesse pela militância política.
Numa conjuntura carcomida em que sobreviviam resquícios da
mentalidade do voto de cabresto, embora a perspectiva da urna eletrônica
estivesse batendo à porta, Ricardo Vieira Coutinho manteve distância
dos chamados “cabos eleitorais” que se diziam donos de votos, embora
nunca tivessem sido eleitos nem a síndico de condomínio. Enfronhou-se de
corpo e alma nos movimentos sociais e nas lutas sindicais. Por óbvio,
engajou-se nas agitações de ruas – fora da Paraíba, inclusive. Em 1984,
aos 24 anos, o Ministério da Educação ofereceu um curso de
especialização para farmacêuticos de hospitais universitários de todo o
país. Havia apenas 25 vagas e a UFPB o escolheu. No mesmo ano, iniciou
especialização no Rio de Janeiro. Lá, aproveitou o fato de o governador
Leonel Brizola ter mandado liberar as catracas dos ônibus para que todos
pudessem participar de um comício pelas diretas-já na Candelária e foi
junto. Participou ainda no Rio, ativamente, das articulações pela
criação da Central Única de Trabalhadores, da qual foi dirigente de
comunicação na Paraíba.
Na Assembleia Legislativa da Paraíba, Ricardo presidiu a Comissão de
Saúde em dois mandatos. Se não foi propriamente pioneiro, foi expoente
na propositura de Comissões Parlamentares de Inquérito que tornavam
menos nula ou apática a atuação das Casas Legislativas,
possibilitando-lhes aprofundar-se na radiografia de problemas
denunciados e no oferecimento de soluções. Na Câmara de João Pessoa, foi
mentor de Comissão Parlamentar versando sobre o drama da prostituição
infantil, o que trouxe à Paraíba expositores de renome nacional e
detonou discussões densas sobre um tema que ainda agora é atualíssimo. A
sequência da sua biografia é assaz conhecida, incluindo a “abertura” de
Ricardo à política de alianças com esquemas tradicionais que condenava e
dos quais mantinha distância. Foi aí que Ricardo foi apresentado à
estratégia para “chegar ao Poder”. Aliou-se a Cássio Cunha Lima contra
José Maranhão, depois a Maranhão contra Cássio, atraiu Efraim Morais e o
antigo PFL para sua órbita e produziu um malabarismo que fez PFL e PT
conviverem no mesmo metro quadrado do “pudê”.
Os movimentos políticos de Ricardo conotavam projeto próprio e
ambicioso – e ele foi praticamente quase tudo na história da Paraíba,
exceto senador e deputado federal. Chegou a ser cogitado como
alternativa para compor chapa a vice-presidente da República, pois já se
destacava no cenário nacional a partir do Nordeste, carente de
lideranças. O que desaponta a Paraíba é que o inventor dos “girassóis”
políticos e do “Coletivo” de um homem só tenha jogado uma carreira que
vinha se mostrando promissora e esteja atado, agora, a uma tornozoleira
eletrônica, envolto em acusações que remetem à corrupção. É a negação de
tudo que ele construiu carregando pedras e suando a camisa.
Os Guedes
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