CHARLATISMO: Igreja evangélica pode ser investigada por prometer imunização contra coronavírus
A
promessa de bênção com óleo imunizador contra o coronavírus, anunciada
por uma igreja de Porto Alegre neste domingo (1º), colocou autoridades
gaúchas em alerta por se tratar de uma medida sem qualquer eficácia
contra a covid-19. A doença tem dois casos confirmados no Brasil e
outros 252 casos suspeitos — sendo 27 no Rio Grande do Sul.
A
realização do culto religioso, marcado para às 19h pela Catedral Global
do Espírito Santo, ganhou divulgação por meio de redes sociais e chegou
ao conhecimento da Polícia Civil e do Conselho Regional de Medicina
(Cremers) ao longo do dia, levando as duas instituições a estudar
medidas contra eventual prática que caracterize charlatanismo, crime
previsto no Código Penal com punição de três meses a um ano de detenção e
multa.
O anúncio foi veiculado por meio de um folder com o título
“O Poder de Deus contra o Coronavírus”. O texto convoca fiéis para ir à
igreja pois “haverá unção com óleo consagrado no jejum para imunizar
contra qualquer epidemia, vírus ou doença”.
Assim que recebeu uma
cópia do convite, a chefe da Polícia Civil, delegada Nadine Anflor,
designou uma equipe para assistir ao culto.
— Vamos lá para observar e avaliar o que pode ser feito — disse.
Dois
policiais estiveram no local, um galpão na Avenida das Indústrias, na
zona norte da Capital, mas foram identificados por brigadianos que
atuavam na segurança e apresentados a membros da igreja ainda antes do
início do culto. Deixaram o templo na sequência.
GaúchaZH também
esteve no espaço e pediu para falar com um responsável para obter
esclarecimentos sobre a suposta unção contra o coronavírus. O líder da
igreja, apóstolo Silvio Ribeiro, foi contatado. A resposta foi que ele
poderia falar com a reportagem em outro momento, mas não neste domingo.
A
celebração começou por volta das 19h, sem a presença do apóstolo. Havia
cerca de 400 pessoas na assistência, acomodadas em cadeiras de
plástico. No palco, uma banda, um coral e cantores entoavam cânticos
religiosos. Logo no início, um dos cantores chamou a atenção para
cadeiras de rodas, muletas, aparelhos ortopédicos e caixas de remédio
penduradas em uma das paredes, que teriam pertencido a pessoas curadas
pela fé.
— Essa é a noite do teu milagre! Não importa do que você precisa! — disse ele.
A
celebração continuou com cânticos, louvores e relatos de curas
supostamente milagrosas, sob condução da apóstola Maria Ribeiro. Depois
de tematizar as saúde, ela passou a falar do sucesso financeiro.
—
A bênção financeira é somente para quem é fiel. O que impede o milagre
financeiro na vida do cristão é a falta de fidelidade a Deus — afirmou.
Ela
pediu então que os presentes fizessem um voto de fidelidade a Deus, na
forma de doações que deveriam ser colocadas dentro de envelopes que
passaram a ser distribuído por ajudantes.
— Também temos máquinas de cartão aqui na frente — anunciou.
Depois
que os auxiliares saíram com várias caixas repletas de envelopes de
dinheiro, o apóstolo Sílvio Ribeiro surgiu no altar, todo de branco,
enquanto os demais cantavam. A cerimônia já durava mais de uma hora. Não
demorou para que ele fizesse uma menção ao coronavírus:
— Epidemia de coronavírus, fora! — bradou, enquanto os músicos e os fiéis cantavam que “nada é impossível para Ti”.
Durante
o culto de quase três horas, Ribeiro comentou por diversas vezes sobre a
doença. Numa das situações, falou como se fosse outra pessoa dizendo a
ele e debochando “mas unção com óleo vai curar coronavírus?”, para logo
depois dizer que Deus pode curar tudo. Ele também relacionou a doença a
uma das profecias do apóstolo João, descrita no livro bíblico
Apocalipse. Neste momento, disse que era tempo de as pessoas pedirem
perdão pelos pecados e procurarem uma igreja para serem salvas da
doença. E quando ele falava sobre o coronavírus, pedia sempre para os
fiéis repetirem as frases em voz alta, o mais alto possível.
O
apóstolo também comemorou o aumento de seguidores nas próprias redes
sociais, no domingo, depois da divulgação do culto onde abordaria o tema
coronavírus. A partir das câmeras espalhadas por todo o prédio, a
cerimônia foi transmitida ao vivo nas redes sociais da igreja.
O
presidente do Cremers, Eduardo Trindade, acionou a assessoria jurídica
da entidade para avaliar o tipo de providência mais adequada diante do
anúncio de imunização feito pela igreja.
— A questão é
extremamente preocupante. A pessoa pode se sentir protegida e não adotar
medidas de prevenção nem procurar atendimento de saúde. Sem querer
interferir na liberdade religiosa e crendice de cada um, precisamos
ressaltar que não existe proteção espiritual contra a infecção —
alertou.
Conforme Trindade, a reza ajuda a elevar a fé das
pessoas, mas, de maneira alguma, substitui medidas que evitam o contágio
e a cura da doença por meio de tratamento médico.
Além de
possíveis medidas judicias, o presidente do Cremers disse que iria
procurar o Ministério Público e a Secretaria de Saúde de Porto Alegre
para que estudar outras ações.
— Como pode gerar risco à saúde pública, é preciso envolvimento de todas as autoridades — enfatizou.
Em
entrevista coletiva na última sexta-feira (28), o secretário-executivo
do Ministério da Saúde, João Gabbardo, já havia feito um apelo para se
evitasse a propagação de mensagens como a da cura prometida pela igreja.
Fonte: Zero Hora
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