‘Deepfakes’ serão o principal desafio das eleições desse ano no Brasil: VEJA VÍDEO
O
aprimoramento da tecnologia faz com que seja cada vez mais fácil
manipular vídeos substituindo rostos, criando expressões e até alterando
discursos. Na tentativa de conter a disseminação das ‘deepfakes’, o
Tribunal Superior Eleitoral criou novas medidas na legislação e um grupo
de combate específico.
Você
é do tipo que precisa “ver para crer”? E se te falarmos que, hoje em
dia, nem tudo o que os olhos enxergam é verdade? Nos últimos anos, as
“fake news” ganharam força com o desenvolvimento de uma tecnologia que, a
partir da inteligência artificial, manipula vídeos que reproduzem a
aparência, as expressões e até a voz de alguém. Em ano de eleições nos
Estados Unidos e no Brasil, as “deepfakes” ampliaram os desafios do
combate à disseminação das “fake news”. A criação de vídeos com o rosto
de um candidato falando algo que não disse é o novo alvo de preocupação.
“Com
essa técnica a gente consegue criar imagens e sons que nunca existiram e
de uma maneira muito realista, porque a pessoa que vê ou que ouve não
consegue diferenciar o verdadeiro do falso”, afirma o jornalista Bruno
Sartori. Ele é pioneiro na utilização da tecnologia no Brasil e cria,
principalmente, sátiras políticas. O canal de vídeos dele já tem mais de
100 mil inscritos. Há dois anos, quando começou, Bruno demorava seis
meses para fazer um vídeo. Mas, hoje, leva apenas dois dias.
“O
primeiro passo para gente criar uma ‘deepfake’, um vídeo de ‘deepfake’, é
encontrar um banco de dados que seja, no caso, o rosto da pessoa. Nós
fazemos isso com vídeos buscamos vídeos das pessoas e montamos um banco
de dados com, aproximadamente, 2 a 6 mil imagens. Isso varia de acordo
com os ângulos que a gente precisa no vídeo que vamos inserir o rosto.
Então a gente busca essas imagens e, depois de tê-las no banco, a gente
coloca a inteligência artificial para fazer os cálculos matemáticos, ela
vai fazer o treinamento. Quanto mais vezes ela tentar, melhor será a
qualidade do rosto da pessoa. Quando eu comecei, eu tinha uma GPU mais
lenta e os códigos era mais rústicos, então para obter o meu primeiro
vídeo eu demorei 6 meses. Atualmente, eu levo cerca de dois dias”, conta
ele.
Quando
se popularizaram, em 2017, as “deepfakes” eram feitas basicamente pela
indústria pornográfica – que usava rostos de atrizes famosas em vídeos
manipulados. Agora, são usadas até para manipular discursos políticos.
Bruno Sartori faz, principalmente, sátiras, mas já recebeu pedidos
inusitados.
“Uma
moça me pediu para produzir um vídeo do noivo dela que havia falecido.
Eles iriam casar e, um semana antes do casamento, ela bateu o carro, ele
estava com ela e ele morreu. E ela queria que eu fizesse um vídeo dele
se despedindo dela. Mas, naquela época em que ela me procurou, eu só
conseguia inserir o rosto da pessoa em um vídeo. Então, eu expliquei
para ela que não era o marido dela, não tínhamos a voz, o corpo, o
cabelo. A gente só tem o rosto, pode ficar estranho para você. Mas hoje
já seria possível, hoje já possível copiar uma pessoa inteira. Eu já
recebi outros tipos de proposta, de vídeos políticos, para criar vídeos
falsos mesmo. As pessoas chegam sem nenhum pudor e tentam contratar esse
tipo de serviço”.
Nos Estados Unidos, um vídeo falso que mostra o
ex-presidente Barack Obama xingando o atual presidente Donald Trump
chamou atenção para as “deepfakes”. A presidente da Câmara dos
Representantes, Nancy Pelosi, também teve um vídeo manipulado para
parecer que estava bêbada durante um discurso. Esse mês, o Facebook
anunciou que vai banir vídeos de “deepfake” e imagens manipuladas que
tenham como objetivo enganar os usuários – uma forma de tentar se
preparar para as eleições presidenciais. Cinquenta e cinco checadores,
que falam 40 idiomas, vão ser responsáveis por analisar e sinalizar os
vídeos falsos. Aqui no Brasil, para pesquisador da Diretoria de Análise
de Políticas Públicas da Fundação Getúlio Vargas, Lucas Calil, as
eleições municipais também devem sofrer com a nova tecnologia:
“A
gente já teve alguns casos no Brasil de vídeos que foram amplamente
discutidos se eram verdadeiros ou falsos. Teve o caso do Dória
(governador de São Paulo), nas eleições estaduais de 2018, tem
acontecido com regularidade nos Estados Unidos. Eu acho que é algo que
vai ser um componente a mais nesse ecossistema de desinformação nas
eleições municipais e que vai gerar complicações até maiores do que
seria em eleições nacionais porque vai ser mais difícil de se coibir a
partir da pulverização dos municípios. Isso vai poder acontecer em todas
as principais capitais do país, em todas as principais candidaturas e
não vai ser concentrado em candidato ‘a’ ou ‘b’ de uma eleição nacional.
E, eu já acho que vai acontecer agora nessas eleições municipais
exatamente porque já é um recurso disponível para candidatos e atores
políticos que tem capital financeiro para investir.”
Na
tentativa de conter a disseminação das “deepfakes”, o Tribunal Superior
Eleitoral criou novas medidas na legislação e um grupo de combate
específico. O juiz-auxiliar da Presidência do TSE e coordenador do
Programa de Enfrentamento à Desinformação, Ricardo Fiorezze, disse que,
além de banir os vídeos manipulados, a ideia é também divulgar a
informação verdadeira:
“Todo e qualquer formato de desinformação é
objeto de preocupação no âmbito do programa de enfrentamento a
desinformação. O que nós pretendemos, já que o Facebook é parceiro do
programa de enfrentamento a desinformação, é que também esse novo
produto que vai ser utilizado nas eleições americanas também seja
utilizado nas eleições municipais de 2020. Nós vamos retomar diálogos
com o Facebook em fevereiro. Nossa ideia é identificar aquilo que possa
ser uma ‘deepfake’, como poderia ser qualquer tipo de desinformação,
fazer a checagem e divulgar a informação verdadeira”.
Atualmente,
não existem leis específicas contra “deepfakes”. O Marco Civil da
internet, lançado em 2014, que rege a utilização da rede no Brasil,
também não traz regulamentações envolvendo os vídeos manipulados. Para a
pesquisadora em Direito e Tecnologia do Instituto de Tecnologia e
Sociedade do Rio, Priscilla Silva, a solução é mesmo não acreditar em
tudo que se vê:
“A gente mesmo fornece um banco de dados gratuito
para quem quiser manipular nossa imagem. A gente coloca nossa imagem na
internet de maneira voluntária diariamente, então fotos, stories,
imagens instantâneas, vídeos. Tudo isso serve para alimentar um banco de
imagens que pode ser usado de maneira negativa. A gente está em um
processo de tentar se acostumar. Como a gente se acostumou a conviver
com a manipulação de imagens estáticas, como é o caso do Photoshop, por
exemplo, hoje em dia a gente já tem um olhar mais treinado ou desconfia,
a gente também vai treinando o nosso olhar e se tornando mais crítico
com informações desses vídeos manipulados”.
O
TSE recebe denúncias de manipulações através dos perfis oficiais que o
tribunal tem nas redes sociais. Mas um canal específico será criado até
as eleições.
Veja vídeo:
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