quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

O fenômeno Anitta

UMA MÁQUINA DE SUCESSO: As estratégias da cantora Anitta para conquistar a América

Aos 26 anos, Anitta, a prima-dona (mandona) do funk, causa espanto pela competência com que administra a carreira e ganha milhões. E quer abraçar o mundo


Egberto Nogueira/VEJA
Como cansa ser a todo-­poderosa rainha do funk. Em uma manhã típica no fim de dezembro, vinda direto de um festival em Natal, no Rio Grande do Norte, Sua Alteza Real, Anitta, a primeira e única, desembarcou às 7h30 de um jatinho alugado no Aeroporto de Jacarepaguá, a poucos quilômetros do condomínio fechado em que mora na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio de Janeiro. Uma vez em casa — uma mansão de 600 metros quadrados e três andares com elevador, piscina, sauna e salão de ensaios —, desabou na cama para preciosas duas horas de sono. Ainda dormia quando dois cabeleireiros e um maquiador entraram em ação, sob o olhar atento de Douglas Romeu, 33 anos, amigo de infância alçado a “uma espécie de babá”. A correria cotidiana, porém, teria uma pausa. Naquele dia a artista embarcaria para uma semana de folga em Aspen, nos Estados Unidos — sim, Anitta gosta de esquiar na neve, e dessa vez teve o prazer adicional de topar por acaso com Mariah Carey, de quem é fã incondicional.
Nada mau para a menina de 26 anos que saiu do Morro do Brinquedo, na Zona Norte do Rio, com uma ideia fixa na cabeça, os quadris em frenesi e um funk mais, digamos, família. Brandindo essas ferramentas, construiu praticamente sozinha uma carreira artística — e uma fortuna — de impor respeito até a quem torce o nariz para a música das quebradas. No dia em que a reportagem de VEJA foi a sua casa, o vaivém era intenso na sala, onde uma parede de tijolinhos exibe um grafite do artista Marcelo Ment. Cinegrafistas da Netflix filmavam tudo para a segunda temporada de Vai Anitta, um reality show à la Kardashians. No meio do zum-zum-­zum, a cantora surge animada, de blazer e legging da grife italiana Fendi, e instrui em altos brados: “Põe bem grandão na chamada: eu sou a artista da década”. Para o bem ou para o mal, é mesmo (tanto da que acabou, quando se fez e se impôs, quanto da próxima, para a qual tem altos planos). Anitta revelou a VEJA que pretende lançar nos próximos meses um álbum todo em inglês produzido por Ryan Tedder, que já trabalhou com Beyoncé, Adele e Ariana Grande. “Ela entende a cultura global e está preparada para o mercado americano. Todo mundo em Los Angeles e Nova York quer trabalhar com Anitta”, diz Tedder.

Plásticas: “Dizem que fiz oito, mas nem eu sei o número exato. Operei duas vezes o nariz, depois aumentei o queixo, reduzi o seio, fiz lipo. Para mim, plástica é igual a cortar o cabelo. Dá vontade, eu vou.”
A mais bem-sucedida mulher artista em um gênero musical machista por excelência, Anitta acumula superlativos em todas as mídias que contam. Foi a brasileira mais ouvida no exterior em 2019, tanto no YouTube quanto na plataforma de streaming musical Spotify. No onipresente Instagram, é a personalidade feminina nacional mais influente, com estrondosos mais de 44 milhões de seguidores. Os ingredientes de sua receita para alimentar o universo digital são de primeira linha: gravar com Madonna, ter uma canção na trilha sonora do novo As Panteras, lançar 25 clipes em um ano. Nos últimos meses acumulou dezoito contratos publicitários, possível recorde entre artistas brasileiros. Anitta não fala sobre dinheiro, mas sabe-se que chega a ganhar 5 milhões de reais por uma campanha nacional de TV. Faz em média quatro shows por semana, de quinta a domingo, com cachê mínimo de 250 000 reais. Neste pré-Carnaval, já botou nas ruas do Rio seu Bloco das Poderosas, vai repetir o feito em Salvador e ainda, pela primeira vez, em São Paulo. “Ela é uma máquina de sucesso e, desde que começou conosco, em 2013, produz sem parar. Mantém uma constância que raros artistas alcançam”, diz Sérgio Afonso, presidente da gravadora Warner no Brasil.
APOGEU - Na gravação com Madonna: a americana ligou, elogiou e fez o convite //Reprodução
Há seis anos a artista determinada, centralizadora e ultraprofissional é sua própria empresária, decidindo os rumos da carreira, as parcerias e a direção de seus perfis em redes sociais. Embora mantenha um escritório com 34 funcionários, a última palavra é sempre dela. “A Anitta só pensa em trabalho. Nunca está satisfeita”, atesta o produtor Papatinho, que trabalhou em Bang, seu terceiro álbum. Ativa como poucas, pensa em diversificar e acaba de dar um passo nesse sentido: gravou uma participação na novela global Amor de Mãe (Anitta que é Anitta começa logo no horário nobre) como Sabrina, uma fã que se envolve com o cantor Ryan (Thiago Martins) — sim, haverá beijo técnico nas cenas que irão ao ar no fim de fevereiro. “Não descarto aceitar outros convites, mas agora não é prioridade”, disse a VEJA.
Madonna: “No estúdio, me deu uma tremenda dor de barriga. Fui direto para o banheiro e fiquei lá uma meia hora. Estava nervosíssima.”
Há cerca de seis meses Anitta é empresariada no exterior pelo americano Brandon Silverstein, agente de Normani, do Fifth Harmony. “No segundo em que a conheci, senti vibrações de superestrela”, derrama-se ele. Para o disco em inglês produzido por Ryan Tedder, ela foi aos Estados Unidos gravar trinta músicas em segredo e agora seleciona parcerias. Anitta tem consciência de que não será fácil repetir o feito da colombiana Shakira, a única latina até hoje a conquistar o mundo cantando em inglês. “Estudei com um professor americano e sou obcecada por documentários de tudo em inglês, de bichinhos a serial killer”, diz a cantora. Entre os frequentes duetos com celebridades (o rapper Snoop Dogg, a banda Black Eyed Peas, os DJs Snake e Alesso, o trio Major Lazer), o apogeu foi gravar com Madonna o funk Faz Gostoso (Eu não nego / Ele é safado / E ainda por cima é carinhoso / Ele faz tão gostoso). “Ela me ligou dizendo que tinha sempre mulheres empoderadas no seu radar e havia se identificado com o meu trabalho. Fingi naturalidade, mas, quando desligou, comecei a gritar”, lembra. No dia da gravação, em um estúdio em Nova York, tremeu nas bases. “Cheguei antes e fiquei trinta minutos trancada no banheiro, com dor de barriga”, revela a cantora, que cogita passar uma temporada morando nos Estados Unidos.
DESFILE - Vai Malandra: biquíni de fita isolante no clipe gravado na favela do Vidigal, o mais visto no YouTube em 24 horas //AgNews
Mestra em capitalizar cada passo que dá, Anitta vive abastecendo suas mídias sociais com textos, fotos e vídeos. Vale lançamento de clipes, viagens, shows e muitas caras e bocas. Outro manancial de retuítes e likes são os enroscos sentimentais. “Se eu ligasse para tudo o que dizem de mim, não viveria”, afirma, com cara de quem não liga mesmo. Um encontro com o inglês Lewis Hamilton, campeão de Fórmula 1, rendeu faíscas. Namoraram? “Namoro é uma coisa muito forte. Não gosto de falar de situações que envolvem outras pessoas, a menos que tenha sido combinado antes”, declara, pensando em cada palavra. Em junho, o mundo ficou sabendo, por meio de fotos de uma viagem a Bali, que seu acompanhante era o surfista Pedro Scooby, ex-marido de Luana Piovani. Passados três meses de idílio intercalado com troca de farpas com a ex, Anitta encerrou o romance, pelo celular. “Estou solteira e sempre vou ter alguém. Para casar, eu preciso procurar, testar, né, não?”, pondera.  Recentemente, pôs as redes em polvorosa ao se declarar bissexual. “Isso nunca foi segredo para a minha família”, relata. Ela e Ohana Lefundes, uma bailarina de sua equipe, se “curtem”.
Bissexualidade: “Demorei a falar porque tinha medo que achassem que eu estava querendo aparecer. Isso nunca foi segredo para a minha família. Sou assim desde os 13 anos, quando comecei a beijar na boca.” 
Ao longo da carreira, tem tido lá suas brigas. Com a também funkeira Ludmilla, desentendeu-se porque assinou como coautora da música Onda Diferente, que as duas gravaram com Snoop Dogg. Anitta justificou-se dizendo que o crédito era por ter produzido o vídeo, mas elas estão de mal até hoje. Após a gravação de Sua Cara, com Pabllo Vittar, o imbróglio entre as duas foi motivado pela recusa da funkeira em alugar um jato particular para o Marrocos. Um áudio vazado traz Anitta se defendendo. “O clipe eu estava pagando sozinha. Clipe caro pra c…, 70 000 dólares, dólares! Sou pão-­dura?”, questiona. As frases viraram memes na internet. A rixa mais longa e desgastante foi com a ex-empresária Kamilla Fialho, dispensada sob a alegação de haver desviado milhões de Anitta. Nada foi comprovado. A pendenga seguiu na Justiça até 2018, quando chegaram a um acordo e Kamilla levou cerca de 9 milhões de reais. “Anitta desconfia de todo mundo. Até cria histórias para ver se elas vazam”, conta uma pessoa de seu círculo. Os mesmos anônimos confidenciam que, quando a poderosa chefona baixa na cantora, salve-se quem puder. “Ela grita com todo mundo”, revela um deles.
PRIMÓRDIOS - A pequena Larissa, 1 ano (com os pais, Mirian e Mauro, e o irmão Renan), aos 6 e aos 13: a vida no subúrbio //Arquivo pessoal
Uma estratégia de Anitta, que estourou em 2013 com a canção Show das Poderosas (Prepara que Agora É a Hora), é municiar o público com novidades constantemente. Em 2018, ela divulgou uma música com clipe por mês, durante seis meses, no projeto CheckMate. O pacote incluiu Vai Malandra, o clipe brasileiro mais visto no YouTube em um período de 24 horas, gravado na favela do Vidigal. Nele, a cantora surge de biquíni de fita isolante e “põe as celulites para jogo”, como diz. Uma vez por mês, Anitta veste um terninho e faz palestras sobre marketing em grandes empresas e feiras. Cachê: 150 000 reais. Graças aos dotes de marqueteira, foi contratada pela área de criatividade e inovação da Ambev, o que rendeu mais um bate-boca. O DJ Polyvox a acusa de plágio do nome de seu primeiro projeto, a Skol Beats 150BPM. O caso está na Justiça e a Skol Beats 150BPM, na boca do povo.
Drogas: “Já experimentei muita coisa, sempre fora do Brasil. Queria entender como era a sensação. Não gosto de ficar julgando as pessoas por coisas que eu não conheço.”
O fato é que tudo em torno da cantora vira business. Até um de seus cinco cachorros, o galgo Plínio, foi escalado para o comercial de uma operadora de celular. Anitta possui doze produtos licenciados do Clube da Anittinha, desenho exibido em canais infantis. É milionária com fama de mão-fechada: seu único bem é a mansão onde mora, só usa os carros da marca da qual é garota-propaganda e, embora viva grifada — Louis Vuitton e Givenchy são seus xodós —, ganha a maioria das peças. Nas viagens a lazer, costuma levar a mãe, a artesã Mirian, tios e amigos. “Ela banca todo mundo, mas vai de primeira classe e o restante lá atrás, de econômica”, diz uma celebridade que a conhece bem. Em meio à rotina trepidante, a funkeira assume que luta contra a depressão. “Em 2017 tive uma crise pesada. No ano passado comecei a sentir que ia bater e corri para me tratar”, conta. Mesmo estando de bem com a fama, confessa que já saiu disfarçada. “Um dia em que eu estava triste e queria ficar anônima, fui montada de drag queen à boate Love Story, em São Paulo. Ninguém percebeu, e eu ainda tive de pagar como homem”, orgulha-se.
NADA A ESCONDER – Preparada para o ensaio de seu Bloco das Poderosas: segundo os mais próximos, quando a chefe está atacada, sai de perto: “Ela grita com todo mundo” - Divulgação/VEJA
Depressão: “Em 2017, tive uma crise pesada. No ano passado, senti que ia bater de novo e corri para me tratar. Me treinei para perceber quando estou para ter uma recaída. Também sou ultra-ansiosa. Já precisei até tomar remédio.”
Em seus anos de estrada, Larissa de Macedo Machado, que se inspirou na minissérie global Presença de Anita na hora de adotar o nome artístico, vem se transformando a olhos vistos. A repaginada inclui ao menos oito plásticas. Ela mexeu no nariz, aumentou o queixo, reduziu os seios e fez lipoaspirações. “A única coisa que me incomodava era o nariz, o resto fiz porque deu na telha”, confessa. A voluptuosa funkeira, que mede 1,62 metro mas não informa quanto pesa, afirma que só bebe em festas e que experimentou drogas em viagens ao exterior. “Queria entender a sensação, mas não é a minha praia”, ressalta. Entre os planos para este ano está diminuir o ritmo de trabalho, mas nem ela acredita que vai cumpri-lo. É melhor acatar o aviso de Sua Cara. “Me encara, se prepara”, ela canta. Ainda vem muita Anitta por aí.

O FENÔMENO EM NÚMEROS
• 81 milhões de seguidores nas redes sociais
• 1 º lugar entre as famosas mais seguidas no Instagram brasileiro
• 4,5 bilhões de visualizações de vídeos no YouTube
• 13 milhões de curtidas só no Facebook
• 413 milhões de streamings de Downtown, sua música mais ouvida no Spotify
• 250 000 reais é o cachê mínimo de um show
• 5 milhões de reais é quanto cobra por uma campanha nacional em TV
• 18 contratos de publicidade ao mesmo tempo em 2019, recorde para um artista no mercado
Publicado em VEJA de 29 de janeiro de 2020, edição nº 2671 - Por Sofia Cerqueira

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