Maceió: a terra afunda, prejudica moradores e complica a Braskem, gigante da indústria química e petroquímica
Três bairros têm áreas sob o risco de ser engolidas por crateras, e a suspeita é que o estrago tenha sido produzido por poços de mineração da empresa
Até para quem já vive anestesiado com os mais variados
descalabros que acontecem todos os dias no Brasil o caso representa um
choque: três bairros inteiros em Maceió vivem há pelo
menos um ano sob o risco de ir literalmente para o buraco, com porções
sendo engolidas por crateras provocadas em consequência da exploração de
poços de mineração. Em um cenário digno de filme catástrofe, fendas
enormes abertas no asfalto tornaram ruas intransitáveis em um trecho de 3
quilômetros quadrados da capital alagoana. Residências ganharam
fissuras tão grandes que se encontram a um passo de desabar e quase
nenhum comércio ou serviço funciona mais por lá: escolas, creches e
postos de saúde foram fechados por falta de segurança. Só não se
transformou em um lugar fantasma porque ainda há moradores que se
recusam a deixar o local e outros que continuam a visitar suas casas
rachadas, apesar dos alertas de perigo da Defesa Civil. Cerca de 1 500
pessoas terão de ser removidas de 400 imóveis condenados e outras 2 000
já tomaram essa decisão por conta própria. Gigante da indústria química e
petroquímica, a Braskem, que tem como sócias a Odebrecht e a Petrobras,
é acusada pelo Ministério Público de provocar o estrago. De acordo com
nota encaminhada pela direção da companhia a VEJA, ainda não há provas
de que a atividade de mineração seja a responsável pelo desastre. “A
Braskem vem colaborando com as autoridades e realizando estudos para
compreender as causas do fenômeno”, diz o documento.
Nas últimas quatro décadas, a empresa opera por ali retirando de 35
poços espalhados por Maceió o sal-gema, matéria-prima para a produção
de PVC. Reclamações de moradores a respeito de fissuras nas casas em
decorrência de movimentações no terreno são recorrentes há mais de dez
anos. “A atividade da Braskem gerou um aprofundamento progressivo dos
buracos nos quais ocorre a exploração, e os estudos de impacto ambiental
não foram devidamente atualizados”, afirma o engenheiro e especialista
em geotécnica Abel Galindo, um dos primeiros a alertar sobre o problema.
“É uma mineração desastrosa, feita de forma desorganizada e em cima de
uma falha geológica”, acusa. Em 2018, um abalo sísmico que atingiu a
capital alagoana piorou tudo, acelerando o processo de movimentação das
rochas arenosas no subsolo. Na área mais atingida pelo fenômeno, o
terreno cedeu 40 centímetros em média, o suficiente para abrir fissuras
no asfalto e abalar a maior parte das construções do local.
Embora a Braskem negue a responsabilidade, um estudo do Serviço
Geológico do Brasil divulgado em abril culpou a empresa do problema. A
remoção emergencial dos moradores em área de risco foi deliberada pela
Braskem no último dia 19, em conjunto com as autoridades públicas, após o
laudo de um instituto alemão contratado pela própria companhia ter
atestado a necessidade de evacuação. A medida era descartada
inicialmente pela petroquímica. Agora, ela pode ser condenada a pagar
20,5 bilhões de reais em indenizações, segundo ação do Ministério
Público Federal. O fato foi determinante para ocasionar outro prejuízo
para a petroquímica, tida como a joia da coroa da Odebrecht. A venda
dessa unidade por cerca de 20 bilhões de reais à companhia holandesa
LyondellBasell era considerada a única forma de evitar o processo de
recuperação judicial do grupo, que acabou ocorrendo em junho. A
negociação afundou com o agravamento da crise ambiental em Maceió que
envolve a Braskem.
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PROTESTO – Ato realizado em maio: críticas à petroquímica - (Ailton Cruz/.) |
(./.)
Colaborou Victor Irajá
Publicado em VEJA de 4 de dezembro de 2019, edição nº 2663
VEJA - Por Mariana Zylberkan
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