Governo federal vai gastar cerca de 20 milhões de reais em equipamentos contra espionagem
Preocupado com ataque de drone e atentados contra o presidente, Planalto investe alto em uma redoma de proteção
(./Shutterstock)
Jair Bolsonaro costuma comparar sua rotina à de um preso
domiciliar sem tornozeleira eletrônica, tantas são as restrições que o
cargo impõe. Ele raramente sai às ruas em suas horas vagas — quando o
faz, está cercado de um robusto aparato de segurança. A solidão do poder
não é um privilégio do ex-capitão, embora sua personalidade o torne
cada vez mais refém. O presidente tem certeza de que seus passos são
observados 24 horas por dia. Recentemente, enquanto recebia a visita de
um amigo durante o fim de semana no Palácio da Alvorada, Bolsonaro
arriscou sentar-se à beira da piscina, o que é raro. Os dois conversavam
embaixo de um guarda-sol, sem ninguém por perto. O presidente, porém,
estava visivelmente incomodado. A todo instante botava a cabeça de lado e
olhava para o céu à procura de algo. “Nós estamos muito vulneráveis”,
justificou. O interlocutor perguntou o que preocupava o presidente:
“Drones.”
A resposta não chegou a surpreender. É sabido que Bolsonaro sempre
teve uma preocupação acima do comum com a própria segurança. No início
de sua vida parlamentar, ele tinha o hábito de fazer uma espécie de
vistoria cada vez que estacionava seu carro na rua. Antes de entrar no
veículo, agachava-se para olhar os pneus e a parte inferior, a fim de
checar se algum aparelho havia sido afixado enquanto ele estava
distante. Até as garrafas de água deixadas dentro da geladeira de sua
casa eram alvo de suspeita. Bolsonaro preferia tomar água da torneira a
beber aquela que ficava em garrafas já abertas. “Tinha medo de
envenenamento”, lembra um colega do Parlamento. Na campanha, ele recusou
ofertas de jatos particulares por receio de sabotagem. Para os que
acreditavam que esse comportamento revelava sinais de paranoia, o
atentado a faca provou que realmente havia inimigos invisíveis que
justificavam os cuidados exagerados. No governo, de acordo com sua
visão, os inimigos se multiplicaram.
Bolsonaro acredita que, além dos esquerdistas, terroristas têm
interesse em aniquilá-lo. Dois de seus aliados de primeira hora
confirmaram a VEJA que ele foi alertado sobre a possibilidade de sofrer
um atentado do Hezbollah, grupo terrorista libanês. O motivo do ataque: a
intenção do governo de transferir a embaixada brasileira de Tel-Aviv
para Jerusalém — um gesto político em favor de Israel que teria
incomodado os árabes. Não há, até onde se sabe, uma única evidência
concreta sobre o planejamento de algum ataque, mas Bolsonaro cobrou
maior reforço em sua segurança. A Secretaria-Geral da Presidência e o
Comando do Exército estão comprando equipamentos que vão colocar o
Palácio do Planalto sob uma redoma, com proteção no céu, em terra e até
debaixo d’água. São sistemas de detecção e bloqueio de drones,
equipamentos antiespionagem e antiescuta, carros blindados e até
instrumentos de mergulho. Esse aparato vai custar cerca de 20 milhões de
reais.
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NO GABINETE – Equipamentos vão impedir gravações e escutas clandestinas - (Cristiano Mariz/.) |
Para justificar a necessidade de segurança aérea, o governo listou ao
menos quatro situações que envolveram drones em suposta ação de
espionagem. A primeira delas aconteceu em dezembro do ano passado,
quando a família presidencial foi filmada durante momentos de lazer na
residência oficial da Granja do Torto — onde Bolsonaro e seus parentes
se hospedaram na transição do governo. Também há relato de sobrevoo de
drones durante a posse presidencial, em detrimento do esquema de
segurança montado na Esplanada dos Ministérios, e, logo depois, ao redor
do Alvorada. A residência do vice-presidente Hamilton Mourão também
teria sido invadida: um drone permaneceu por mais de vinte minutos sobre
o Palácio do Jaburu justamente no local em que fica alojada a Guarda
Militar e que abriga, além dos seguranças, toda a munição e o armamento
da segurança.
O risco dos drones, segundo o Planalto, vai além da invasão da
privacidade. Segundo o parecer que sustenta a aquisição do material, há a
possibilidade de tais equipamentos servirem como condutores de
explosivos e até mesmo de armamentos com capacidade de ser acionados a
distância. “O emprego de drones sobre as residências oficiais do
presidente e do vice-presidente da República e do Palácio do Planalto
representa grave ameaça à integridade física e moral dos dignitários e
seus familiares”, diz o relatório. Por questões de segurança, não se
especifica o tipo de aparelho que será adquirido. Os fabricantes
contatados, no entanto, oferecem um modelo que bloqueia o sinal entre o
drone e o controlador, neutralizando o aparelho.
Bolsonaro também quer evitar ser gravado durante suas reuniões
oficiais no Planalto. Hoje, antes de entrarem no gabinete presidencial,
os convidados são instados a deixar os celulares do lado de fora. Esse
procedimento, no entanto, não impediu o presidente de passar por um
enorme constrangimento. Recentemente, vazou um áudio em que Bolsonaro
pedia a aliados apoio político para o filho Eduardo numa disputa interna
do PSL, então partido do presidente. “Se alguém grampeou o telefone, é
desonestidade”, vaticinou Bolsonaro, suspeitando que parlamentares do
seu próprio partido estariam interceptando clandestinamente suas
ligações. É provável que a explicação para esse vazamento seja bem mais
singela. Mesmo assim, a Presidência está investindo 7 milhões de reais
em equipamentos de segurança eletrônica que vão proteger o Planalto de
grampos, câmeras ocultas, dispositivos de escuta de áudio e rastreadores
de GPS.
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COMITIVA – Carros terão até pneus blindados e armamento pesado - (Cristiano Mariz/.) |
No pacote de proteção, a Presidência ainda comprou dezoito veículos
blindados, com pneus à prova de balas e suportes para armamentos e
munições pesadas. O superesquema de segurança também vai contar com
mergulhadores. O Palácio da Alvorada fica às margens do Lago Paranoá. Há
um perímetro de segurança sinalizado por boias e redes, que impedem a
aproximação de embarcações, mas não de intrusos. Por isso na lista de
compras constam máscaras de mergulho, pés de pato e boias de resgate. Os
novos equipamentos, segundo documentos do governo, deixam a equipe de
contramedidas da Diretoria de Tecnologia da Presidência da República “no
mesmo patamar dos principais serviços de contrainteligência de Estado
de âmbito mundial”.
Apesar de todo esse aparato e do custo envolvido, o sistema
continuará com uma vulnerabilidade — e por um motivo prosaico. O
Gabinete de Segurança Institucional insiste com Bolsonaro para que
abandone o telefone comum e utilize um criptografado, o que reduziria
praticamente a zero a possibilidade de uma interceptação clandestina e,
consequentemente, de vazamentos indesejados. O presidente, porém,
resiste à ideia. A substituição do aparelho impediria o acesso dele às
redes sociais e a aplicativos de troca de mensagens, como o WhatsApp.
Durante a apuração desta reportagem, VEJA teve acesso a um conjunto de
mensagens que ele enviou através de uma lista de transmissão. Nada de
mais se as piadas, os memes e os comentários não fossem de autoria do
presidente da República.
Publicado em VEJA de 4 de dezembro de 2019, edição nº 2663
VEJA - Por ,
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