O nióbio da Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração vai da bijuteria às turbinas de avião
Jair Bolsonaro fez o nióbio ter fama nacional. A CBMM, dona de 80% do mercado global, investe para levar o mineral a novos nichos
Com 2 quilômetros de raio e pelo menos 800 metros de profundidade, a mina explorada pela CBMM, em Araxá, a 370 quilômetros de Belo Horizonte,
parece uma montanha de terra com um tom amarelo-amarronzado. A
movimentação de escavadeiras e caminhões tampouco ajuda a revelar o
tesouro escondido ali. Não é preciso dinamites nem equipamentos
especiais para extrair o pirocloro, mineral que esconde em seu interior
2,5% de nióbio.
O nióbio é o elemento químico que ocupa o número 41
da tabela periódica, em cima do tântalo e ao lado do molibdênio. Assim
como estes, o nióbio oferece características especiais ao aço e a outras
ligas metálicas. Bastam 100 gramas para fazer com que 1 tonelada de aço
fique mais resistente, maleável ou condutora. Custa uma fortuna: cada
quilo de nióbio vale de 30 a 40 dólares, 400 vezes a cotação do minério
de ferro, principal mineral explorado no Brasil.
A CBMM, controlada pela família Moreira Salles,
sócia do banco Itaú Unibanco, é pioneira na exploração de nióbio e hoje
controla 80% do mercado global, avaliado em 3 bilhões de dólares por
ano. Sua mina tem reservas estimadas em 800 milhões de toneladas. Com 60
anos de história, a CBMM é tão discreta que suscitou uma série de
teorias conspiratórias sobre seu principal produto. As teorias estão
mais populares do que nunca — e o nióbio também.
O nióbio foi descoberto em 1801 pelo químico inglês
Charles Hatchett, mas durante mais de um século foi encontrado apenas em
pequenas quantidades. Até que, na década de 50, auge da Guerra Fria, o
governo americano começou uma caça por urânio, usado em reatores
nucleares. Técnicos desembarcaram na região de Araxá, conhecida pelas
águas medicinais, na companhia do geólogo brasileiro Djalma Guimarães.
Não encontraram urânio, mas nióbio, um produto ainda
pouco explorado comercialmente. Alguns elementos com características
semelhantes ao nióbio, como o titânio e o vanádio, já eram usados em
ligas de aço para automóveis. O empresário Walther Moreira Salles,
ex-embaixador do Brasil em Washington, decidiu apostar na novidade, em
sociedade com a mineradora americana Molycorp (que não é mais sócia do
empreendimento).
Em 1955 foi fundada a Companhia Brasileira de
Metalurgia e Mineração para pesquisar o potencial do nióbio de Araxá.
Passar do nióbio diluído no pirocloro para um produto comercialmente
viável exige uma série de etapas industriais que envolvem água, fogo e
fricção. Ao fim do processo, que pode durar de 30 a 70 horas, a CBMM
chega a oito produtos.
O mais comum, responsável por 95% da receita, é o
ferronióbio, com concentração de até 65%, vendido em pó ou em pedras. O
mais exclusivo são os lingotes de nióbio metálico com 99,98% de pureza,
que chegam a custar 500.000 reais a tonelada. São usados em equipamentos
de tomografia ou em aceleradores de partículas por serem grandes
condutores de energia. “Somos uma empresa que se construiu e segue se
desenvolvendo graças a uma tecnologia inovadora, mostrando aos clientes o
potencial do nióbio”, diz o presidente da empresa, Eduardo Ribeiro.

Instalada nas montanhas a 10 quilômetros do centro
de Araxá, a CBMM é uma empresa camarada com os funcionários e clientes. A
rua de entrada de seu complexo industrial — formado, além da mina, por
14 fábricas — é decorada com as bandeiras dos países de onde vêm seus
sócios e clientes. São 61. A primeira da fila é da China, origem da
Citic, conglomerado dono de 15% da companhia, e também país responsável
por 34% das compras.
Depois vêm Japão e Coreia do Sul, grandes
compradores e também sedes de um grupo dono de outros 15%. A última
bandeira é da Noruega, que realizou sua primeira compra recentemente.
Para fazer os maiores compradores se sentir em casa, a CBMM cultivou um
jardim japonês e um chinês com plantas típicas de cada país. A companhia
também convida os visitantes a plantar em sua sede uma árvore típica da
região, como o ipê-amarelo. Tudo para estreitar os laços. “Construímos relações para durar 200 anos”, diz o diretor industrial Rogério Contato.
O complexo industrial tem animais do Cerrado, como
tamanduás e lobos-guarás, e cultivo de espécies nativas. A empresa ainda
reaproveita 97% da água usada no processo industrial e forra suas
barragens com polietileno reforçado para evitar contato dos rejeitos com
o meio ambiente. Em anos bons — e quase todos o são (em 2018, o lucro
foi de 2,8 bilhões de reais) —, os 2.000 funcionários recebem até seis
salários de bônus. A CBMM financia 80% dos estudos de empregados e
dependentes e mantém uma pré-escola no centro de Araxá. Os impostos
pagos respondem por 70% da receita do município de 105.000 habitantes.
Sem risco à frente?
Parece um mundo de fantasia, e é esse o grande risco
da CBMM. Sobram casos de companhias dominantes em seus mercados que
acabaram se acomodando. Entre os exemplos mais famosos estão a
fabricante de máquinas fotográficas Kodak e a de copiadoras Xerox,
atropeladas por novas tecnologias. No caso da CBMM, a ameaça vem em duas
frentes. Primeiro, há cada vez mais descobertas de minas de nióbio
mundo afora. Atualmente, há 85 identificadas, além de outras 200 áreas
com potencial. Apenas três estão em operação. A maior delas é a da CBMM.
Depois vêm a operação da chinesa CMOC, em Catalão,
Goiás, e a da canadense Iam-gold, que, juntas, têm cerca de 20% do
mercado global. Mas há novas áreas com potencial, a começar por uma mina
descoberta na Sibéria com teor de até 7% de nióbio — para a sorte da
CBMM, o mineral está sob grossas camadas de gelo.
Há também uma competição crescente com mineradoras
especializadas em componentes semelhantes ao nióbio. Elas investem para
aproveitar uma corrida por componentes especiais que aumentem a
eficiência de carros, aviões, foguetes, edifícios, pontes. “Ligas
metálicas cada vez mais leves e eficientes são uma necessidade sem
volta. Mas a solução pode vir do nióbio ou de outros materiais”, diz
Luis Azevedo, presidente da Associação Brasileira de Empresas de
Pesquisa Mineral.
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O processo: o complexo da CBMM tem 14 usinas, que levam até 70 horas para produzir o nióbio | Germano Lüders |
Há também uma ameaça que pode vir de dentro. A
Companhia de Desenvolvimento do Estado de Minas Gerais (Codemig) tem
desde 1972 um contrato que lhe dá 40% das reservas e 25% do lucro da
CBMM. O contrato foi renovado em 2002 por 30 anos. Mas, agora, a Codemig
alega que sua parte da mina tem um percentual maior de nióbio e por
isso quer uma fatia maior dos ganhos.
A divisão fica a cargo da Comipa, empresa com
controle dividido entre CBMM e Codemig. Uma empresa terceirizada deve
ser contratada para analisar as reservas. Em nota, a Codemig afirma que
pretende manter a parceria com a CBMM e “preservar essa importante fonte
de receita para o estado”.
Para manter o domínio de mercado, a CBMM está
concluindo um projeto de expansão de 2 bilhões de reais para elevar a
capacidade de produção de 100.000 para 150.000 toneladas por ano. Cerca
de 1.000 trabalhadores estão construindo novos prédios e ampliando
estruturas existentes num esforço que deve durar até o fim de 2021.
Se tudo der certo, a previsão é começar outro ciclo
de expansão, dessa vez para 230.000 toneladas, já em 2023. O crescimento
deve ser puxado pelos negócios mais tradicionais da CBMM. O nióbio da
companhia está presente em 100% dos tubos de óleo e gás do mundo, mas em
apenas 25% dos carros, em 7% do aço inox e em 5% dos aços estruturais.
Aumentar a participação do nióbio na construção
civil é a grande oportunidade à frente. A companhia tem utilizado o
próprio complexo industrial como campo de provas. Para erguer uma das
novas fábricas, encomendou dois projetos, um com aço comum e outro com
adição de nióbio. O projeto com nióbio consome até 17% menos aço,
segundo a CBMM. “A empresa vai precisar continuar encontrando novos usos
a preços competitivos”, diz José Renato Lima, professor na Universidade de São Paulo especialista em mineração.
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A mina em Araxá: 800 milhões de toneladas de nióbio em reservas a 800 metros de profundidade | Germano Lüders |
A CBMM investe cerca de 150 milhões de reais por ano
em tecnologia com o objetivo de encontrar novos usos para o nióbio. Um
dos projetos mais promissores está sendo desenvolvido em parceria com o
conglomerado japonês Toshiba para pesquisar baterias de carros elétricos
que usam uma liga de nióbio com titânio.
Uma fábrica piloto de 7 milhões de dólares está
sendo construída no Japão para incrementar a pesquisa nos próximos
quatro anos. Os testes iniciais mostraram que uma bateria pode ser
carregada em apenas 6 minutos. “Se der certo, seria o começo de uma nova
CBMM”, diz Ricardo Lima, vice-presidente de operações e tecnologia da
companhia. A mineradora também tem uma pesquisa de próteses junto com o
Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo e outra de turbinas de
avião, desenvolvida numa usina piloto na fábrica de Araxá.
O marketing deve ser fundamental nas novas frentes
de crescimento. Enquanto os produtores de vanádio e titânio divulgaram
há décadas ter equipado carros da Ford ou ônibus espaciais para melhorar
sua eficiência, quase ninguém sabe que o nióbio está na lente do
telescópio Huble ou na lâmina dos barbeadores Mach 3. A área de
marketing foi criada há apenas oito meses e deve focar indústrias limpas
e renováveis.
A maior divulgação deve ter também um efeito
secundário — mas importante — para a CBMM. Deve ajudar a derrubar as
constantes teorias conspiratórias em torno da empresa. O nióbio faz, há
duas décadas, parte do imaginário popular brasileiro. Tudo começou com o
eterno candidato a presidente Enéas Carneiro, morto em 2007. Segundo
ele, o nióbio era o metal usado para “construir aviões supersônicos” e
tinha tanto valor que permitiria ao Brasil ter “uma moeda própria”, mas
era “vendido a preço irrisório”.
De acordo com os executivos da CBMM, Enéas ignorava a
baixa concentração do nióbio extraído de Araxá para chegar a contas
potencialmente trilionárias. “Falava-se até que o Canadá, com menos de
10% da produção global, financiava a educação apenas com nióbio”, diz
Eduardo Ribeiro.
Recentemente, o metal virou queridinho de Jair
Bolsonaro, que visitou a fábrica da CBMM há dois anos. Bolsonaro cita o
nióbio constantemente para ressaltar o potencial mineral do Brasil,
inclusive em regiões como a Amazônia. Em viagem ao Japão, em junho,
gravou um vídeo mostrando uma correntinha de nióbio. Para muitos
executivos da CBMM, acostumados a ver o nióbio nos mais diversos
produtos, bijuteria é uma novidade. Mal não faz, claro, mas está longe
de representar o futuro que a companhia tenta construir.
Exame - Por
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