A estratégia do presidente Jair Bolsonaro para criar um partido em tempo recorde
Em crise com o PSL, presidente e aliados tentam viabilizar uma nova sigla para 2020, mas o prazo é muito curto e os obstáculos são grandes
Os casamentos de Jair Bolsonaro com os partidos não costumam
chegar às bodas de madeira (cinco anos) — duram em média 3,8 anos. Ele
está em sua oitava sigla desde que entrou na vida política, em 1988, e
já caminha para uma nova — o que, segundo ele, tem “90% de chances” de
acontecer. Com isso, reforçará a sua condição de presidente recordista
em troca-troca partidário desde a redemocratização, à frente de Fernando
Collor (sete siglas) e Itamar Franco (cinco). “Sou menina bonita sem
namorado”, disse Bolsonaro recentemente, falando sobre a procura por
pretendentes. Para ele, a opção favorita, mas não menos complicada, é a
produção independente: uma legenda completamente nova, que começaria do
zero. Como o prazo para a filiação de candidatos às eleições de 2020
acaba em abril, Bolsonaro entrou em uma verdadeira corrida contra o
tempo.
Na semana passada, o advogado Marcílio Duarte Lima, que já participou
da criação de sete partidos, entre eles o PSL, recebeu a visita de
interlocutores do presidente que lhe pediram um estudo sobre a
viabilidade de tornar real o sonho de uma nova sigla. “Possível é, ainda
mais tratando-se do presidente, que tem uma grande rede de apoiadores,
entre corporações militares e igrejas evangélicas. Mas não é algo para
amadores”, disse. Pelos seus cálculos, com cerca de 200 pessoas
trabalhando em todo o Brasil, em três turnos, para reunir 20 000
assinaturas por dia, ele conseguiria protocolar o processo no Tribunal
Superior Eleitoral em um mês. Seria um feito inédito. Os partidos
criados em tempo mais curto — o PSD e o Solidariedade, este também com a
atuação de Marcílio — demoraram cerca de oito meses. No TSE, o tempo
médio é de três anos.
UM EX-MINISTRO DO TSE… – Admar Gonzaga ajuda bolsonaristas a sair do PSL - (Evaristo Sá/AFP) |
De profissionais, o presidente já se cercou. Um deles é o advogado
Admar Gonzaga, ministro do TSE até abril passado e auxiliar do
ex-ministro Gilberto Kassab na criação do PSD, em 2011. Outro nome
fundamental na empreitada é o da advogada Karina Kufa,
que virou aliada de primeira grandeza de Bolsonaro e seus filhos depois
de ter salvado a candidatura dos parlamentares de São Paulo de
irregularidades administrativas em 2018. Gonzaga e Karina vêm reunindo
argumentos para viabilizar junto à Corte o recolhimento de assinaturas —
a etapa mais demorada — por meio digital, com o uso de redes sociais ou
mecanismos de reconhecimento de face e voz. Para eles, esse modelo,
inédito no Brasil, seria mais seguro que a coleta de assinaturas, que
podem ser falsificadas, e bem mais ágil. “Com a tecnologia, isso poderia
ser feito rapidamente e ainda espalhado pelos territórios, como a lei
prevê. Estamos pensando em fazer até um aplicativo”, diz o deputado
Major Vitor Hugo (PSL-GO), líder do governo na Câmara. Aliados que
acompanham de perto as discussões dizem que na próxima semana o
presidente deve bater o martelo e anunciar seu destino. Se este for a
criação de um partido, os nomes favoritos para batizá-lo serão Partido
da Defesa Nacional ou Conservadores.
A equipe jurídica trabalha também para evitar que Bolsonaro e seus
aliados saiam do PSL de mãos abanando, sem fundo partidário, sem tempo
de TV e rádio e sem mandato. Os juristas apostam em dois caminhos — um
pela expulsão, outro pela justa causa. Os parlamentares já têm na ponta
da língua os argumentos que pretendem dar à Justiça. “O partido não tem
transparência”, afirma o deputado Bibo Nunes (PSL-RS), um dos primeiros a
bater de frente com a direção da sigla. “Eles fizeram convenção às
escondidas, o presidente (Luciano Bivar) foi visitado pela
Polícia Federal… Nós temos mil e um motivos para justificar essa justa
causa. Para mim, sair desse PSL, dinheirista e controlado por um
déspota, é uma verdadeira honra”, completa. Na terça 5, ele e mais
dezoito parlamentares do PSL receberam a notificação do processo de
expulsão, informando que eles têm cinco dias úteis para a defesa.
…CONTRA OUTRO - Henrique Neves tenta manter o fundo do PSL com Bivar - (//TSE) |
A legislação eleitoral deixa claro que o mandato pertence ao partido,
e não ao parlamentar. Além disso, com exceção dos supervotados Eduardo
Bolsonaro e Joice Hasselmann, a maioria foi eleita pelo quociente
eleitoral — ou seja, contaram com votos dados a outros candidatos da
sigla —, e muitos que hoje se queixam da falta de transparência de Bivar
receberam dinheiro do fundo do PSL para promover eventos, caso de
Eduardo Bolsonaro, o que dificultaria a argumentação de que são
perseguidos. Diante disso, uma hipótese aventada é ir até o Supremo para
tentar “ressuscitar” uma lei revogada na reforma eleitoral de 2015 que
autorizava a saída de parlamentares — com mandato, fundo eleitoral e
tudo — quando eles fossem para um partido recém-criado.
Não será fácil. Bivar, que chefia o PSL há mais de vinte anos e
brigou feio com o filho, Sérgio, para trazer Bolsonaro para o partido em
2018, não pretende ceder. Para defender seus interesses, recorreu
também a um ex-ministro do TSE, Henrique Neves — que passou oito anos na
Corte, enquanto Admar ficou seis. Por ironia do destino, Neves foi
relator de resoluções que agora podem ajudar Bolsonaro, como a que
regularizava o recolhimento de assinaturas eletrônicas para a formação
de partidos. Na terça 5, grupos bolsonaristas impulsionaram no Twitter a
hashtag “EuassinoBolsonaro”. Apesar de o assunto ficar entre os mais
comentados, com 40 000 tuítes, o número de assinaturas está longe do
exigido pelo TSE — ao menos 490 000, que devem corresponder a 0,1% dos
votos no Congresso em pelo menos nove estados. Outro obstáculo
considerável é a corrida contra o tempo. O Judiciário entra em recesso
em dezembro e só volta em janeiro. Como se não bastasse, de acordo com
as regras atuais, as assinaturas por meio eletrônico precisam de
certidão digital (500 reais por pessoa). Além disso, há um claro clima
no TSE e no Supremo Tribunal Federal de que o Brasil não necessita de
mais partidos — já há 32.
Para o caso de não conseguir criar um partido, Bolsonaro já tem
outras cartas na mão. Uma delas é ir para legendas em fase avançada de
formação. Os advogados a serviço de Bolsonaro fizeram um levantamento
dos 76 partidos que estão na fila para ser oficializados. Foi descartado
de cara aquele que deve ser homologado mais rápido — o Unidade Popular,
que é de extrema esquerda, defende a reforma agrária e a reestatização
de empresas privadas. As atenções se voltaram para outro que se encontra
prestes a cumprir o rito legal, o Partido Militar Brasileiro (PMB), do
deputado Capitão Augusto, amigo de longa data de Bolsonaro e presidente
da “bancada da bala”. “As portas estão mais que abertas. Bolsonaro já
gravou vídeos pedindo apoio à gente e participou das nossas primeiras
convenções. Agora que o homem está sem casa, estamos correndo para
registrar o partido”, afirma. Na semana passada, o ex-deputado Alberto
Fraga, que também era da “bancada da bala”, procurou Augusto, em nome de
Bolsonaro, para saber em que pé estava a legenda.
Outra alternativa é Bolsonaro ir para partidos já formados, como o
Patriota, com quem ele chegou a flertar antes do PSL, ou o PRTB, do seu
vice Hamilton Mourão. “Eu disse a ele. Isso não faz sentido. Ele sai da
mão do Bivar e vai para a mão do Adilson (Barroso, presidente do Patriota) ou do Levy (Fidelix, presidente do PRTB).
Esses partidos são empresas na mão desses caras. Ninguém vai te dar a
sigla de mão beijada”, diz Fraga. Diante da falta de definição, entraram
na roda outras siglas, como UDN (União Democrática Nacional),
que visa a ressuscitar o partido conservador extinto pela ditadura
militar. O processo está sendo tocado pelo ex-PRP Marcus Alves de Souza.
O relacionamento conflituoso de Bolsonaro com os partidos não é
nenhuma novidade. No PFL, ele não ficou nem um mês, tanto que
parlamentares do atual DEM, sucessor da sigla, não se lembram de que ele
passou por lá. Em comum entre as suas passagens está o fato de que ele
nunca se interessou em ser líder de comissões ou de estruturas
partidárias. Sempre se considerou independente, mais preocupado em
agradar ao seu eleitorado. “Essa característica é da natureza do próprio
bolsonarismo, de querer se manter minoritário e não fazer coligações
com ninguém. Agrada ao seu eleitorado, mas também é um elemento de
incerteza e de isolamento do Planalto. Partidos consolidados se protegem
melhor das circunstâncias políticas e garantem um compromisso atemporal
no exercício do mandato”, analisa Rafael Cortez, cientista político da
consultoria Tendências e professor da PUC-SP. Apesar de a saída de
Bolsonaro do PSL agradar ao seu eleitorado mais aguerrido, ela tende a
criar complicações na construção da estabilidade do seu governo. Basta
lembrar o destino de outro presidente que ficava pulando, sem se
preocupar, de partido em partido: Fernando Collor.
Publicado em VEJA de 13 de novembro de 2019, edição nº 2660
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