COM 1,5 MILHÃO DE HECTARES QUEIMADOS: Pantanal é o alvo do novo desastre ambiental no Brasil
Bioma enfrenta os piores incêndios dos últimos anos, porém, não atrai a mesma visibilidade que as queimadas na Amazônia. Em meio à situação crítica, Bolsonaro libera plantio de cana-de-açúcar em ambas as regiões.
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Ambientalistas falam em 1,5 milhão de hectares queimados no Pantanal |
No
Brasil, novamente um bioma está em chamas. Depois das queimadas de
grande proporção na Amazônia terem chocado o mundo em agosto e setembro,
agora é a vez do Pantanal. A maior planície alagada do planeta está
entregue ao fogo.
Só na região das cidades de Corumbá e Miranda,
no Mato Grosso do Sul, o fogo consumiu, nos últimos dias, uma área de
122 mil hectares, segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais (Inpe). Mas, ao contrário da Amazônia, as queimadas ali estão
longe dos holofotes da mídia.
“Agora, a chuva deu uma amenizada,
diminuindo os incêndios. Mas há regiões onde ainda não choveu que estão
queimando neste momento”, conta Felipe Dias, diretor-executivo da ONG
ambiental Instituto SOS Pantanal, em Campo Grande.
Neste ano, os
incêndios no Pantanal alcançaram cifras nunca antes vistas. O número de
focos de calor (temperatura acima de 47°C) – indícios de queimadas –
aumentaram quase 100% em relação à média dos últimos dez anos. Já são
mais de 8 mil incêndios registrados. O governo do Mato Grosso do Sul
estimou a área total destruída em 1,3 milhão de hectares e decretou
estado de emergência.
Dias trabalha com números ainda maiores. Ele
estima que, desde agosto, o fogo já consumiu 1,5 milhão de hectares.
“Ter incêndios é normal. Mas anormal foi a proporção e a quantidade de
área queimada.” Um dos motivos, segundo o ambientalista, foi a estiagem
extrema deste ano. Em 2018, com as muitas chuvas, muita biomassa se
acumulou no bioma, e esta está queimando agora.
Em
alguns casos, foram raios que causaram incêndios na planície alagada.
“No Pantanal, o fogo é uma coisa que acontece até naturalmente. Há uma
resiliência da própria vegetação a esses incêndios”, relata Dias. “Mas
neste ano, a quantidade foi extremamente fora do contexto.”
O
ambientalista atribui parte dos incêndios à situação nos outros dois
países que fazem parte do bioma. Houve queimadas provenientes de Estados
vizinhos, migrando da Bolívia e do Paraguai para o Pantanal brasileiro.
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Incêndios em países vizinhos, como aqui na Bolívia, se alastraram para Pantanal brasileiro |
“Os
incêndios naturais não acontecem nessa escala”, avalia Carlos Rittl do
Observatório do Clima. “A maior parte deles é fogo colocado por
fazendeiros ou decorrente de outras ações humanas, e faz meses que o
Pantanal enfrenta incêndios em maior número. Mas isso tem menos
visibilidade do que na Amazônia. Só que a situação é muito, muito grave
agora”, acrescenta.
Rittl atribui a falta de visibilidade do
Pantanal às enormes dimensões da Amazônia. Por essa região ter uma
biodiversidade maior, como também mais desmatamento e mais incêndios, a
Amazônia costuma se tornar sempre manchete.
A falta de
visibilidade não só atinge a cobertura da imprensa, mas, também, as
ações do governo, avalia Dias. “O governo não está muito preocupado. O
Pantanal é uma região que poucas pessoas conhecem e acaba se dando menos
valor a esse ambiente. A reação do governo federal aos incêndios foi um
pouco demorada. É preciso ainda uma política de controle preventivo, e o
governo deveria contribuir com isso.”
Rittl concorda que o grande
número de queimadas tem relação com o atual governo. “É reflexo do
discurso de tolerância perante crimes, e que a legislação seria mudada,
que um incêndio ilegal não será punido. A cada hora, o presidente Jair
Bolsonaro e o ministro do meio ambiente, Ricardo Salles, estão se
encontrando com aqueles que cometem crimes ambientais, seja na Amazônia,
seja no garimpo, e sempre criam expectativa de que aquilo que é ilegal
vai ser legalizado. Existe essa impressão de que este governo permitirá
tudo”, aponta.
Pantanal e Amazônia
Enquanto
o Pantanal vive momentos de muita apreensão devido ao grande número de
incêndios, a situação na Amazônia se acalmou. Entre os dias 24 de agosto
e 24 de outubro, cerca de dez mil militares combateram os incêndios na
Região Amazônica. A ação contribuiu para a queda nos atuais números de
queimadas.
“Na Amazônia, a situação mudou quando se tornou um
escândalo internacional e passou a virar notícia ruim para o agronegócio
no Brasil”, lembra Rittl. “Foi também nesse momento que o governo
resolveu mandar as forças militares para combater os incêndios. Isso não
aconteceu no Pantanal.” Segundo o pesquisador, a menor visibilidade do
bioma contribui para que as pessoas se sintam à vontade para colocar
fogo e cometer crimes.
Para Dias, o bioma merecia um esforço maior
de preservação. “O Pantanal é um ambiente singular, extremamente
diferente de tudo, com uma biodiversidade menor que a da Amazônia, mas
com um diferencial: na Amazônia, os animais não são facilmente visíveis
como no Pantanal. O potencial para o turismo é extremamente grande.”
O Pantanal ainda é um paraíso natural, conclui Dias, apontando que 83% da vegetação nativa está preservada.
Mas
esse ambiente poderá sofrer grandes transformações em breve. “Haverá
mudanças na legislação de zoneamento agroecológico para cana-de-açúcar
no Brasil, que afetarão também o Pantanal. Além disso, a pecuária é
outro vetor importante do desenvolvimento econômico na região”, alerta
Rittl.
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Liberação do plantio de cana-de-açúcar é outra ameaça para o Pantanal |
As
mudanças mencionadas por Rittl foram alavancadas nesta semana por
Bolsonaro. Na última quarta-feira (06/11), o presidente revogou o
decreto que proibia o cultivo da cana-de-açúcar em áreas sensíveis do
país, como a Amazônia e o Pantanal.
O
decreto havia sido aprovado em setembro de 2009, durante o governo do
então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, com o intuito de
regulamentar a expansão sem controle do cultivo da cana de açúcar para
produção de etanol em áreas de vegetação nativa.
A iniciativa de
Bolsonaro foi condenada pelo ex-ministro do Meio Ambiente Carlos Minc,
um dos iniciadores do decreto. Segundo ele, a decisão do presidente
“mancha” a imagem do etanol no mercado mundial.
“O decreto que
[Bolsonaro] revogou foi a maior vitória que obtive no Ministério do Meio
Ambiente em defesa do Pantanal e da Amazônia contra a expansão
descontrolada da cana de açúcar. É incrível!!!”, escreveu o ex-ministro
em sua conta no Twitter.
Fonte: DW - Créditos: Deutsche Welle - Publicado por: Ivyna Souto
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