Moradores de rua criam ‘puxadinhos’ com direito a tv e ‘ambientes divididos’ no Rio de Janeiro
Início
da manhã e um grupo de cinco pessoas conversa entre si. Enquanto uns
fazem suas refeições, outros assistem deitados a programação na TV de
tubo conectada a uma ligação clandestina feita direto de um poste da
rua. Esta cena aconteceu embaixo do viaduto de Laranjeiras, no acesso
ao túnel Santa Bárbara, que abriga um grupo de moradores em situação de
rua.
Do
outro lado da calçada, parte do que sobrou de uma pracinha sob do
viaduto, virou móvel dos moradores. Mais a frente, entre colchonetes e
carrinhos de compras onde eles guardam garrafas de água e roupas, uma
lona no chão com livros e Cd’s usados a venda.
Um homem do grupo
se aproxima e conta que o espaço é sua moradia há mais de 20 anos. É
Neimar, que segundo ele, é figura conhecida da região.
— Vivo aqui
há anos e todo mundo me conhece. Os moradores quando precisam retirar
entulho ou despejar qualquer material, me chamam, e assim eu vou tirando
uma grana. Eu não quero ir para um abrigo. Ainda mais que aqui é
seguro, já que uma viatura da PM fica baseada aqui a noite toda,
desabafou.
Perguntado como foi parar nas ruas, Neimar preferiu não entrar em detalhes.
— Eu sempre trabalhei em Laranjeiras. De uns anos para cá é desse jeito que te contei, mas ainda é trabalho, concluiu.
Circulando
pela região central da cidade é possível observar outros “puxadinhos”
feitos por moradores em situação de rua. Na Avenida Almirante Barroso,
no Centro, três homens tomavam banho de mangueira no meio da pista. No
fundo foi possível observar lonas na calçada.
Ainda na região
central, na Praça Virgílio de Melo Franco, próximo ao aeroporto Santos
Dumont, moradores de rua que montaram uma estrutura no local onde vivem.
Em uma das lonas foi possível observar a divisão de “ambientes”, com
poltrona e papelão para fazer a divisória.
No aterro do Flamengo,
embaixo de uma lona improvisada, vivem a capixaba, e ex-doméstica,
Márcia Regina Soares, e o seu companheiro Fabrício, que sustenta o casal
com trocados que ganha atuando informalmente como guardador de carros.
Márcia foi casada anteriormente e morava no Espírito Santo com o meu
ex-marido. Após um abriga com a ex-sogra, a ex-doméstica decidiu vir
para o Rio.
—
Deixei dois filhos lá. Aqui no Rio tive outro que hoje está com 13
anos, e não sei mais onde mora porque o entreguei ainda bebê a uma
família. Eu tinha problemas com álcool e não podia cuidar dele,
desabafou.
Antes de ir para as rua, há 3 meses, Márcia morava de
aluguel numa casa na Praça da Bandeira, perto do seu último trabalho.
Mas segundo ela, abandonou o emprego por problemas com a ex-patroa.
Márcia, assim como outros moradores em situação de rua, enfrenta
dificuldade em conseguir emprego por falta de documentos. A mulher conta
que teve seus pertences roubados enquanto dormia.
— Cansei de ser
humilhada pela minha ex-patroa e resolvi largar o emprego. Decidi vir
para a rua e conheci o Fabrício. Meu único arrependimento foi ter vindo
para o Rio de Janeiro. Talvez, se eu tivesse continuado na minha terra,
não estaria hoje nessa situação. Hoje nem meus documentos eu tenho,
roubaram tudo enquanto eu dormia, lamentou.
Em Botafogo, embaixo
do viaduto da Avenida Pasteur, próximo à entrada do túnel que liga
Botafogo a Copacabana, vivem Natália Nunes da Costa, seu companheiro
Gilson Silva, além de nove cachorros e oito gatos. Em 2011, ela saiu de
Petrópolis, onde morava com a mãe e os irmãos, para morar no Rio após
receber uma proposta de emprego. Não conseguiu a vaga e não retornou
para sua cidade-natal, passando a morar na rua, onde conheceu Gilson.
Seu sustento vem com o dinheiro que consegue por meio da reciclagem.
Em
janeiro deste ano, o casal passou a ocupar o prédio histórico do
Automóvel Clube do Brasil, na Rua do Passeio, no Centro. Mas o espaço
foi interditado pela prefeitura em setembro e os dois retornaram ás
ruas.
—
A prefeitura nos tirou de lá (Automóvel Clube) sem nos dar o direito de
tirar nada: perdemos colchão, roupas e nossos objetos. Nos deixaram só
com a roupa do corpo. Minha família sabe que estou na rua mas, se eu
voltar para lá desempregada, vou mais atrapalhar do que ajudar, pois
minha mãe já é doente e meus irmãos já têm os problemas deles, lamenta
Natália.
No espaço onde o casal vive é guardado os pertences que
juntaram desde que perderam tudo: dois carrinhos de supermercado com
roupas, comida, e ração para os bichos; caixas de madeira, galões de
água, travesseiros, lençóis e sacos de pão.
Ainda em Botafogo, na
passagem subterrânea que cruza a Avenida das Nações Unidas, em frente à
churrascaria Fogo de Chão, Rogério Dias, de 27 anos, é outra vítima da
falta de oportunidades. O mineiro de Muriaé contou que está no Rio há
sete meses: veio somente com a roupa do corpo. Atualmente, sobrevive de
esmolas.
—
Trabalhava como servente até novembro de 2018, morando de aluguel. Fui
demitido e comecei a vender minhas coisas para conseguir sobreviver.
Chegou um momento em que não me restou quase nada, então paguei uma
passagem para o Rio para tentar a sorte, mas não deu certo e vim para as
ruas, contou Rogério, que sofre de depressão e passou a consumir
cocaína em dezembro do ano passado.
O casal carioca Alessandra
Ribeiro e Anderson Oliveira, respectivamente de 44 e 42 anos, estão nas
ruas há quase oito meses. Os dois já trabalharam de carteira assinada,
mas hoje vivem embaixo do viaduto da Avenida Chile, no Centro do Rio.
Até abril, Anderson morava em Costa Barros e trabalhava como vendedor
ambulante, mas as vendas fracas o impediram de continuar na função.
Alessandra,
fluente em inglês, morava de aluguel no Rio Comprido. Demitida do
último emprego no início de maio deste ano, precisou ir para as ruas,
onde conheceu Anderson. Está grávida de sete meses, e por isso, Rogério
continua a procurar emprego.
— Tomo banho todos os dias num poço
de água limpa de reúso e escovo os dentes diariamente na Catedral.
Preciso manter a boa aparência, cabelo cortado e barba feita para poder
conseguir emprego.
Na última quarta-feira, o GLOBO publicou a
história de vida de Carmem, que transformou um ponto de ônibus, em
Cascadura, na Zona Norte da cidade, em sua casa. O quartinho, com
direito a cama, cômoda e poltrona, foi desfeito pela prefeitura no mesmo
dia; e Carmen foi encaminhada a um abrigo municipal.
Levantamento
feito em 2016 pela prefeitura indica que, naquele ano, havia cerca de
15 mil moradores em situação de rua na cidade para apenas 2,3 mil vagas
em abrigos. Mas, de acordo com o Núcleo de Direitos Humanos da
Defensoria Pública do Estado do Rio, o cadastro do Sistema Único de
Assistência Social (SUAS), monitorado pela Secretaria Nacional de
Assistência Social, indica que esse número, hoje, pode ser ainda maior.
A
Defensoria afirma que só será possível saber o quadro real de moradores
em situação de rua no Rio de Janeiro quando a prefeitura realizar um
Censo junto a essa população. A Secretaria Municipal de Assistência
Social e Direitos Humanos informa que o Censo será realizado em conjunto
com Instituto Pereira Passos (IPP). Sobre a retirada das pessoas no
caso do prédio do Automóvel Clube, a Secretaria informou que “havia um
grupo de pessoas que recusou o atendimento pela Assistência Social,
saindo espontaneamente do local”.
Fonte: Extra - Publicado por: Gerlane Neto
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