No Supremo Tribunal Federal, relator vota contra prisão de condenados em segunda instância
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O plenário do Supremo Tribunal Federal - Foto: Jorge William / Agência O Globo/27-06-2019 |
Para
Marco Aurélio, a prisão sem trânsito em julgado só deve ser permitida
nos casos previstos pelo artigo 312 do Código de Processo Penal (CPP),
que diz: “A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da
ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução
criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver
prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
—
Indaga-se: perdida a liberdade, vindo o título condenatório e
provisório, porque ainda sujeito a modificação por meio de recurso, a
ser alterado, transmudando-se condenação em absolvição, a liberdade será
devolvida ao cidadão, àquele que surge como inocente? A resposta é
negativa — disse Marco Aurélio, repetindo voto que já deu no passado.
Entre
2009 e 2016, prevaleceu no STF o entendimento de que a prisão não pode
ocorrer já na segunda instância. Em 2016, porém, houve mudança de
orientação. Em três julgamentos na época, inclusive uma liminar de ações
julgadas agora, a maioria entendeu que era possível a execução da pena
após condenação em segunda instância. Mas, sem um julgamento definitivo
sobre isso, o que está ocorrendo só agora, alguns ministros do STF não
seguiam a orientação majoritária, mandando soltar condenados nessa
situação. Um deles era o próprio Marco Aurélio.
— Em
época de crise, impõe-se observar princípios, impõe-se a resistência
democrática, a resistência republicana — afirmou Marco Aurélio.
Sem espaço para o meio-termo
Ele
também foi contra uma eventual decisão que opte pelo meio-termo:
execução da pena após análise do caso pelo Superior Tribunal de Justiça
(STJ), que funcionaria como uma terceira instância.
— Uma coisa é ou não é, não havendo espaço para o meio termo — disse o relator.
Marco Aurélio também citou a situação dos presídios, já superlotados:
—
O problema adquire envergadura maior quando considerada a superlotação
dos presídios. Constatou-se o exorbitante número de cidadãos recolhidos
provisoriamente, a salientar a malversação do instituto da custódia
cautelar e, consequentemente, a inobservância do princípio da não
culpabilidade. Inverte-se a ordem natural para prender e, depois,
investigar. Conduz-se o processo criminal com automatismo incompatível
com a seriedade do direito de ir e vir dos cidadãos.
Atrito antes da votação
Antes
do voto, houve um desentendimento entre o relator e o ministro Luiz
Fux, que é favorável à prisão em segunda instância. Fux se dirigiu ao
atual procurador-geral da República, Augusto Aras, que assumiu o cargo
no mês passado. E levantou uma questão que poderia impedir o julgamento
das ações.
— O procurador anterior suscitou uma questão preliminar
sobre a impossibilidade jurídica de uma modificação de jurisprudência
em espaço de tempo diminuto. Agora, o procurador, na sua última fala,
antes de apontar o mérito, suscita essa questão preliminar — disse Fux.
— Precisamos abrir o embrulho. A meu ver, a colocação do colega é inusitada — respondeu Marco Aurélio.
O
ministro Gilmar Mendes, que já foi favorável à prisão após condenação
em segunda instância, mas mudou de lado, apoiou Marco Aurélio:
— Foi julgada a liminar (em 2016), e agora se julga o mérito. Só isso.
— A colocação foi feita pelo Ministério Público. Está nos autos — rebateu Fux.
O
presidente do STF, Dias Toffoli, então decidiu que Marco Aurélio leria
seu voto e, depois disso, outras questões poderiam ser levantadas. Isso
não impediu o relator de reclamar novamente de Fux.
— Daqui a pouco completarei 30 anos no Supremo e ainda sou surpreendido por algumas colocações — disse Marco Aurélio.
Sustentações orais
A
sessão desta quarta-feira começou com a sustentação oral de dois
advogados interessados na causa. Na sequência, falaram o advogado-geral
da União, André Mendonça, e o procurador-geral da República, Augusto
Aras. Logo apos, deu-se início aos votos dos onze ministros do STF. Nos
bastidores, alguns ministros haviam combinado de dar votos curtos, em
comparação aos padrões recentes do plenário.
Em sustentação oral
no plenário, o procurador-geral da República, Augusto Aras, defendeu a
prisão de réus condenados em segunda instância.
— Em tempos de
polarização, de defesa dos extremos, é preciso buscar nos princípios dos
efeitos integrados e da harmonização, há situações intermediárias que
não podem ser desconsideradas. É preciso buscar uma solução que favoreça
a integração social e a unidade política, bem como o equilíbrio e a
temperança dos valores sopesados na Cara da República — disse Aras.
Segundo
o procurador-geral, com a condenação definida pela primeira instância
e, depois, confirmada em segunda instância, garante-se o duplo grau de
jurisdição, “opção em consonância com a maioria dos países
democráticos”. Ele explicou também que os tribunais superiores examinam
apenas teses jurídicas, e não provas de processos específicos —
portanto, as chances de reverter a condenação seriam mínimas.
Aras
ainda defendeu que as penas de criminosos sejam cumpridas logo em
seguida do crime praticado, em respeito às vítimas e à sociedade. Ele
ainda refutou o argumento de que, com as prisões de segunda instância,
as prisões ficam cada dia mais lotadas. Para resolver o problema, o
procurador-geral sugeriu a adoção de medidas cautelares – como, por
exemplo, o uso de tornozeleira eletrônica em réus de baixa
periculosidade
Por fim, Aras recomendou que o STF não mude a
jurisprudência que recomenda a prisão em segunda instância, firmada em
2016. Para ele, uma mudança nessa orientação em tão pouco tempo geraria
insegurança jurídica.
Antes da fala de Aras, o ministro da
Advocacia-Geral da União (AGU), André Mendonça, defendeu a possibilidade
de prisão após condenação em segunda instância. Ele afirmou que todo
direito — como o de que ninguém será considerado culpado até o trânsito
em julgado — têm seus próprios limites.
— Se temos liberdade de
expressão, também temos o dever de não ofender o outro. Essa liberdade é
limitada. Se temos liberdade de ir e vir, não podemos obstruir o
direito de ir e vir do outro — comparou Mendonça.
Ele citou casos
de outros países e que é possível prender já na segunda instância e
afirmou que é preciso também pensar nos direitos individuais das
vítimas.
— Eu preciso pensar no direito individual das vítimas.
Quem defende o direito individual das vítimas? Quem defende o direito de
ir e vir das vítimas, o direito à vida das vítimas, o direito dela sair
do trabalho e ir com segurança no transporte público, saber que seu
filho foi com segurança à escola? Eu vi várias defesas de direitos
individuais. Não vi defesa de direito das vítimas. Quem defende as
viúvas, os órfãos, fruto de uma violência praticada por outros, que
também têm seus direitos individuais, mas não respeitam o princípio da
reciprocidade — disse Mendonça.
VEJA QUEM PODE OU NÃO SER BENEFICIADO EM JULGAMENTO SOBRE PRISÃO APÓS 2ª INSTÂNCIA
Lula
O ex-presidente Lula foi condenado em dois processos da Lava-Jato, mas apenas um já teve condenação em segunda instância, o do tríplex do Guarujá. O petista também já teve a condenação confirmada nesse caso pelo STJ. Caso o STF entenda que a prisão só pode ocorrer após o fim do processo, ele pode ser solto.
O ex-presidente Lula foi condenado em dois processos da Lava-Jato, mas apenas um já teve condenação em segunda instância, o do tríplex do Guarujá. O petista também já teve a condenação confirmada nesse caso pelo STJ. Caso o STF entenda que a prisão só pode ocorrer após o fim do processo, ele pode ser solto.
— Até quinta-feira concluímos — apostou outro ministro do STF, que preferiu não se identificar.
Fonte: O Globo - Créditos: André de Souza e Carolina Brigido - Publicado por: Ivyna Souto
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