CPI de Brumadinho pede indiciamento de ex-presidente da Vale e mais 21 por homicídio doloso
O
relatório final da CPI de Brumadinho da Câmara dos Deputados pede o
indiciamento por homicídio doloso e lesão corporal dolosa — quando há
intenção de cometer esses crimes — de 22 diretores da Vale, engenheiros e
terceirizados, incluindo o ex-presidente da mineradora,
Fabio Schvartsman, em virtude do rompimento da barragem do Córrego do
Feijão, em Brumadinho (MG).
Ocorrido
em 25 de janeiro passado, o rompimento matou 252 pessoas e deixou
outras 18 desaparecidas, além de provocar destruição ambiental e a
contaminação do rio Paraopeba.
O relatório também pede
o indiciamento da Vale e da Tüv Süd Bureau de Projetos e Consultoria
Ltda por inúmeros crimes ambientais. O documento diz que Schvartsman,
que deixou o cargo em meio ao escândalo do rompimento, “tinha plena
ciência da necessidade de se adotar medidas urgentes para o aumento da
segurança nas barragens situadas na zona de atenção”.
O documento
de 595 páginas assinado pelo relator, Rogério Correia (PT-MG), foi
protocolado neste final de semana na Câmara dos Deputados e deverá ser
analisado e votado em sessão da CPI marcada para terça-feira (29), em
Brasília. O relatório poderá ser modificado ou aprovado na íntegra pelos
outros parlamentares. Os indiciamentos propostos pelas CPIs são
conclusões do Parlamento, mas dependem de Ministério Público e
Judiciário para terem consequência penal, em processos a serem abertos
ou já em andamento.
A CPI foi criada na Câmara em 14 de março
passado por ato do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e sob a
presidência do deputado Júlio Delgado (PSB-MG). Ela foi instalada em 25
de abril e realizou 23 reuniões. O rompimento também já foi alvo de
outras quatros CPIs: no Senado, na Assembleia Legislativa de Minas
Gerais e nas Câmaras de Vereadores de Belo Horizonte de Brumadinho.
O
relatório final descreve medidas que a Vale deveria ter tomado e não
tomou para evitar o rompimento e o alto número de mortos e
desaparecidos, como agir a respeito da “crucial característica da Mina
Córrego do Feijão —que salta aos olhos de qualquer pessoa— é que o
refeitório e a área administrativa, entre outras estruturas, estavam
localizados pouco mais de 1 km” da barragem que se rompeu. Nas
dependências administrativas da mina morreu a maioria dos seus
empregados no rompimento de janeiro.
“Nos
17 anos seguintes à aquisição [da mina] da Ferteco, a Vale,
simplesmente, não se preocupou em relocar tais estruturas para sítio
mais seguro, mesmo com seguidos indícios de que a saúde da barragem B1
não ia bem”, diz o relatório final.
O documento diz que diversos
depoimentos prestados à CPI demonstraram que “desde 2017, pelo menos, já
se sabia que o fator de segurança da barragem estava abaixo de 1,3,
valor recomendado internacionalmente, habitualmente aceito pela Vale e
considerado seguro para condições não drenadas”. Segundo o relatório, os
estudos de uma empresa contratada pela Vale “demonstraram valores do
fator de segurança da [barragem] B1 em torno de 1,06, mesmo quando se
utilizavam diferentes metodologias de cálculo”.
O relatório também
ressalta que “as sirenes localizadas na região da Pousada Nova Estância
e do Parque da Cachoeira tampouco foram afetadas pela avalanche de lama
e poderiam ter salvado muitas vidas, caso tivessem sido acionadas”.
O
documento analisa o longo processo que ocorreu até o rompimento da
barragem, pontuando momentos em que a Vale soube ou foi informada sobre
problemas que deveriam ter feito acender a luz vermelha da empresa.
“Falhas
que levam à ruptura em estruturas geotécnicas, salvo em casos de
eventos catastróficos, como os terremotos, por exemplo, não acontecem
repentinamente. Pelo contrário, elas vêm se desenhando ao cabo de um
período de tempo considerável e dão sinais de que poderão vir a
acontecer, caso medidas preventivas ou remediadoras não sejam efetivadas
a tempo. Essas falhas são influenciadas por uma série de fatores que
incluem desde a localização da estrutura, a concepção de seu projeto
(design), sua construção, sua operação, seu monitoramento e sua
desativação ou descomissionamento”, diz o relatório final.
Para
o relator, “cai por terra o argumento da Vale” de que a barragem era
“bem instrumentada e bem monitorada”. “Embora essa barragem fosse dotada
de uma quantidade significativa de instrumentos de auscultação, estes
não estavam adequadamente posicionados e nem cobriam as multicamadas do
rejeito; tanto é que foi indicado que novos piezômetros multiníveis
[medidores] deveriam ser instalados. É verdadeiramente alarmante que,
diante de tamanhas incertezas relativas à barragem B1, as quais foram
apresentadas ao longo deste relatório, a estabilidade da estrutura tenha
sido declarada”, diz o documento.
O relatório final também
questiona o modo pelo qual a Vale conseguiu a licença ambiental para
operar o aproveitamento de rejeito da barragem do Córrego do Feijão.
Segundo o documento, a licença “foi emitida sem que a empresa tivesse
detalhado todo o projeto de descomissionamento e baseada em um EIA
[Estudo de Impacto Ambiental] defasado, de 2014, que não continha as
informações atuais da barragem e do projeto de descomissionamento da
estrutura que englobava a retirada de rejeito”. Para o relator, a
empresa “conduziu o licenciamento ambiental do projeto de expansão das
Minas Córrego do Feijão e Jangada de forma fraudulenta, o que é
tipificado como crime ambiental”.
OUTRO LADO
Procurada
pela Folha, a Vale disse que não teve acesso ao relatório final da CPI.
“A empresa considera fundamental que haja uma conclusão pericial,
técnica e científica sobre as causas do rompimento da barragem B1 antes
que sejam apontadas responsabilidades. A Vale e seus empregados
permanecerão colaborando ativamente com todas as autoridades competentes
e com os órgãos que apuram as circunstâncias do rompimento”, informou a
empresa.
O
ex-presidente Fabio Schvartsman obteve uma decisão do STF (Supremo
Tribunal Federal) e não compareceu para depor à CPI, sob o argumento de
que já havia dado explicações à Câmara, em outro momento. Votaram para
permitir o não comparecimento de Schvartsman os ministros Gilmar Mendes,
relator do caso, e Celso de Mello. Segundo o relatório final, “ao
prestar declarações à Polícia Civil de Minas Gerais, o ex-presidente da
Vale alegou que não tinha conhecimento de nenhuma anomalia na estrutura
da barragem B1. Atribuiu responsabilidade a seus subordinados e à
[consultoria] Tüv Süd, asseverando, ainda, que qualquer pessoa que
tivesse ciência de eventuais anomalias deveria reportar o problema”.
Fonte: Folha de S.Paulo - Publicado por: Gerlane Neto
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