sábado, 24 de agosto de 2019

Carta-testamento de Getúlio Vargas

EM CARTA-TESTAMENTO, GETÚLIO VARGAS TERIA ESCRITO QUE SAÍA DA VIDA PARA ENTRAR NA HISTÓRIA

FLB-AP/Bruno Ribeiro
A volta de Vargas
Getúlio Vargas havia voltado ao poder em 1951, após vencer as eleições no ano anterior – ele havia governado o país de 1930 a 1945. Dessa vez, o presidente deveria governar o país pelas vias democráticas, não mais por meio de uma ditadura como a que caracterizou seu Estado Novo. No entanto, logo percebeu que seria um mandato mais duro, já que enfrentava a oposição por parte do Congresso Nacional e do setor empresarial, que criticava sua postura nacionalista.
Por isso, sua estratégia foi tentar agradar a todos os setores, de liberais a nacionalistas. No entanto, era quase impossível ter uma aprovação geral. Isso fez com que Vargas sofresse muitas críticas e fosse pressionado a mudar sua maneira de governar.
Diante da enorme pressão de todos os setores, Getúlio se via cada vez mais acuado, e qualquer decisão parecia arriscada. A renúncia mancharia sua carreira política e dificilmente ele conseguiria voltar ao poder se tentasse. Por isso, é quase unânime a ideia de que Vargas planejou sua própria morte, tanto que ele já havia escrito uma carta-testamento, que foi encontrada em seu quarto no dia da morte.
Pijama e arma de Vargas
O pijama e o revólver usados por Vargas no dia de sua morte expostos no Museu da República - Foto: Wikimedia Commons
Versão oficial
No início da manhã de 24 de agosto de 1954, Getúlio Vargas estava em seu quarto no Palácio do Catete, localizado na cidade do Rio de Janeiro, então sede do Governo Federal. Assim que um estampido foi ouvido, vários assessores correram em direção ao aposento, onde encontraram o presidente ainda vivo. No entanto, o ferimento foi fatal, levando Vargas à morte momentos depois.
A Carta-testamento de Getúlio Vargas foi escrita horas antes do suicídio, em 24 de agosto de 1954, e é dirigida ao povo brasileiro. Foi lida, durante seu enterro, pelo político petebista João Goulart.
Há controvérsias quanto a autoria, mas nunca conseguiu-se provar quem realmente teria escrito se não o próprio Vargas.
Nela, Vargas deixa as marcas de seu legado na história política brasileira, fala que sempre trabalhou em prol da população e que tudo fez para o bem do povo: “"Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.”
Dentro do contexto que levou ao suicídio, Vargas, através desta carta consegue reverter a situação que havia se abatido contra ele e seu governo. Bastou a leitura da carta-testamento deixada por Vargas para que a população tomasse as ruas para protestar contra os inimigos do “pai dos pobres”. Houve quebra-quebras e incêndios em sedes de jornais contrários a Vargas.
Diante da crise política, da falta de apoio o Congresso, das acusações feitas pelos adversários, que culminaram com a sua morte, esta carta fez com que a velha imagem do político populista fosse reacendida e, mais uma vez, a situação se torna favorável a ele, mesmo depois de morto.
A seguir, versão datilografada da carta-testamento de Getúlio Vargas:
]Mais uma vez, as forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.
Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.
Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.
"Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.
"Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.
"E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte.
Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.
 Getulio Vargas em 1930
Foto: Wikimedia Commons

Arquivado em: Era Vargas

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