Em 1942, nascia em Volta Redonda o ‘Anjo Negro’, personagem que mudaria a História do Brasil
Morte de Getúlio Vargas faz 65 anos, neste sábado, dia 24 de agosto, em uma trama que envolveu o chefe da sua segurança, Gregório Fortunato, cujo apelido ‘Anjo Negro’ e o poder que deteve nasceram de um episódio em Volta Redonda
Um raio de luz incidiu sobre o metal polido de um revólver naquele
dia desconhecido de agosto de 1942, em algum ponto de Volta Redonda. O
ângulo de incidência do raio, coincidentemente, o refletiu diretamente
para os olhos ativos de um negro corpulento que estava em um palanque.
Rapidamente ele concluiu que um homem com chapéu de feltro de onde vinha
o reflexo estava sacando um revólver e que o alvo era a principal
figura que se encontrava no palanque: Getúlio Vargas, presidente da
República.
O tiro ecoou depois da bala ter saído do cano do revólver, em direção
a Vargas. Mas, antes mesmo que o som chegasse ao palanque, aquele homem
atento saltou como um corisco à frente do presidente e, usando o ombro
como escudo, levou o tiro que poderia ter matado Getúlio e mudado toda a
história que hoje conhecemos.
O nome do salvador de Vargas era Gregório Fortunato, seu
guarda-costas. O tiro o feriu, mas não o matou. Nascido em São Borja, no
Rio Grande do Sul, Fortunato até então era tratado apenas pelo apelido
de Nego. Mas, por seu ato heroico em Volta Redonda, ganhou do próprio
Getúlio um novo apelido: Anjo Negro.
Mais do que um apelido, Anjo Negro foi uma espécie de título
conquistado em Volta Redonda. Rendeu a Gregório Fortunato uma posição
inédita e privilegiada na República: ele passaria a ser o guardião de
Getúlio Vargas. Quase ninguém tinha aceso ao presidente sem antes passar
pelo Anjo Negro.
Esta história, tão pouco conhecida no Brasil, seria determinante para
o futuro. Em agosto de 1954 uma ação atribuída ao comando do Anjo Negro
– que foi o atentado contra Carlos Lacerda – abriria uma crise na
República e levaria Getúlio Vargas ao ato final de suicidar-se com um
tiro no peito.
Por uma ação do Anjo Negro, Getúlio sobreviveu a um tiro; por outra ação do mesmo personagem, Getúlio atirou em si mesmo.
Doze anos separaram os dois eventos que mudariam para sempre a História do Brasil.
O ‘Anjo da Fidelidade’
O episódio de Volta Redonda é tão pouco conhecido quanto a própria
vida e mesmo as causas da morte de Gregório Fortunato. Tanto que não se
sabe o dia exato do atentado. Era um momento em que outros assuntos
dominavam a pauta: a CSN começava a ser construída do nada e o Brasil
preparava sua entrada na II Guerra Mundial.
Na verdade um dos raros livros que se aprofundou na história de Gregório
Fortunato foi “O Anjo da Fidelidade – A História Sincera de Gregório
Fortunato”, lançado em 2000 pelo já falecido jornalista e escritor José
Loureiro. No livro, Loureiro disseca a história do Anjo Negro.
Fortunato era filho de um escravo alforriado, tinha cerca de 2 metros de
altura e foi criado em São Borja, no Rio Grande do Sul, à sombra dos
irmãos Vargas, em especial Benjamim Vargas – irmão mais novo de Getúlio –
também conhecido por Beijo.
Em 1937, Beijo montou uma Guarda Presidencial de homens de sua confiança
depois que opositores integralistas tentaram invadir o Palácio da
Guanabara para atacar Getúlio Vargas. Os guarda-costas não eram
funcionários do governo: eram pagos por “doações” de empresas que eram
depositadas na conta de “Beijo”.
O principal nome da Guarda Presidencial era, claro, Gregório Fortunato,
cujo poder crescia a cada dia. Empresários de todo o país rendiam
favores e reverências ao Anjo Negro, sabendo que ele era via de acesso
fácil não só a favores do governo quanto ao próprio presidente.
No segundo governo de Vargas – quando a ditadura já havia sido abolida –
o presidente encontrou pela frente um inimigo antigo, porém agora mais
mortal: o político e jornalista Carlos Lacerda, dono do jornal Tribuna
da Imprensa.
A oposição de Lacerda a Getúlio começou no Estado Novo, quando este
acabou renunciando em 1945, após uma ditadura de 15 anos. Assim que
Vargas voltou ao poder, eleito em 1951, encontrou Carlos Lacerda ainda
mais forte e mais combativo.
Em 1954, a cúpula no entorno de Vargas teria decidido dar um fim literal
a Carlos Lacerda, segundo os historiadores. Era a hora de alguém se
encarregar do trabalho sujo. Este alguém era o Anjo Negro.
O ‘Corvo’ que veio de Vassouras
Carlos Lacerda tinha um apelido pouco carinhoso dado pelos seus
adversários getulistas: o “Corvo”. Apelido lançado pelo jornalista
Samuel Wainer, dono do jornal “Última Hora” e aliado de Getúlio Vargas.
Lacerda não se incomodou com o apelido. Na verdade o encampou e usou a
figura do corvo em uma de suas campanhas.
Neste ponto, mais um personagem se liga à região Sul Fluminense: Lacerda
é natural de Vassouras. Seu pai, Maurício de Lacerda, foi quatro vezes
prefeito de Vassouras e era membro do Partido Comunista Brasileiro(
PCB). Seu avô, Sebastião de Lacerda, foi ministro do Supremo Tribunal
Federal e também era de Vassouras – cidade que tem inclusive um distrito
que leva o seu nome.
A exemplo do pai, Carlos Lacerda começou no Partido Comunista
Brasileiro. Era um revolucionário. Devemos a ele a existência da memória
do líder negro Manoel Congo, que comandou uma rebelião de escravos em
Vassouras no passado e hoje possui um memorial na cidade. Manoel Congo,
por sua rebelião, acabou sendo sentenciado à morte pela forca em
Vassouras.
Provavelmente a história de Manoel Congo e seu quilombo teriam se
perdido se o jovem Carlos Lacerda não tivesse escrito, sob o pseudônimo
de “Marcos”, um livreto retratando o líder da rebelião dos escravos.
Em 1939 renunciou ao comunismo e deu uma virada radical, tornando-se um
dos principais líderes da direita no Brasil. A partir de então
dedicou-se especialmente a infernizar a vida do seu maior adversário
político: Getúlio Vargas.
Era uma guerra entre dois grandes gênios da política e dois grandes
oradores. Em 1954 se tornara quase impossível a sobrevivência política
de ambos no mesmo espaço e por tanto tempo. Um deles teria que morrer.
Como nenhum dos dois morria politicamente, a solução era o extermínio
físico. O Anjo Negro determinou que morte de Carlos Lacerda estava
agendada: dia 1º de agosto de 1954.
Local: Barra Mansa.
Plano: matar o ‘Corvo’ em Barra Mansa
Atentado no Rio de Janeiro contra Carlos Lacerda |
Os documentos históricos mostram que Gregório Fortunato, o Anjo
Negro, planejou a morte de Carlos Lacerda. Segundo o próprio Gregório, a
mando de civis e militares que cercavam Getúlio.
O atentado a Carlos Lacerda ocorreria em Barra Mansa, no dia 1º de agosto de 1954.
Fortunato chamou para operacionalizar o atentado um homem da sua
confiança, que ele próprio colocou na guarda pessoal do presidente:
Climério Euribes de Almeida.
Climério buscava um pistoleiro. Um amigo, José Antônio Soares, indicou aquele que seria o assassino: Alcino João do Nascimento.
A coisa já começava errado.
Alcino, como pistoleiro, era uma fraude. Na verdade era um marceneiro
que fazia biscates e havia sido meses antes contratado por José Antônio
Soares, que era seu conhecido, para matar um sujeito que dava em cima da
mulher dele. Alcino pegou o serviço por 5 mil cruzeiros. No Carnaval
matou o cara. Mas, trapalhão, matou o sujeito errado.
Apesar disso, Climério o contratou.
Em 11 de julho de 1954, Climério e Soares levaram Alcino a Nova Iguaçu
(até para que ele não matasse de novo a pessoa errada). Carlos Lacerda
fazia um comício naquela cidade. Alcino conheceu o “Corvo”. Recebeu de
Soares um revólver Smith & Wesson calibre 45 (que era de uso
exclusivo da Forças Armadas). A próxima parada seria em Barra Mansa, 1º
de agosto.
Faltava o motorista. Climério contratou um taxista amigo seu que
trabalhava próximo ao Palácio do Catete, Nelson Raimundo de Souza. Um
taxista sem experiência em crimes do gênero. Ele daria fuga a Alcino.
Estava óbvio que alguma coisa ia dar errado.
Climério, Alcino e Nelson saíram do Rio de Janeiro às 17 horas com
destino a Barra Mansa. Faltando apenas cinco quilômetros para chegar na
cidade – pimba! – o carro de Nelson enguiçou.
Chamaram um reboque e um táxi. Chegaram já no final do comício de Lacerda, mas não havia carro para a fuga.
Pernoitaram em Barra Mansa e, no dia seguinte, com o carro consertado, voltaram para o Rio de Janeiro.
Mas não desistiram da empreitada: decidiram que matariam Carlos Lacerda
logo em seguida, no dia 4 de agosto, em um comício no Rio de Janeiro.
Claro que também tinha tudo para dar errado.
O fim do ‘Nego” e do ‘Anjo Negro’
Suicídio de Vargas causou comoção nacional e mudou a História do Brasil |
O dia 4 de agosto era a data em que Carlos Lacerda faria comício no
Colégio São José, na Tijuca. Climério e Alcino chegaram no local
planejado para o crime. Não achavam o taxista Nelson. Por alguma razão
se desencontraram. Quando Nelson chegou já eram 23 horas e não tinha
mais ninguém no local.
Para não perder a viagem decidiram ir à casa de Carlos Lacerda, em Copacabana. Pararam na esquina da Rua Tonelero.
Lacerda chegava com o filho e o major Rubem Vaz, da Aeronáutica. Já era a
madrugada de 5 de agosto. Alcino, que já havia matado um cara errado,
fez de novo: atingiu Lacerda na perna, mas atingiu mortalmente o major
Rubem Vaz.
A Aeronáutica não ia deixar barato. Abriu sua própria investigação.
Não foi difícil achar todo mundo: o taxista Nelson foi logo capturado,
já que na fuga usou o seu taxi com a placa exposta e devidamente anotada
por testemunhas.
Logo chegaram aos demais envolvidos. Todos foram presos.
E chegaram ao Anjo Negro Gregório Fortunato. Também foi preso.
O cerco se fechava em torno do presidente Getúlio Vargas. O alto escalão
do seu governo – e talvez até seu irmão Benjamim – estariam envolvidos
no atentado.
Getúlio cairia, mas cairia atirando. Contra o próprio peito.
Em 24 de agosto de 1954 – há exatos 65 anos – Getúlio cometia o suicídio que mudaria o rumo da História do Brasil.
A comoção da sua morte certamente evitou que as investigações prosseguissem e pegassem a raia graúda.
Gregório Fortunato foi condenado a 25 anos de prisão. Em 26 de outubro
de 1962 foi assassinado na prisão. Por um suposto desafeto, na versão
oficial. Por coincidência desapareceram todas as anotações que ele fez
enquanto esteve preso.
Na verdade, até hoje há várias teorias sobre os episódios envolvendo o caso da Rua Tonelero.
Como personagem da História, o Anjo Negro, nascido em Volta Redonda, encerrou aí sua participação.
Como filho de escravo alforriado, nascido em São Borja, o homem Gregório
Fortunato talvez não soubesse que, apesar de todo o poder que
conquistou, quando a coisa pegasse iam por tudo na conta do Nego.
Aurélio Paiva | aurelio@diariodovale.com.br
Salvou minha prova da faculdade, nem precisei estudar, chega de aula com a Rosa!
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