Sérgio Cabral afirma que Lula e Eduardo Paes sabiam de propina pela Rio-2016
Cabral falou da compra de votos para as Olimpíadas de 2016
© Reuters / Pawel Kopczynski
RIO DE JANEIRO, RJ
(FOLHAPRESS) - O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB)
afirmou nesta quinta-feira (4) que os ex-atletas Alexander Popov, da
Rússia, e Sergei Bubka, da Ucrânia, receberam propina para votar pelo
Rio de Janeiro na eleição que escolheu a cidade como sede da Olimpíada
de 2016.
Ele disse também que o ex-prefeito Eduardo Paes (DEM) e o
ex-presidente Lula tiveram conhecimento da compra de votos. Os dois,
segundo o ex-governador, não participaram da negociação e operação da
propina.
A reportagem procurou as defesas de Paes e Lula, e aguarda um retorno.
Cabral
depõe ao juiz Marcelo Bretas no processo em que é acusado de ter pago
US$ 2 milhões ao senegalês Lamine Diack para influenciar na escolha da
cidade como sede dos Jogos. Também são réus no processo o ex-presidente
do COB (Comitê Olímpico do Brasil) Carlos Arthur Nuzman e o ex-diretor
da Rio-16 Leonardo Gryner.
O ex-governador afirmou que foi Nuzman
quem sugeriu o pagamento da propina a Lamine. Eles temiam não passar da
primeira rodada de votação das cidades-candidatas.
"Ele chegou com
o Leo Gryner. 'Olha governador, nós temos todas as chances de ganhar.
Fizemos uma campanha bonita, os três níveis de governo envolvidos. O
presidente da federação internacional de atletismo, Lamine Diack, se
abre para vantagens indevidas. Fizemos contato com ele. E há uma
garantia de cinco a seis votos. E eles querem US$ 1,5 milhão'", relatou
Cabral.
O emedebista relatou que Nuzman e Gryner o procuraram depois pedindo mais US$ 500 mil a fim de garantir até nove votos.
Cabral
afirmou que o envolvimento dos dois atletas, integrantes do colégio
eleitoral do COI, foi informado por Lamine a Nuzman e Gryner, que lhe
relataram o fato.
Quatro cidades eram candidatas na eleição de
2009 (além do Rio, Madri, Tóquio e Chicago). A vitoriosa seria escolhida
por eliminação. A cada rodada de votação, a cidade menos marcada é
retirada da disputa, iniciando nova votação.
Na primeira, a cidade
brasileira teve 26 votos, enquanto a norte-americana foi eliminada com
18. Caso a candidatura carioca tivesse perdido os até nove votos
supostamente comprados para a concorrente, a cidade não teria
passado.Após a primeira rodada, o Rio manteve larga vantagem sobre as
demais, tendo atraído os votos dos eleitores das cidades eliminadas. Na
última votação, superou Madri com 66 a 32 votos.
"Era fundamental
ter a garantia desse votos. Depois foi a política. A política com 'p'
minúsculo na primeira fase e a com 'p' maiúsculo nas demais fases",
disse Cabral.Segundo Cabral, Paes soube na véspera da viagem a Berlim,
em agosto, para o Mundial de Atletismo em 2009. Nesse evento, os dois se
encontrariam com Lamine Diack -sem, contudo, tratar da propina.
"Ele
me disse por telefone que não iria a Berlim. Disse para que ele que não
poderíamos deixar de ir a Berlim. Falei: 'Ô rapaz, o Arthur vai dar um
dinheiro, você tem que ir lá olhar na cara do presidente de atletismo.
Tem alguma coisa mais importante para você do que ganhar a Olimpíada no
seu primeiro ano de mandato?'", declarou o emedebista.
Lula, de
acordo com Cabral, soube no dia 3 de outubro, dia da votação, após a
primeira rodada em que Chicago foi eliminado. "Eu fiquei muito nervoso e
ele não entendeu porque estava comemorando. Falei para ele: 'O meu medo
era passar dessa fase. Nessa fase tive um arranjo político assim,
assim e assado'. Ele fez que não ouviu. Disse: 'Você está me contando
algo que já passou...'", disse ele.
De
acordo com a denúncia do Ministério Público Federal, o pagamento foi
feito pelo empresário Arthur Soares, dono de prestadoras de serviços do
estado, ao filho do membro do COI Papa Masata Diack. O valor foi
debitado da propina paga a Cabral, fatos confirmados pelo ex-governador.
Embora
o pagamento tenha sido feito apenas ao senegalês, emails interceptados
durante a investigação sugeriam que o dinheiro tinha outros
beneficiários. O delator Carlos Miranda, gerente da propina do
ex-governador, já havia dito que Cabral lhe relatou na prisão ter pago
US$ 2,5 milhões para atender ao pedido de quatro membros do COI.
O
novo depoimento de Cabral reinicia o processo que ficou parado por oito
meses aguardando documentos de cooperação internacional sobre o caso.
Desde
o início do ano, o ex-governador vem confessando os crimes que lhe são
atribuídos. O objetivo é tentar reduzir suas penas, que já somam 198,5
anos em nove condenações. Ele é réu em outras 20 ações penais na Justiça
Federal e três na estadual.
Cabral depôs no processo sobre a
suposta propina no COI em agosto do ano passado. Na ocasião, disse ver
"preconceito racial" na acusação de compra de votos de membros africanos
do comitê.
"O Ministério Público Federal está padecendo de
preconceito racial. Essa coisa de dizer que africanos se reuniram para
vender votos é preconceito racial", disse Cabral em interrogatório ao
juiz Marcelo Bretas.
O
procurador Stanley Valeriano da Silva respondeu na audiência às
críticas de Cabral. "O Ministério Público Federal não elege teses,
trabalha com fatos."
Nuzman também negou em depoimento
envolvimento com a suposta propina. O ex-dirigente, contudo, demonstrou
dificuldades em explicar as provas mais fortes contra ele: emails em que
era cobrado por pagamentos por Papa Massata Diack.
Uma das provas
apresentadas pelo Ministério Público Federal são emails de Papa Diack
em que afirma não ter recebido parte do valor devido, o que gerou
"constrangimento de pessoas que confiaram no nosso comprometimento em
Copenhague".
"Eu recebi sim [esse e-mail], falei com a Maria
Celeste [sua assessora]. Disse a ela que desconhecia esse fato. [...]
Quem tivesse que assumir alguma coisa, que fizesse", afirmou Nuzman na
ocasião.O dirigente não pode ser condenado por esse fato, já que a
corrupção privada não é crime no Brasil.
O ex-cartola é réu porque
o Ministério Público Federal considera que, com a escolha da cidade, o
comitê organizador dos Jogos, presidido por Nuzman, obteve verbas
públicas por meio de patrocínios de estatais e beneficiou membros da
suposta quadrilha de Cabral em contratos da Rio-16. Ele é incluído na
denúncia como um "funcionário público por equiparação".
A defesa de Nuzman solicitou novas diligências. Entre elas,
informações das autoridades francesas sobre o mesmo caso. O Ministério
Público francês compartilhou provas com a procuradoria brasileira e
também acusou membros do COI de venda dos votos. O ex-cartola
brasileiro, contudo, ainda não foi alvo de ação pública naquele país.
Notícias ao Minuto
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