Clima de vigilância constante: Vazamento de diálogos põe Brasília em alerta
O vazamento de diálogos envolvendo autoridades acendeu uma luz amarela na Praça dos Três Poderes
© Reuters
"Telefone só serve
para marcar reunião em lugar errado." A frase citada pelo deputado João
Roma (PRB-BA), vice-líder do governo Jair Bolsonaro na Câmara, funciona
como "mantra" para alertar que não se deve usar o telefone para passar
informações "quentes", mas para despistar possíveis tentativas de
grampo. "Sigo esse ensinamento do ex-presidente Tancredo Neves quando
tenho de tratar de algo pessoal ou delicado."
O deputado não está sozinho. O vazamento de diálogos
envolvendo autoridades acendeu uma luz amarela na Praça dos Três
Poderes. No Congresso, a ação básica agora é a ativação da "confirmação
em duas etapas" nos aplicativos de mensagens, o que confere maior
segurança às conversas. Dentro do Planalto, o Gabinete de Segurança
Institucional baixou ordem para que se usem aparelhos criptografados
oferecidos pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin).
Já no
Supremo Tribunal Federal, um integrante da Corte ouvido reservadamente
pela reportagem disse que não dá mais para encarar o WhatsApp como um
aplicativo privado, mas, sim, como um "alto-falante" que espalha
conteúdo abertamente. Em Brasília, muitos têm migrado para o aplicativo
de mensagens privadas Signal, considerado, por ora, o mais seguro da
categoria.
O clima é de vigilância constante. Deputados e
senadores que não se atentavam para questões de segurança digital
passaram a buscar medidas para garantir privacidade no mundo virtual. Na
semana passada, termos como "reforma da Previdência" e "crédito
suplementar" deram lugar a "confirmação em duas etapas" e
"criptografia".
O fato de ainda não haver registro de ataques a
aparelhos funcionais do Legislativo não evitou que aumentasse a busca de
parlamentares pelo setor de tecnologia da Casa, atrás de auxílios
técnicos e pedidos de varreduras, para verificar se seus aparelhos estão
grampeados. Para Roma, "essas arapongagens e fake news" são coisas
antigas na política. "Mudam apenas os meios tecnológicos." O líder do
Podemos, deputado José Nelto (GO), busca informações sobre como proteger
sua conta e pretende levar uma orientação para que sua bancada adote a
dupla verificação nos aparelhos.
Há quem se prepare contra
invasões há tempos, como o deputado e líder do MBL Kim Kataguiri
(DEM-SP). "Sou técnico em processamento de dados, não leu meu
Wikipédia?", brincou. Para ele, a adoção de duas senhas não é suficiente
para evitar a ação de hackers. "Criptografo todos os dados do celular,
pago antispyware", disse, citando programa que detecta "espiões".
A
prevenção, em alguns casos, passa pela substituição frequente de
equipamentos. O deputado do PSL Alexandre Frota (SP) troca de aparelho a
cada três meses. "Todo mundo fica tendo acesso ao número e acaba que
fica vulnerável." A líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann
(PSL-SP), adota a prevenção como maneira de coibir possíveis ataques.
Todos os meses, seus dois aparelhos passam por varreduras de técnicos de
segurança da informação. A deputada não atende telefonemas de números
desconhecidos.
Celular criptografado não ganha adeptos no Planalto
No
Planalto, os aparelhos celulares criptografados fornecidos pelo GSI não
conquistaram usuários ilustres. A ideia era que ministros e o
presidente Jair Bolsonaro tivessem uma comunicação mais segura, mas os
telefones só falam entre si e não têm muitas funcionalidades. Por isso,
não ganhou muitos adeptos no governo. Bolsonaro, durante café da manhã
com jornalistas na sexta-feira, 14, disse que não usa o aparelho
recomendado. "Sigo agindo da mesma maneira. Não tenho nada a esconder."
No
Supremo e na Procuradoria-Geral da República, a atenção foi redobrada.
"Imaginem, Vossas Excelências, se algum de nós perde o celular", disse o
ministro do STF Ricardo Lewandowski, em sessão realizada na terça-feira
passada.
Ministros do STF adotam cautela em comunicações privadas
Ministros
do tribunal costumam ser cautelosos em suas comunicações privadas. Como
estão acostumados a decretar quebra de sigilo telefônico, sabem que não
estão imunes a vazamentos. É prática dentro do STF não fazer ligações
por linhas telefônicas, mas chamadas de áudio via WhatsApp, consideradas
mais seguras que as comuns.
Em conversa com jornalistas, o
ministro Gilmar Mendes demonstrou preocupação com o risco de ataques,
especialmente com o plenário virtual da Corte, plataforma online onde
processos são julgados. "Veja o tumulto que pode ocasionar uma invasão
nessa área. Muitas vezes, deixamos votos em preparação e podemos mudar
esse voto. Imagine uma violação no meio da preparação de um voto? Isso
tem resultados trágicos", afirmou Gilmar.
O uso de "bots", aplicativo que simula ações humanas para, entre
outras tarefas, impulsionar conteúdo, foi citado pela ministra Cármen
Lúcia. "Hoje temos a informação e a deformação de retóricas que não têm
nem fonte humana, mas que têm consequência jurídica, política e
institucional de toda a natureza", disse Cármen. "Nós estamos
ingressando no Admirável Mundo Novo, no 1984, de George Orwell",
completou Lewandowski.
Notícias ao Minuto com informações do jornal O Estado de S. Paulo
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