ISTOÉ OBTÉM ACESSO A LISTA COMPLETA DE INDENIZAÇÕES, COM VALORES E NOMES DOS BENEFICIÁRIOS

Dormita em algum escaninho perdido da
República o processo de “Concessão de Aposentadoria Especial de
Anistiado” do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, atualmente preso
numa sala-cela da Polícia Federal de Curitiba. A ação em exame pela
Comissão Nacional de Anistia versa sobre um valor de aposentadoria de R$
56,7 mil. Não se sabe, porém, se Lula recebe uma pensão nesse valor ou
se foi contemplado com esse montante de indenização em uma única vez.
Não se consegue na verdade saber nenhum detalhe a mais do processo – uma
verdadeira caixa-preta. Tudo porque a Dataprev, que organiza as
informações de pensões pagas pelo Instituto Nacional de Seguridade
Social (INSS), simplesmente informa que não consegue “gerar o arquivo”
referente à aposentadoria de Lula.

O mistério em torno da aposentadoria de
anistiado do ex-presidente presidiário é apenas um dos vários pontos
obscuros relativos a pagamentos de pensões e indenizações de caráter
político a integrantes da cúpula petista. Desde 2001, a concessão e o
gerenciamento desses pagamentos é feito pela Comissão Nacional de
Anistia. Até o governo Michel Temer, o órgão era subordinado ao
Ministério da Justiça. Agora, com o presidente Jair Bolsonaro, ela
passou para a alçada do Ministério dos Direitos Humanos, comandado por
Damares Alves. “Há uma grande confusão e informações desencontradas a
respeito do que foi concedido de indenizações durante os anos que o PT
esteve no poder. Nós vamos identificando as distorções para organizar
isso tudo e fazer revisões nos critérios. Vou mexer nessa caixinha das
indenizações políticas”, prometeu Damares, em entrevista a ISTOÉ.



Nos últimos dias, ISTOÉ teve acesso com
exclusividade a relatórios internos com base em documentos da Comissão
da Anistia e mergulhou nas informações relativas aos processos
indenizatórios. O caso de Lula é mesmo emblemático. O processo
envolvendo o petista está arquivado na Comissão de Anistia sob o número
2003.02.24764. Em 1980, Lula era presidente do Sindicato dos
Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema. Comandava as históricas greves
do ABC, que ajudaram a abalar a ditadura militar nos seus estertores.
Naquele ano, o sindicato que Lula presidia sofreu intervenção federal. E
Lula teve seus direitos sindicais cassados no dia 24 de abril de 1980.
Em 1993, o ex-presidente hoje preso foi declarado anistiado político.
Passou a receber, segundo consta no
processo ao qual ISTOÉ teve acesso, uma aposentadoria de R$ 3,2 mil (em
valores atualizados R$ 8,9 mil), paga a partir de 22 de novembro de
1990, contado desde 5 de outubro de 1988. A quantia é referente a um
tempo de serviço de 32 anos, quatro meses e 24 dias. O Despacho nº 03 do
INSS informa, no entanto, ter havido uma autorização para uma “revisão
de Aposentadoria Excepcional de Anistiado”, então no valor de R$ 56,7
mil, “atualizado até maio de 1998”. Seria um repasse mensal? Foi
efetuado um pagamento só? Ninguém sabe responder. No dia 30 de novembro
de 2018, o colegiado cobrou do INSS um extrato de todos os pagamentos
feitos referentes ao “benefício NB-58/102.535.870-0, do requerente Luiz
Inácio Lula da Silva, filho de Eurídice Ferreira Melo,nascido em
06/10/1945” para esclarecer a questão. Nada obteve. Como
inacreditavelmente a própria Dataprev informou que não conseguia acessar
os dados, a Comissão Nacional de Anistia ainda não desvendou o
mistério. A assessoria de Lula, procurada por ISTOÉ, confirma que ele,
de fato, possui uma pensão referente à cassação dos seus direitos
sindicais quando deixou o Sindicato dos Metalúrgicos. Informou não
saber, porém, qual o valor. Ou seja, nem a Comissão de Anistia, nem o
INSS, nem o próprio Lula sabe dizer ao certo quanto tem entrado na conta
do petista a título de pensão. Diante da nuvem de mistério, a
reportagem procurou a ministra dos Direitos Humanos. “Não é possível que
determinados situações não possam ser bem esclarecidas. Não é
admissível tal falta de transparência”, bradou Damares, que promete
intensificar o pente-fino sobre o setor.
Além do acesso aos relatórios, ISTOÉ
obteve a lista completa das indenizações, com seus respectivos valores e
nomes de beneficiários. O Ministério dos Direitos Humanos analisa os
dados da Comissão da Anistia, desde o dia 30 de janeiro. Uma avaliação
preliminar revela indícios de direcionamento para o pagamento de
indenizações a pessoas próximas dos governos petistas. Por exemplo,
ISTOÉ apurou junto a técnicos que atuaram e ainda atuam na Comissão de
Anistia que a regra geral estabelecida pelas gestões do PT era a de
conceder as indenizações. Alguns critérios vagos e genéricos atuaram,
conforme denunciam os próprios técnicos da Comissão, para facilitar a
aprovação dos pagamentos. Eram as “brechas” para que as indenizações
fossem concedidas. Por exemplo, toda greve ocorrida durante o período
militar, mesmo que fosse de cunho trabalhista, era considerada política
só pelo fato de ter ocorrido durante a ditadura. Gerou, assim, toda a
sorte de indenizações.
Foi por se deparar com critérios
elásticos como esse que o ex-ministro da Justiça de Michel Temer,
Torquato Jardim, redefiniu a questão ao julgar um processo referente a
uma paralisação de funcionários da Empresa de Correios e Telégrafos
(ECT). Imagine: queriam relacionar uma greve eminentemente corporativa a
uma suposta perseguição a militantes. Torquato barrou a farra. Também
para facilitar as indenizações e pensões, havia também um mecanismo
batizado de “perseguição reversa”, que permitia que filhos e até netos
de vítimas da ditadura recebessem recursos alegando traumas causados
pelas perseguições e torturas de seus parentes. Imagina a festa. O
órgão, no início do governo Temer, também aboliu de vez esse mecanismo.
A lista total de pessoas beneficiadas até o final de 2018 inclui 39 mil nomes. Mas houve um salto mais do que considerável após o início dos governos petistas. Especialmente nos dois primeiros anos do primeiro governo Lula. Em 2001, ano de criação da Comissão, foram concedidas 2.970 indenizações. Em 2002, 3.706. Em 2003, após a posse de Lula, o número saltou para 13.237, quase 10 mil processos a mais que no ano anterior. Em 2004, continuou bem mais alto: 9.510. Até que em 2015, o Tribunal de Contas da União (TCU) publicou o acórdão 2.632/2014-TCU-2ª Câmara, determinando maior publicidade e critérios mais objetivos para a concessão dos benefícios. Depois disso, a concessão caiu vertiginosamente. Naquele ano, foram apenas cinco. E depois disso, somente mais duas em 2017.
A lista total de pessoas beneficiadas até o final de 2018 inclui 39 mil nomes. Mas houve um salto mais do que considerável após o início dos governos petistas. Especialmente nos dois primeiros anos do primeiro governo Lula. Em 2001, ano de criação da Comissão, foram concedidas 2.970 indenizações. Em 2002, 3.706. Em 2003, após a posse de Lula, o número saltou para 13.237, quase 10 mil processos a mais que no ano anterior. Em 2004, continuou bem mais alto: 9.510. Até que em 2015, o Tribunal de Contas da União (TCU) publicou o acórdão 2.632/2014-TCU-2ª Câmara, determinando maior publicidade e critérios mais objetivos para a concessão dos benefícios. Depois disso, a concessão caiu vertiginosamente. Naquele ano, foram apenas cinco. E depois disso, somente mais duas em 2017.
Ligações com o PT
De acordo com a lista obtida por ISTOÉ, a maioria dos beneficiários é composta por nomes desconhecidos do grande público. Há, porém, pessoas claramente identificadas com o petismo e a esquerda. Como Rui Falcão, que recebe R$ 11,7 mil mensais de pensão. Quando não há implicações trabalhistas, o teto de indenização determinado por lei é R$ 100 mil. Nos dois casos, as indenizações autorizadas, ambas em 2005, têm esse valor. Mas esse também é o montante concedido ao ex-presidente do PT José Genoino, detido na primeira leva de guerrilheiros presos do Araguaia. O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu foi outro agraciado: recebeu uma indenização de R$ 66 mil. O ex-ministro dos Direitos Humanos de Lula Paulo Vannuchi levou R$ 54 mil. O PSL, partido do presidente Bolsonaro, já cogita pedir a instalação de uma CPI para investigar os critérios de concessões das indenizações durante a era em que o PT ficou no poder. Desde que a comissão foi criada, as indenizações de caráter político concedidas já somam um total de R$ 9,9 bilhões.
De acordo com a lista obtida por ISTOÉ, a maioria dos beneficiários é composta por nomes desconhecidos do grande público. Há, porém, pessoas claramente identificadas com o petismo e a esquerda. Como Rui Falcão, que recebe R$ 11,7 mil mensais de pensão. Quando não há implicações trabalhistas, o teto de indenização determinado por lei é R$ 100 mil. Nos dois casos, as indenizações autorizadas, ambas em 2005, têm esse valor. Mas esse também é o montante concedido ao ex-presidente do PT José Genoino, detido na primeira leva de guerrilheiros presos do Araguaia. O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu foi outro agraciado: recebeu uma indenização de R$ 66 mil. O ex-ministro dos Direitos Humanos de Lula Paulo Vannuchi levou R$ 54 mil. O PSL, partido do presidente Bolsonaro, já cogita pedir a instalação de uma CPI para investigar os critérios de concessões das indenizações durante a era em que o PT ficou no poder. Desde que a comissão foi criada, as indenizações de caráter político concedidas já somam um total de R$ 9,9 bilhões.
Outro processo que está sob análise da
comissão e nas mãos de Damares para deferir ou não diz respeito à
ex-presidente Dilma Rousseff, que sofreu processo de impeachment em
2016. Os Estados também têm suas comissões de anistia. Dilma requereu
indenizações junto às comissões de quatro Estados: Minas Gerais, Rio de
Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul. Em Minas, obteve um pagamento de
R$ 30 mil. No Rio, de R$ 20 mil. Em São Paulo, de R$ 22 mil. No Rio
Grande do Sul, ela requereu a “reintegração” no cargo de Assistente
Técnica da Fundação de Economia e Estatística (FEE) do governo do Rio
Grande do Sul, onde trabalhou até 1977 e teria sido “compelida” a pedir
demissão por razões políticas, porque seu nome constava de uma Lista
Nacional de Subversivos. Em 1990, ela pleiteou junto ao governo do Rio
Grande do Sul sua reintegração. Segundo relatório ao qual ISTOÉ teve
acesso, Dilma alega, porém, que foi “readmitida”, não “reintegrada”. Ou
seja, voltou ao cargo, mas não recebeu valores retroativos pelo tempo em
que ficou fora do serviço nem as promoções que poderia ter tido caso
tivesse permanecido.
Assim, ela requereu “reparação
econômica, de caráter indenizatório, em prestação mensal, permanente e
continuada de R$ 10.735,55”. A ação está em análise da comissão, que já
fez diligências com relação aos argumentos da ex-presidente. Damares, no
entanto, está inclinada a negar o pedido. Em casos semelhantes, o
ex-ministro Torquato Jardim indeferiu alegando que a lei impede duas
decisões diferentes sobre o mesmo fato gerador. Em nota, Dilma afirma
ter direito à indenização. “O que é meu por direito não pode ser negado
pela história”, declarou a ex-presidente, depois que valores foram
divulgados pelo Antagonista.
Uma história assombrosa, em termos de
valores, da generosidade na concessão envolve o que os técnicos da
comissão chamam de caso dos “cabos da FAB”. Antes do golpe de 1964,
militares da Força Aérea Brasileira se organizaram numa associação, a
Associação dos Cabos da FAB – Acafab. Com o golpe, esse tipo de
associação de militares foi considerada proibida. As portarias da
Aeronáutica de números 1.103 e 1.104 proibiram a associação e
determinaram a expulsão de 11 militares que foram considerados os
líderes do movimento. Com a criação da Comissão da Anistia, eles
entraram com pedido de reparação.
Na esteira, entre 2002 e 2006, diversos
outros entraram também com base no mesmo caso. A situação seguiu sem
controle, porque a comissão foi autorizando as indenizações. Há mais de
três mil ex-militares da Força Aérea Brasileira que pediram reparação.
Inclusive 500 que entraram na FAB depois da edição das
portarias.Conseguiram o pagamento de uma pensão chamada de Prestação
Permanente Continuada (PMPC). Mas exigem pagamentos retroativos. Segundo
cálculos da Aeronáutica, em média cada um deles teria a receber cerca
de R$ 800 mil.
A Advocacia Geral da União recorreu
desse pagamento. O caso está no Supremo Tribunal Federal (STF), nas mãos
do ministro Ricardo Lewandowski. Em números desatualizados, a bolada
soma R$ 7 bilhões. Com correção monetária, ultrapassa R$ 16 bilhões. Se
Lewandowski autorizar a concessão, a Aeronáutica ficará literalmente sem
mais um recurso sequer. O Orçamento de todo o Ministério da Defesa para
2019 é de R$ 11 bilhões. “Como vemos, a lei que criou a Comissão
Nacional de Anistia criou critérios muito amplos, vagos, subjetivos,
para a concessão das indenizações. Além de precisar ser reavaliado, é
preciso se estabelecer um momento em que se considere que o trabalho de
indenização já foi feito. Um momento para o fim das reparações. Afinal, o
regime militar já acabou há quase 35 anos. Isso vai durar para
sempre?”, questiona a ministra.
A ministra Damares Alves é polêmica. E,
de fato, são polêmicas as suas declarações. Mas ela acredita que o
bombardeio que vem sofrendo faz parte de um processo para desmoralizá-la
e evitar que ela mexa “nessa e outras caixinhas”. Como se vê, trata-se,
de fato, de um vespeiro.
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INVESTIGAÇÃO: Bancada do PSL trabalha pela CPI das Indenizações -- (Crédito: Dida Sampaio) |
Fonte: istoe.com.br/ - (Colaboraram Ary Filgueira e Wilson Lima)
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