Impedido de deixar a prisão, Lula manda carta para se despedir do amigo Sigmaringa Seixas
O advogado e ex-deputado federal Luiz Carlos Sigmaringa Seixas, 74 anos, morreu nesta terça-feira (25)
© Paulo Whitaker / Reuters
Sem autorização da Justiça para ir ao enterro de seu amigo,
o advogado e ex-deputado federal Luiz Carlos Sigmaringa Seixas, 74, o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mandou uma carta para ser
lida no velório, nesta quarta-feira (26).
Sigmaringa morreu nesta terça-feira (25). Ele estava internado
no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, e chegou a fazer transplante
de medula há alguns dias, mas não resistiu ao procedimento e teve uma
parada cardíaca. Deixou a viúva, Marina, e os filhos Guilherme e Luíza.
"Nosso
Sig teve a delicadeza de nos deixar no dia do Natal, uma data em que a
sensibilidade das pessoas está voltada para o amor e para o bem, que
foram a marca de sua passagem pela Terra", diz Lula na carta endereçada à
viúva do amigo. O texto foi lido pelo deputado distrital Chico
Vigilante (PT).
"Não consigo me recordar agora de alguém que tenha
vivido por estas causas sem perder a ternura, sem abrir mão da alegria
de viver, sem faltar com a generosidade e o carinho que o Sig sempre
dedicou aos amigos e à humanidade em que sempre acreditou. E foi por
este amor à vida e à humanidade que ele lutou até as últimas forças",
afirma Lula no texto.
Na carta, Lula lembra o trabalho de Sigmaringa durante a ditadura militar.
"Poucos
hoje são capazes de avaliar os riscos que ele correu, junto com um
punhado de colegas, para levantar os documentos oficiais da Justiça
Militar que comprovaram a prática de torturas no Brasil. Foram cinco
anos de trabalho quase clandestino que resultaram no livro 'Tortura:
Nunca Mais', com provas irrefutáveis contra 444 torturadores. Este livro
mudou a historiografia do Brasil", diz o ex-presidente.
Lula
tentou sair a prisão para ir ao sepultamento de seu amigo, mas teve o
pedido negado pela Justiça Federal do Paraná. Mandou uma coroa de
flores.
No pedido, advogado Manoel Caetano Ferreira Filho diz que o ex-presidente era "amigo íntimo de Sigmaringa há mais de 30 anos".
"Tive
a honra de tê-lo como advogado, mas tive, principalmente, o privilégio
de ter o Sig como amigo leal e generoso, convivendo familiarmente com
você, Marina, e com nossa querida Marisa. Estes momentos são as melhores
lembranças que levarei dele", escreve Lula.
Sigmaringa foi
convidado por Lula em mais de uma ocasião para assumir uma vaga no STF
(Supremo Tribunal Federal), mas nunca quis virar ministro. Dizia
preferir advogar.
"O convidei duas vezes para a nossa Suprema
Corte e ele recusou, com o argumento de que não se sentia preparado para
a função, praticando um desprendimento raro, mas não surpreendente
vindo dele", diz o petista.
"Ele dizia não estar à altura, mas
estava. [A morte dele] é uma perda para os que o conheceram. Era um
resistente, democrático e republicano", disse o ministro Marco Aurélio
Mello, do STF.
Filiado ao PT, Sigmaringa era tido como
conciliador. Há muito não frequentava as reuniões do partido, mas
visitava o Instituto Lula e as celebrações em família do ex-presidente.
"Sig
era uma pessoa que eu tradicionalmente consultava, inclusive em todos
os atos do Ministério da Justiça. Sempre esteve como um grande
companheiro que nos aconselhava", disse o ex-ministro da Justiça do
governo Dilma, José Eduardo Cardozo.
"Era um militante político,
lutador pela democracia, pelos direitos humanos, pelos trabalhadores,
mas antes de mais nada, um amigo extremamente disponível e carinhoso
sempre. todos que conviveram com ele são testemunha disso", disse
Ricardo Berzoini, ex-ministro nos governos Lula e Dilma Rousseff.
"Neste
momento, não tem esquerda, direita, PT. Não tem nada disso. Estamos
perdendo um homem público da mais alta relevância", afirmou o governador
eleito do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB).
Luiz Carlos Sigmaringa Seixas nasceu em Niterói (RJ) no dia 7 de novembro de 1944.
Na década de 1970, foi advogado de presos políticos detidos pela ditadura militar (1964-1985).
"O
Luiz Carlos se formou na época das convulsões de 1968. Em Brasília, o
Luiz, já como advogado, começou a militância ao lado dos sindicatos",
lembra o jornalista Jarbas Silva Marques, preso duas vezes pela ditadura
militar.
"O ex-deputado Sigmaringa Seixas teve um papel
extremamente relevante na redemocratização do Brasil e, depois da
Constituição de 1988, sempre defendeu os melhores princípios e os
melhores ideais", disse o presidente do STF, Dias Toffoli, amigo de
pelada e escolhido ministro após Sigmaringa recusar convite do
ex-presidente Lula.
"Era
um exemplo na profissão, porque sempre desprendido, na busca da
justiça. Em momentos difíceis da vida nacional, ele teve uma presença
muito marcante pelo amor à democracia e à liberdade", afirmou o ministro
da Justiça, Torquato Jardim.
Para
Roberto Gurgel, procurador-geral da República de 2009 a 2013,
Sigmaringa foi fundamental para a estruturação do Ministério Público.
"Como
constituinte, foi um dos grandes apoiadores das modificações que a
Constituição de 1988 introduziu e que fez renascer, ou melhor nascer, a
instituição que temos hoje, dotada de autonomia e independência",
afirmou.
"Ele era uma figura muito especial, um otimista, um amigo
de todas as horas", afirmou o presidente do Instituto, Lula Paulo
Okamotto.
Ele criticou a decisão contrária ao pedido de Lula para
ir ao velório. "É uma interpretação [da Justiça]. Assim como às vezes
interpreta ajudando, pode ser prejudicando. E o Lula infelizmente tem
tido péssimas interpretações."
A proibição também foi criticada por outros membros da cúpula do PT.
"Há
uma perseguição ao presidente Lula. Não vejo risco nenhum [em liberá-lo
para ir ao enterro]. Existem coisas demasiadas em relação ao presidente
Lula", disse a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), que
também lamentou a morte de Sigmaringa Seixas.
"Vai ser muito ruim
sem ele, principalmente no momento em que estamos adentrando, no qual
precisamos de tantos combatentes pela democracia e pelo direito dos
trabalhadores", afirmou a petista.
Ex-governador
da Bahia e senador eleito pelo PT, Jaques Wagner disse que Sigmaringa
sempre foi um conselheiro dos governos petistas e também reclamou da
ausência de Lula.
"Estão beirando já o sadismo as decisões em
relação ao ex-presidente", afirmou Wagner, para quem a Justiça tem agido
com o fígado.
"Ideologizou demais, politizou demais", afirmou.
TRAJETÓRIA
Parlamentar
por três mandatos, começou sua carreira política no MDB elegendo-se
deputado federal em 1986 pelo Distrito Federal. Participou da Assembleia
Nacional Constituinte, em 1988, ano em que migrou para o PSDB, partido
que ajudou a fundar e pelo qual também foi eleito deputado.
Foi reeleito em 1990 e votou favoravelmente ao impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992.
Derrotado nas eleições de 1994, em que tentava uma vaga no Senado, filiou-se ao PT. Em 2002, foi reeleito deputado.
Seixas sempre teve uma postura crítica em relação ao PT e, por isso, era visto com desconfiança por uma ala do partido.
Antes
do impeachment de Dilma Rousseff, ele tentou intermediar, em 2015, um
encontro entre Lula e Fernando Henrique Cardoso. Teve o aval de dois
para a abertura do diálogo, mas a articulação foi abortada quando a
operação veio à tona -e FHC chegou a ser chamado de gagá nas redes
sociais.
O advogado era próximo de Lula, a ponto de frequentar sua
casa em momentos cruciais da vida do ex-presidente. Mas sempre foi
discreto. Uma conversa entre os dois acabou caindo em um grampo da
Polícia Federal.
Na gravação, o ex-presidente pedia a Seixas que
conversasse com o ex-procurador-geral da República Rodrigo Janot sobre
as investigações contra ele e dissesse que desejava doar todos os bens e
itens que ganhou ao Ministério Público.
"Como
ele aceitou um pedido de um cara lá de Manaus pra investigar as coisas
que eu ganhei, pergunta pra ele se no Ministério Público tiver um lugar
eu mando tudo pra lá. Pra eles tomarem conta, porque eu não tenho nenhum
interesse de ficar com isso", afirmou o ex-presidente. Lula também se
queixa das investigações sobre os pagamentos de empreiteiras para sua
manutenção.
Sig, como era seu apelido, foi responsável pela
indicação ao STF de Teori Zavascki, de quem era amigo. A escolha
renderia a ele críticas de petistas quando, ao se tornar relator da
Operação Lava Jato no Supremo, Teori incluiu Lula em inquéritos e
decidiu anular as gravações que o juiz Sergio Moro divulgara com
conversas entre o ex-presidente e Dilma.
Era tido como poderoso e chegou ter influência também no governo Dilma.
Uma
de suas últimas tarefas foi conter a crise entre Sepúlveda Pertence e
os demais advogados de Lula, evitando a saída abrupta do ex-ministro do
STF da defesa do petista na Lava Jato.
"O pior da velhice não é a expectativa da morte, mas a perda dos
amigos que se vão quando estamos atravessando esta fase da vida", disse
Pertence.
Notícias ao Minuto com informações da Folhapress
Nenhum comentário:
Postar um comentário