AFRODITE E PERSÉFONE: CAMINHOS PARA A INICIAÇÃO FEMININA
Os Mistérios Elêusis, dos quais a deusa Perséfone e Demeter
eram o foco central (e Afrodite indiretamente), era um culto que
exaltava a figura da mulher em contraposição ao domínio do homem.
Os
Mistérios abriam-se democraticamente a todos, até mesmo aos escravos,
desde que falassem grego, pudessem entender e repetir as palavras
sagradas e não estivessem condenados por homicídio.
O Estado
terminou por tolerar as práticas dos Mistérios, pois Deméter e
Perséfone, afinal, eram responsáveis pelas sementes e pela fertilidade
da terra, e destas dependiam os frutos e o bem-estar da coletividade
(Brandão, 1986).
A
arte do cultivo da terra, do conhecimento dos ciclos da natureza e a
arte do amor, mitologicamente, são aspectos ligados ao feminino, por
essa razão compreendo que Afrodite e Perséfone podem ser grandes aliadas
na iniciação ao feminino mais profundo, em um mundo onde os valores
masculinos são extremamente valorizados.
Afrodite é a deusa do amor, da fertilidade, das flores. Afrodite é a personificação do amor, da vida e mãe de Eros!
Perséfone
é a rainha dos mortos, a soberana do mundo do inconsciente, a semente
que morre para trazer nova vida. Como Coré, representa a primavera,
sendo uma deusa associada aos ciclos da natureza.
Ambas são consideradas deusas da fertilidade. Afrodite é
aquela que faz as flores e os frutos crescerem e Perséfone é a semente
que morrer para semear a terra. Vida e morte!
Desde seu nascimento
até suas características e mitos mais importantes, Afrodite nos aponta
para a Ásia. Deusa tipicamente oriental, nunca se encaixou bem no mito
grego (Brandão, 1986).
Perséfone também é uma deusa complexa que também não se encaixa no mito grego.
Seu
rapto e morte simbólicos possuem conotações profundas de uma iniciação
feminina, e mostra aspectos de uma consciência feminina que se liga aos
ciclos.
Brandão (1986) diz que o rapto de Perséfone trouxe
benefícios incontáveis para a humanidade. Uma deusa olímpica, que passa a
habitar apenas uma terça parte do ano o mundo dos mortos, encurta a
distância entre os dois reinos: o Hades e o Olimpo. Como ponte entre os
dois “mundos divinos”, podia intervir no destino dos homens mortais.
Esse mistério da vida e morte projetada na semente que morre e renasce é o ciclo feminino que a mulher passa todo mês em seu corpo.
O
mito da descida cíclica de Perséfone ao Hades e seu retorno a
superfície simbolizam as estações do ano e a fertilidade da terra, assim
como os mistérios femininos, que inclui a espera pelo tempo certo para
que algo amadureça.
Perséfone
foi a figura central nos Mistérios de Elêusis, que por dois mil anos
antes do cristianismo foi a principal religião dos gregos. Nos Mistérios
de Elêusis os gregos experienciavam a volta ou renovação da vida depois da morte
através da volta anual de Perséfone do Inferno (Bolen, 1990). Ela era
uma deusa tipicamente cretense, assim como Hera, ou seja, ela era uma
transposição da Grande Mãe, que foi assimilada pelos gregos, mas
mantendo seu aspecto de fecundidade. Por essa razão era chamada de Hera
infernal.
Perséfone e Afrodite se ligam em sua rivalidade em
beleza, formando um par de opostos divino: a deusa da morte dos grãos e a
deusa da vida dos grãos. Ambas ainda se ligam no mito de Adônis, onde
as duas deusas disputam o amor do jovem.
Mas como essas duas deusas podem representar a iniciação feminina mais profunda?
Afrodite e Perséfone foram as duas deusas mais perseguidas e reprimidas com o advento do patriarcado.
No
período da Inquisição, que teve início na conversão do Império Romano
ao Cristianismo e esse foi um movimento histórico dissociador e
repressivo mais longo e terrível da humanidade. Durou do século IV ao
século XVIII, cerca então de catorze séculos.
Nesse período os
componentes matriarcais mais reprimidos da consciência coletiva foram a
sexualidade, o prazer, a vivência sensual, a vivência lúdica e a
espontaneidade das emoções (principalmente a agressividade e inveja), o
contato com o irracional e a vivência do campo intuitivo (mediunidade, premonição, magia, intuição e vivência oracular).
Componentes esses pertencentes a Afrodite e Perséfone. A
repressão desses aspectos das duas deusas, mostram que elas são as duas
mais propicias para a iniciação da mulher em um feminino mais profundo.
O
patriarcado se agrada da mãe, representada por Deméter, pela cerebral
Atena e pela esposa submissa Hera. Mas a sexualidade e os dons
intuitivos e irracionais da mulher são perigosos para essa estrutura.
Atualmente
nossa sociedade incentiva a mulher cada vez mais a ir ao mercado de
trabalho. Cada vez mais Atenas são criadas de forma unilateral,
em
detrimento de outros aspectos importantes e iniciadores do feminino.
Pois Atena nasceu da cabeça de seu pai Zeus, ou seja, ela nasce de um
ideal paterno e se distancia dos aspectos maternos, sensuais e de
fertilidade.
Além disso, Atena carrega em seu escudo a cabeça da
Medusa, o que significa que a mulher fortemente identificada com os
aspectos de Atena, sabe se articular bem no mundo patriarcal e se
inserir no mercado de trabalho, mas acaba petrificando e matando a
possibilidade de um encontro mais íntimo e profundo.
Com isso, as mulheres vêm se distanciando de sua capacidade de se tornar receptivas ao outro e ao irracional.
A
iniciação com essas duas deusas pode ser vista no mito de Psique, onde a
bela jovem precisa se submeter a Afrodite para reconquistar o filho
dela, Eros. A deusa do amor então lhe impõe diversas provas, sendo a
última o encontro com Perséfone no Inferno. A moça teria que pedir a
Rainha do Hades seu creme de beleza e levar a Afrodite, mas ela foi
avisada de que não poderia comer nada do banquete da Rainha e ser
extremamente humilde diante dela.
Esse mito tem paralelos com o mito da descida da deusa suméria Inana – Ishtar, ao encontro de sua irmã infernal Ereshkigal.
Inana
é – assim como Afrodite – a deusa da fertilidade, amor, do céu, das
emoções. Ela e Afrodite se encontram no meio do caminho entre a
maternidade e a virgindade. Mais a mescla de desejos assassinos, de
fecundidade e animalidade. Ambas jamais se apresentam como a esposa e
mãe estabilizada dentro do patriarcado. Ela é o magnetismo e tem a sua
independência como amante (Perera, 1985).
Afrodite então traz para
a mulher o senso de independência a mulher em relação ao seu desejo e a
tira do papel de ser apenas esposa e mãe, e também dessa busca
frenética de ser apenas profissional e de imitação do masculino, ou
seja, do papel de “filhas do pai” e assim as levar ao encontro de sua
verdadeira personalidade e com a sua alma.
Psique amadurece nesse confronto com Afrodite e também
com Perséfone. Ela deixa de ser a “filha do pai” que se preocupa em
transforma-la em esposa e assim servir ao patriarcado em um papel que
lhe é agradável.
Ereshkigal, assim como Perséfone é a deusa do mundo dos mortos e do mundo subterrâneo.
Perséfone
foi reprimida pois no patriarcado a morte é um tabu, é a violentação da
vida. Mas esse é o lugar onde a vida jaz imóvel e aguardando o momento
certo de nascer. É o lugar de transformação e de potencial de nova vida.
Psique
nessa descida aprende sobre o ciclo morte – vida. A gestação e a
decadência do corpo são um processo natural, incontrolável e lento.
Perséfone
também é o irracional. Conhecida como Mãe das Fúrias, ela mostra os
aspectos sombrios da personalidade e os traz para a consciência quando
sobe a Terra. Ela é a depressão tão combatida em nossa sociedade, o
recolhimento e o contato com o que é inferior em nós.
Ela também é
o êxtase do orgasmo, que também como pequena morte, pois passou por
essa iniciação com Hades, ao comer a romã (símbolo da sexualidade).
Ambas
Afrodite e Perséfone representam aspectos da sexualidade feminina: o
prazer sexual e o êxtase quase espiritual que leva a morte da
personalidade na coniunctio alquímica.
No mito de Psique vemos que
somente quando passamos pelo julgo de Afrodite, ou seja, de conhecer
nossos desejos e sermos escravos de uma paixão por algo ou alguém, e
quando somos reduzidas ás profundezas da dor e depressão e nos
encontramos com o que é horrível e infantil em nós e deixamos morrer
esses aspectos, aí nos defrontamos com uma personalidade mais profunda e
um feminino seguro e profundo, que conhece a arte de esperar a semente
germinar e que conhece o momento certo de deixar algo morrer.
Fãsdapsicanálise
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