Médica Zilda Arns, a santa que brigou com Deus e o mundo para impor suas ideias
Biografia conta como a médica Zilda Arns, gestora de políticas de saúde e fundadora da Pastoral da Criança, lutou para impor sua agenda mística para salvar menores e desamparados
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MISSÃO: A médica Zilda Arns em Curitiba em 2008: ela dedicou a vida a missões humanitárias - (Crédito: Tuca Vieira)
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Rodrigues demonstra que Zilda só conseguiu levar adiante
projetos sociais, como as pastorais da Criança e da Pessoa Idosa, porque
aliou a vontade forte ao gênio administrativo. “Mesmo conservadora e
antifeminista, Zilda era empoderada”, afirma Rodrigues. “Lutou por um
ideal igualitário e morreu em ação, fazendo o que mais amava: o bem.” O
livro é resultado de cinco anos de pesquisas, que também deram origem ao
documentário “O Sonho de Tipsi”, de 2015. O apelido “Tipsi”
(“bonequinha”, em alemão) Zilda ganhou na família alemã e católica onde
nasceu, no povoado de Forquilhinhas, Sul de Santa Catarina. A menina de
olhos verdes era a caçula de 13 irmãos, oito dos quais se tornariam
religiosos — o mais famoso Paulo Evaristo, futuro arcebispo da diocese
de São Paulo. O pai, Gabriel, obrigava os filhos a trabalhar na olaria.
Mesmo assim, Tipsi tinha tempo para estudar, brincar e seguir a mãe,
Helene, nos partos que fazia na região. A experiência inspirou-a a
cursar Medicina na Universidade Federal do Paraná e se especializar em
Pediatria. Dos pais, herdou o gosto por formar família sólida. Casou–se e
teve quatro filhos.
Conspiração
Para chegar aonde queria, Zilda lutou contra políticos,
ativistas sociais e até Deus — ou, pelo menos, alguns de seus supostos
representantes na Terra. Incisiva, ela pressionava os presidentes a
liberar recursos para a Pastoral da Criança. Fez campanhas pelo soro
caseiro e a saúde dos bebês. Nos anos 2000, afrontou a opinião pública
ao se declarar contra o uso da camisinha. E foi a única voz discordante
na votação da lei que permite o abordo de anencéfalos, provocando a ira
das feministas. “Ela perdia sem titubear”, diz Rodrigues. Exemplo da
teimosia, ajudou na elaboração da “multimistura”, suplemento alimentar
feito de resíduos orgânicos, e o defendeu até que cientistas provassem
sua ineficiência. “Apesar de sua fé, nunca deixou de se render às
evidências científicas”, afirma.
Além de indignação, Zilda gerava ciúmes. Um dos pontos
inéditos da biografia está em evidenciar as conspirações que a ala
conservadora da igreja católica urdiu para derrubar dom Paulo, a
Teologia da Libertação — e Zilda. Outras pastorais, como a do Menor,
sentiam-se lesadas pela proteção que dom Paulo dava à irmã. Quando foi
ao Vaticano em busca de verbas, ela obteve uma negativa do cardeal
Alfonso López Trujillo, chefe do Conselho Pontifício para a Família. Ele
acusou Zilda de “comunista, como seu irmão”. Zilda saiu tão furiosa da
sala que bateu o pó dos sapatos.
Apesar dos confrontos com variadas áreas sociais, Zilda
recebeu prêmios e foi indicada ao prêmio Nobel da Paz. Desde 2015, corre
o processo de sua beatificação. Para convertê-la em santa, o Vaticano
parece ainda não estar contente com a profusão de milagres que ela fez
em vida.
Istoé
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