Oriundos de mais de 80 países, ‘onda estrangeira’ força adaptação de escolas públicas de São Paulo
É cada vez mais comum ouvir palavras em espanhol,
francês e árabe em meio à agitação nos corredores das escolas públicas
de São Paulo. Nos colégios da prefeitura, por exemplo, os estrangeiros
dobraram nos últimos cinco anos e já são 4.747. Somando-se aos
estudantes de unidades estaduais, eles já ultrapassam 10 mil na cidade.
São alunos oriundos de mais de 80 países e que desembarcaram na
cidade por questões que vão desde a falta de oportunidades à perseguição
política e guerras. Metade dos estrangeiros são bolivianos. Haitianos e
angolanos estão entre as nacionalidades que mais crescem.
Agora, as escolas em bairros nos quais vivem essa comunidade tentam
se adaptar a essas realidades, muitas vezes em iniciativas dos
professores e e até dos alunos. Na escola de ensino fundamental Infante
Dom Henrique, no Canindé, na zona norte, dois em cada dez estudantes são
estrangeiros.
O diretor Cláudio Marques Neto, 49, diz ter encontrado uma escola
mergulhada em violência e intolerância quando chegou, em 2011. Os
brasileiros cobravam até pedágio de colegas de outros países, sob ameaça
de agressão.
Para mudar essa realidade, o diretor passou a reunir alunos
estrangeiros e seus pais para discutir suas experiências. Depois, pediu
que as crianças convidassem colegas brasileiros para as discussões. “Aí
acabou toda aquela violência”, afirma.
Hoje, a escola tem cartazes em várias línguas e um mural que
representa diversas etnias. Estimulados pela atmosfera cosmopolita,
professores e alunos também passaram a propor iniciativas. Entre elas,
está o caso de duas alunas com ascendência boliviana que dão aulas de
espanhol para os colegas.
Isolamento
A professora de história Rosely Marchetti Honório, 56, também da
escola do Canindé, incluiu nas aulas temas que afetam imigrantes, como
xenofobia e trabalho escravo –o projeto foi escolhido como um dos
melhores do país pelo prêmio Educador Nota 10.
Ela diz que, no dia a dia, uma das preocupações é evitar que alguns
alunos fiquem ilhados, em meio a nacionalidades mais numerosas. Rosely
cita o exemplo do angolano Mardoqueu Emanuel, 14, há sete meses no
Brasil. “Ele havia se enturmado com outros angolanos, que mudaram da
escola. E ele ficou sem os amigos”, diz.
Mesmo vindo do país lusófono, o tímido adolescente batalha para se
adaptar ao jeito brasileiro de falar. “Em Angola, fala-se português como
o de Portugal”, diz ele, que vive com a família em um abrigo.
Há três anos no país, o sírio Mohamed Gazzi, 10, já superou essa
fase, mas o caminho não foi fácil. E incluiu a interrupção dos estudos
por causa da guerra civil em seu país. “Por medo, minha mãe não deixava
mais eu ir às aulas em Damasco”, diz.
Chegou a São Paulo sem falar uma palavra em português. “Estudei em
outra escola, na Mooca [zona leste], e lá ninguém falava comigo nunca.
Mas aqui [na Infante Dom Henrique] tenho amigos brasileiros, bolivianos,
peruanos”, diz, quase sem sotaque.
O período de solidão que antecede o aprendizado da língua é
experiência comum entre as crianças estrangeiras. Superado o desafio,
entretanto, elas parecem não dar muita importância para os abismos
culturais. Quando indagadas sobre diferenças na nova escola, por
exemplo, algumas deixaram de lado questões sociais e religiosas,
elencando apenas aspectos físicos como a aparência da lousa e das mesas.
A vida fora do ambiente controlado da escola também é um desafio. A
Dom Infante está encravada no meio de uma ativa comunidade boliviana. E
do lado de fora dos portões, o convívio entre pais brasileiros e os
andinos parece bem mais distante.
Na sexta-feira (11), pais brasileiros em uma rodinha criticavam os
bolivianos por supostamente urinar na rua. Já os pais bolivianos, muitos
deles costureiros, não são de conversa. Chegam sós, com os filhos na
garupa da bicicleta. Após anos no Brasil convivendo principalmente com
conterrâneos, ainda têm dificuldade com o idioma.
Fila no português
A alta demanda pelo aprendizado do português fez com que a escola de
ensino fundamental Duque de Caxias, no centro de São Paulo, criasse
neste ano duas turmas de alfabetização. As salas já têm até uma fila de
espera.
A unidade fica no Glicério, bairro que serve de porta de entrada para
muitos haitianos e africanos. Na escola, a maioria dos estrangeiros faz
parte das aulas do EJA (Educação de Jovens e Adultos). “Há muitos
alunos já com formação, mas que precisam do português por questões
profissionais”, afirma a professora de artes Marcia Ayres, 45.
Em empregos braçais, eles buscam voltar às profissões que exerciam na
terra natal. Marcia conta que um dos estudantes, egresso de Togo por
questões políticas, tem PHD em engenharia. Nessa onda, a Secretaria
Municipal de Educação começa ainda neste mês um curso de português
voltados a imigrantes em dez escolas da rede, com módulos básico,
intermediário e avançado.
O secretário Alexandre Schneider admite, no entanto, que ainda falta
construir uma política voltada a esse novo público. “O que temos são
iniciativas que nascem nas escolas, a partir do fato que os imigrantes
se localizam em alguns bairros específicos. Essas unidades adotam
práticas pedagógicas e até de inserção. Cabe à secretaria aprender com
essas iniciativas”, afirma.
Ele diz que agora as experiências serão sistematizadas e as melhores,
incluídas na formação dos professores da rede. “A questão da imigração
já é um desafio no sistema educacional dos Estados Unidos e Europa.
Agora, em São Paulo também”.
Folha de S. Paulo
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