Após delação, governo articula reação ao grupo JBS em três frentes
No plano político, Temer orientou a base a fazer pedidos de CPIs e fiscalizações contra o grupo.
Após a reviravolta provocada pela delação premiada de Joesley Batista,
dono da JBS, o cerco ao grupo se fecha rapidamente. A determinação do
Palácio do Planalto é atuar em ao menos três frentes: na Comissão de
Valores Mobiliários (CVM), na cobrança de dívidas junto ao INSS e na
revisão de negócios do grupo com o BNDES. Os problemas em série
enfrentados pela J&F — que incluem queda no valor das ações de
empresas, negociação com bancos, risco de uma CPI, boicote de clientes e
restrições de varejistas — ganharam novo capítulo com o encerramento
antecipado pela Petrobras de um contrato com uma termelétrica da Âmbar,
empresa de energia do grupo dos irmãos Batista. Não foi o único novo
revés para o conglomerado. Como a J&F seria a principal beneficiada
de um parcelamento de dívidas do Funrural, espécie de Refis do setor
agrícola, o projeto em estudo corre o risco de não sair do papel.
O rastreamento de problemas no grupo começou no mês passado, quando os
bancos públicos — Banco do Bras il e Caixa —fizeram uma varredura nos
empréstimos concedidos ao grupo, conforme o GLOBO antecipou. Desde
então, o governo desengavetou a medida provisória (MP) 784, que aumenta o
poder de punição a irregularidades no âmbito do Banco Central e da
Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Na quinta-feira, em Paris, o
ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, descartou que a MP tenha sido
editada como algum tipo de retaliação à JBS.
— Isso já estava em estudo há bastante tempo, faz parte da agenda normal de governo — disse.
Segundo fontes, o governo quer uma ação mais rápida na CVM da análise
dos movimentos da JBS e da holding J&F no mercado. No BNDES, a ordem
é rever negócios. O novo presidente do banco, Paulo Rabello de Castro,
esteve com parlamentares e disse que vai agir de maneira firme, mas que
ainda precisava levantar todos os dados.
No plano político, Temer orientou a base a fechar o cerco por meio de pedidos de CPIs e fiscalizações contra o grupo.
NOTIFICAÇÃO SURPRESA DA PETROBRAS
Nesta quinta-feira, executivos da JBS foram surpreendidos pela
notificação da Petrobras de que estava encerrando o contrato com a
termelétrica Mário Covas, em Cuiabá, pertencente ao grupo por meio da
Âmbar, em razão de uma cláusula anticorrupção presente no contrato. A
Petrobras também cobra uma multa de R$ 70 milhões do grupo em razão da
violação dos termos do acordo. Segundo uma fonte do grupo J&F, não
houve indicação prévia da estatal de que isso seria feito e a empresa
não foi procurada pela Petrobras desde que a delação dos irmãos Batista
veio à tona, em 17 de maio, para checagem de informação.
— O que está acontecendo é uma frente de ataque a negócios periféricos
do grupo desde que a delação foi feita — disse a fonte ligada à empresa.
A decisão da Petrobras foi tomada há uma semana. A termelétrica Mário
Covas é citada na delação de Joesley Batista. O executivo contou que
teve uma conversa com o então assessor especial da Presidência, Rodrigo
Rocha Loures, em que reclama do preço do gás para a termelétrica. Os R$
500 mil que Rocha Loures recebeu numa mala seriam relacionados ao
assunto. Os dois também teriam conversado sobre reuniões do Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (Cade) para discutir a disputa
travada entre Petrobras e J&F no órgão. A Âmbar acusou a estatal de
postura anticompetitiva. O conglomerado dos irmãos Batista queria
receber gás da Petrobras ao mesmo preço cobrado no contrato do Brasil
com a Bolívia. Os dois lados acabaram chegando a um consenso, sem
intervenção do Cade.
A Âmbar compra gás da Petrobras desde 2015. O contrato encerrado na
quinta-feira havia sido firmado em abril e teria vigência até o fim
deste ano. Em nota, a Âmbar disse que avalia o comunicado da Petrobras
“para decidir os próximos passos”. A empresa afirma que “não é nem nunca
foi alvo de investigações de atos de corrupção” e que os fatos
relatados na colaboração com a Justiça ocorreram no âmbito da J&F,
holding do grupo. A Petrobras era a única fornecedora da usina.
Segundo Fernando Villela, sócio do setor de Regulação e Infraestrutura
do Siqueira Castro Advogados, contratos comerciais costumam trazer um
capítulo sobre compliance (compromisso com boas práticas), no qual se
prevê o encerramento antecipado em caso de envolvimento em corrupção de
uma das partes. Em geral, os contratos preveem solidariedade dos grupos
econômicos, ou seja, se uma subsidiária ou controladora estiver
envolvida em corrupção, o contrato pode ser encerrado unilateralmente,
sem pedido prévio de informação.
— Contratos com cláusulas anticorrupção são cada vez mais comuns no
Brasil, o que demonstra um grau de maturidade do mercado, pois não se
depende apenas da fiscalização de órgão de controle — disse Villela.
Para Patrícia Agra, sócia da área de Defesa da Concorrência e
Compliance do L.O. Baptista Advogados, a decisão da estatal mostra uma
postura política mais ampla.
— A Petrobras se mostrou bem inflexível, com uma posição bem dura. E
mostra uma posição política maior, de melhorar sua imagem no mercado. E a
gente precisa se acostumar a esse tipo de postura no Brasil — destacou
Patrícia.
Na avaliação de outro advogado, se o caso não tivesse tido tanta
repercussão, possivelmente a estatal teria indagado seu cliente antes de
romper o contrato, embora não seja obrigada a fazer isso. Outro
advogado, que pediu para não ser identificado, pondera que é necessário
analisar os contratos:
— Se houver rompimento sem base legal, podemos ter uma batalha na
Justiça. Mas a impressão que dá é que a JBS está querendo imprimir um
viés político ao caso para sair como vítima da situação — disse.
Nesta quinta-feira, as ações da companhia recuaram 2,85%, diante do
receio dos investidores de que a crise da companhia se agrave.
Em outra frente, técnicos da equipe econômica afirmam que o esquema de
corrupção revelado pela JBS teve reflexo até mesmo sobre medidas
econômicas que estavam sendo preparadas pelo governo. Para conseguir
apoio da bancada ruralista à aprovação da reforma da Previdência, o
Ministério da Fazenda concordou em parcelar dívidas de produtores com o
Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural). A JBS é a maior
empresa do mercado e a principal beneficiada pela medida, o que deixou o
Palácio do Planalto apreensivo.
— A JBS tem uma parcela bastante relevante do valor que vai ser
renegociado no Funrural (cerca de R$ 10 bilhões) — disse um técnico do
governo.
O governo e os parlamentares da bancada ruralista negociam agora como
seguir com o programa, uma vez que ele é considerado essencial para a
andamento da reforma. Uma solução seria não dar descontos tão generosos
nas multas e juros dentro desse Refis.
FISCO INVESTIGARÁ PESSOAS CITADAS NA DELAÇÃO
Após a homologação da delação premiada, a Receita Federal vai começar a
investigar pessoas e empresas citadas por Joesley em depoimentos ao
Ministério Público. Os integrantes do Fisco lembram que o executivo
informou ter repassado dinheiro a 1.829 candidatos em disputas
eleitorais. Esse grupo passará por um pente-fino, no qual a Receita vai
analisar se houve sonegação de impostos. Segundo auditores, um caso como
este costuma dar subsídio a novas investigações. Para se beneficiar, os
delatores revelam, por exemplo, a propriedade de empresas que eram
mantidas em segredo, inclusive em paraísos fiscais.
— A partir da homologação, a Receita vai atrás de quem fazia negócios com a JBS — afirmou um funcionário do Fisco.
A JBS já foi autuada em ao menos R$ 7 bilhões em processos que aguardam
julgamento no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Um
deles se refere a uma possível omissão de ganhos no processo de fusão
com o frigorífico Bertin.
A empresa também tem dívidas com o INSS de quase R$ 2,4 bilhões. Neste
caso, o problema foi a utilização de créditos de PIS/Cofins na compra de
insumos e na exportação para abater débitos previdenciários. A Receita
homologou, mas ainda não permitiu a compensação desses créditos e, por
isso, fez a cobrança dos valores.
O GLOBO
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