Fatos e mitos sobre a temida e amaldiçoada mandrágora, planta mágica de Hogwarts
Saiba por que essa planta que foi estrela até de filme do bruxo Harry Potter fascina e aterroriza os humanos desde a Antiguidade
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As mandrágoras em Harry Potter - (Filme Harry Potter/Divulgação) |
Por Marcelo Marthe
Em visita recente ao Cloisters, a magnífica
filial do Museu Metropolitan à beira do Rio Hudson, no extremo norte de
Nova York, me surpreendi ao verificar que, em meio àquele acervo de
tesouros da Idade Média, uma planta disputava as atenções do público. No
jardim de plantas mágicas e medicinais da Europa medieval, reluzia a
estrela em questão: a mandrágora. Mas eu, que sempre me
deixei fascinar pela aura de lenda e superstição que envolve esta
espécie vegetal venerada desde a Antiguidade, tive certa decepção: vista
de perto, a temida e amaldiçoada mandrágora não causa espanto nenhum,
oras.
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Exemplar de mandrágora no jardim de plantas medievais do Cloisters, em Nova York - (Marcelo Marthe/VEJA.com) |
É lógico que eu não esperava nada tão vívido quanto as mandrágoras retratadas, digamos, em Harry Potter e a Câmara Secreta,
segundo filme da franquia protagonizada pelo bruxo criado pela
escritora escocesa J.K. Rowling. No filme de 2002 (e no livro
correspondente que o inspirou), os alunos do colégio de feitiçaria de Hogwarts
têm uma aula sobre a arte de colher uma mandrágora de um jeitinho
minimamente seguro – como se revela na sequência, as raízes das plantas
são seres com formas humanas que emitem gritos estridentes e
paralisantes ao serem arrancados da terra. Seres fofinhos, mas bem
desagradáveis, enfim.
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Ilustração medieval que ensina como colher a mandrágora com a ajuda de um cão - (Leemage/Corbis/Getty Images) |
Mesmo com toda sua empolgação infantil, a aventura de Harry
Potter não chega a superar, em matéria de fantasia, as crendices sobre a
mandrágora perpetuadas por séculos. Na verdade, até que o filme é bem
fiel às fontes consagradas sobre o tema. Reza a lenda propalada desde
tempos longínquos que a mandrágora nasce de uma maneira tétrica. Sua
origem está no último suspiro de um homem vítima da chamada “morte suja”
– o enforcamento perpetrado em geral com uma corda curta, de modo que
as vértebras cervicais não se rompam com o peso do corpo e o sujeito
agonize por mais tempo, até morrer por sufocamento. Quando isso ocorre, o
corpo libera secreções como o sêmen no momento da morte. Bingo: segundo
a superstição, toda vez que uma gota do sêmen de um homem enforcado
atingisse o chão, ali nasceria uma mandrágora.
As histórias sobre como colher e turbinar os efeitos mágicos
da mandrágora não são menos coloridas. Acreditava-se, realmente, que
todo cuidado era pouco ao se arrancar a raiz da terra, pois seu grito
lancinante levaria a pessoa à morte. Entendidos em botânica e magia da
Idade Média ensinavam como se driblar esse risco. Não era lá muito
simples. Segundo o tratado conhecido como Tacuinum Sanitatis, o
modo mais seguro de colher a mandrágora seria amarrar a ponta de uma
corda nela e a outra ponta no pescoço de um cachorro com bastante fome.
Depois, à distância, a pessoa deveria tampar seus ouvidos com cera e
oferecer um belo naco de carne ao bicho – que, ao correr para pegar a
comida, arrancaria a raiz da terra. Melhor fazer essa operação em noite
de lua cheia, opinavam os sábios do período. E era bom o dono se
desapegar de seu mascote: o cão inevitavelmente morreria com o grito da
raiz endiabrada.
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Ilustração de Mandrágora com forma humana - (Istock/Getty Images) |
Para extrair toda a potência mágica da mandrágora, outro
manual recomendava que se colhesse sua raiz numa noite de segunda-feira,
durante a lua cheia. Em seguida, a raiz deveria ser mantida num local
escuro e banhada por trinta dias com leite de vaca que tivesse sido
usado para afogar três morcegos. Na 31ª noite, a raiz deveria ser secada
em um forno aquecido com ramos de outra erva conhecida por suas
propriedades curativas, a verbena. Depois, era só embrulhar a mandrágora
num trapo de roupa de um homem morto e usá-la como talismã
poderosíssimo.
A mandrágora era tida como veneno, afrodisíaco, ingrediente
infalível para a amarração de casais, bem como para fazer e afastar
mandingas, expulsar demônios e estabelecer contato com entidades
místicas. Em alguma medida, a planta real dá razões para as pirações.
Originária da região do Mediterrâneo e pertencente à família das
solanáceas, a mesma do tomate e da berinjela, ela é rica em alcaloides
potentes que provocam alucinações, delírios, aumento do apetite sexual e
perda de consciência. Se ingerida em certas dosagens, pode causar até a
morte por asfixia. Acrescente-se a essas propriedades químicas o fato
de sua raiz bifurcada lembrar o formato de um corpo humano com pernas,
braços, rosto e órgão sexual – e pronto: está dado o fermento para
tantas crendices.
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Mandrágora de verdade: você encararia esse almeirão esquisito? - (Istock/Getty Images) |
Mas voltemos ao começo do post. Ao vislumbrar a mandrágora
de perto, ela parecia apenas mais uma dentre as diversas ervas
simpáticas e prosaicas cultivadas no jardim do Cloisters. Revelava-se,
inclusive, menos chamativa que a maioria: uma coisinha meio atarracada,
que lembrava um pé de almeirão, com discretos frutos semelhantes ao
nosso jiló. Ainda assim, um horda de turistas (eu incluso) parava para
fotografá-la. Nem me animei, contudo, diante da possibilidade de
arrancar sua raiz da terra. Havia seguranças do museu de olho. Pior: não
havia nenhum cachorro ou pedaço de corda por perto. Você se
habilitaria?
Veja
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