Muito além da JBS: outras delações que implicam o presidente Michel Temer
Antes de Joesley, pelo menos outros 8 delatores citaram o presidente, entre eles Marcelo Odebrecht e Sérgio Machado. E novos colaboradores vêm a caminho
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| Presidente Michel Temer - (Nelson Almeida/AFP) |
O presidente Michel Temer só se tornou alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) após a delação do dono da JBS, Joesley Batista, mas pelo menos outros oito colaboradores já o haviam envolvido em casos investigados na Operação Lava Jato. Só na megadelação da Odebrecht,
o presidente é citado por quatro executivos — Márcio Faria, Rogério
Araújo, Cláudio Melo Filho e Marcelo Odebrecht. Seu nome também aparece
nos depoimentos dos lobistas Júlio Camargo e Fernando Baiano, do
ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado e do senador cassado Delcídio
do Amaral. Os relatos o retratam como um intermediador de repasses a
campanhas do PMDB, incluindo a dele próprio em 2014, e como padrinho de
dirigentes da Petrobras presos e condenados por corrupção. Ele sempre
negou as acusações.
Na última semana, surgiu mais um nome de peso que pode comprometer o presidente — o operador financeiro e potencial delator Lúcio Bolonha Funaro. Em depoimento à Polícia Federal no último dia 14, ele relatou que o presidente sabia do esquema de propina na área de internacional da estatal e
que atuou na arrecadação de cerca de 100 milhões de reais para as
campanhas do PMDB, em 2010, 2012 e 2014. Parte desses recursos teria
sido gerada em operações do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia
do Tempo de Serviço (FGTS). Ele não se aprofundou em detalhes, mas
especificou que Temer “pediu ou orientou” “comissões expressivas” para a
campanha de Gabriel Chalita à prefeitura de São Paulo, em 2012, e para
sua própria à vice-presidência, em 2014. De quebra, ainda confirmou o
conteúdo da delação da Odebrecht. As acusações já são vistas como uma
prévia do que ele pode entregar à Procuradoria-Geral da República (PGR)
em troca da redução de pena. Logo no início do interrogatório, Funaro
fez questão de manifestar “sua inteira disposição em celebrar acordo de
colaboração” — ele está preso há onze meses e tem uma filha de um ano.
Outro candidato a delator que pode atingir em cheio o presidente é o ex-deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ),
que foi condenado a 15 de reclusão e está preso desde novembro de 2016
pela Lava Jato. No início deste ano, Cunha arrolou Temer como testemunha
de defesa em um processo a que responde na Justiça Federal de Brasília.
Via tribunal, enviou-lhe dezenove perguntas por escrito, uma delas
sobre o esquema de propina no FI-FGTS, o mesmo lembrado por Funaro. No
mesmo período, o presidente viria a se encontrar na calada da noite no
Palácio do Jaburu com Joesley, que o gravou comentando sobre as
questões. “O Eduardo tentou me fustigar, né? Você viu”, disse ele, na ocasião.
Nenhuma dessas delações se converteram em inquéritos, pois
tratavam de episódios anteriores à chegada de Temer à Presidência — um
dispositivo da Constituição prevê que presidentes não podem ser
investigados por atos estranhos ao exercício da função, o que não o
impede de virar alvo de processo após o fim do mandato no fim de 2018. A
delação de Joesley, no entanto, traz fatos suspeitos do período em que
ele já ocupava o posto mais alto do Executivo.
Odebrecht
Responsáveis por pagar propinas a ex-diretores da Petrobras
por facilidades à Odebrecht na estatal, os ex-diretores da empreiteira
Márcio Faria e Rogério Araújo relataram em suas delações premiadas uma
reunião no dia 15 de julho de 2010 no escritório político de Michel
Temer, em São Paulo. Os dois disseram que Temer se sentou à cabeceira da
mesa no encontro, que terminou com o acerto de um repasse de 40 milhões
de dólares ao PMDB pelo departamento de propinas da Odebrecht. O
dinheiro correspondia a 5% de um contrato de 825 milhões de dólares da
empreiteira com a diretoria Internacional da Petrobras, comandada à
época por Jorge Zelada, apadrinhado no cargo pelo PMDB.
Apesar da presença do anfitrião, foi o então deputado
federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ) quem teria conduzido as tratativas da
propina. Também participaram do encontro o ex-deputado Henrique Eduardo
Alves (PMDB-RN) e o lobista João Augusto Henriques. Dos participantes da
reunião, estão fora da cadeia atualmente apenas Márcio Faria e Rogério
Araújo, ambos delatores premiados, e Michel Temer.
Outra reunião com a ilustre participação do presidente foi
rememorada nas delações do empreiteiro Marcelo Odebrecht e do ex-diretor
de relações institucionais da Odebrecht em Brasília, Cláudio Melo
Filho. Em uma noite de maio de 2014, segundo Odebrecht e Melo Filho, os
dois foram ao Palácio do Jaburu e lá jantaram com o Temer e o atual
ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha. A ocasião serviu como “shake
hands”, nas palavras do empreiteiro, para o acerto de um pagamento de 10
milhões de reais ilícitos ao grupo político de Temer, pedido com
antecedência por Padilha.
Marcelo Odebrecht contou que Temer deixou a mesa “entre o
cafezinho e a sobremesa”, momento em que o acordo foi selado com o
ministro. Ficou acertado que seis milhões de reais iriam à campanha de
Paulo Skaf ao governo de São Paulo e os outros quatro milhões aos demais
integrantes do núcleo duro do presidente. “Temer nunca mencionou para
mim os 10 milhões, mas obviamente que no jantar ele sabia”, disse
Odebrecht.
Sérgio Machado
Em seu acordo de delação, o ex-presidente da Transpetro
Sérgio Machado relatou pagamentos de propina a mais de 20 políticos — o
número hoje até parece pequeno se comparado aos da Odebrecht e da JBS. O
dinheiro sujo vinha de contratos celebrados entre empreiteiras e a
subsidiária de transportes da Petrobras, a qual ele comandou por 11
anos, de 2003 a 2014. Entre os políticos, estava o ex-pupilo de Temer
Gabriel Chalita (ex-PMDB, hoje no PDT)
De acordo com Machado, o presidente chegou a lhe pedir
pessoalmente, em um encontro na base Aérea de Brasília, que ele
conseguisse doações para a campanha de Chalita à prefeitura da capital
paulista, em 2012, que estava com problemas de financiamento. O
ex-presidente da Transpetro, então, o informou que levantaria 1,5 milhão
de reais da Queiroz Galvão. A verba foi repassada via caixa 1 pelo
construtora ao diretório nacional do PMDB.
“O contexto da conversa deixava claro que o que Michel Temer
estava ajustando com o depoente [Machado] era que este solicitasse
recursos ilícitos das empresas que tinham contratos com a Transpetro na
forma de doação oficial para a campanha de Chalita”, diz trecho da
delação de Machado. Temer e Chalita sempre negaram as acusações.
Júlio Camargo
O primeiro delator a citar Temer na Lava Jato foi o lobista Júlio Camargo,
o mesmo que relatou repasses de 5 milhões de dólares de propina a
Eduardo Cunha, que na época ainda era o todo poderoso presidente da
Câmara. Em depoimento datado de março de 2015, ele revelou as relações
de Fernando Soares, mais conhecido como Fernando Baiano, com Temer,
Cunha e o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) — Baiano já foi condenado
na Lava Jato como um dos operadores do PMDB no esquema.
“Havia comentários de que Fernando Soares era representante
do PMDB, principalmente de Renan, Eduardo Cunha e Michel Temer. E que
tinha contato com essas pessoas de ‘irmandade’”, diz relatório da PGR
com base nas declarações de Camargo. As revelações do lobista
originaram a primeira denúncia de Janot contra Eduardo Cunha.
Fernando Baiano
O operador do PMDB, por sua vez, relatou à PGR que Temer
atuou nos bastidores da ascensão e queda de dois diretores da Petrobras —
Nestor Cerveró, indicado do PT; e Jorge Zelada, do PMDB. Segundo ele,
entre 2007 e 2008, Temer foi procurado por Cerveró e pelo pecuarista
José Carlos Bumlai, por orientação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, para resolver um impasse — a bancada do PMDB de Minas Gerais
queria tirar Cerveró do cargo e colocar no lugar João Henriques, que já
estava enrolado em casos investigados no Tribunal de Contas ligados à BR
Distribuidora. O imbróglio foi resolvido com a escolha de Zelada para o
posto. Cerveró, Henriques e Zelada foram presos e condenados na
Operação Lava Jato.
Delcídio do Amaral
Em seu acordo de colaboração, o ex-senador Delcídio do
Amaral afirmou que Michel Temer foi o padrinho político do lobista João
Augusto Henriques no governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Entre 1999 e 2000, Henriques foi diretor da BR Distribuidora sob as
asas do então presidente da Câmara Temer e, segundo Delcídio, operava
ilicitamente a compra de etanol de usinas de álcool pela subsidiária da
Petrobras. O ex-senador contou que Temer e a bancada do PMDB na Câmara
tentaram emplacar o lobista na diretoria Internacional da estatal em
2008, depois que Nestor Cerveró deixou a cadeira. Como o nome de
Henriques foi barrado, ele mesmo indicou Jorge Zelada ao cargo, conforme
Delcídio.
Castelo de Areia e Porto de Santos
Para além da Lava Jato, o presidente já foi citado em outras
duas investigações — uma que apurou um esquema de corrupção no Porto de
Santos, no litoral de São Paulo; e outra conhecida como Castelo de Areia que investigou a construtora Camargo Corrêa, investigada hoje no petrolão.
A primeira surgiu a partir de um processo de separação litigiosa na Vara da Família em São Paulo revelado por VEJA em 2001.
A então estudante Erika Santos alegava que o seu ex-companheiro Marcelo
de Azeredo, ex-presidente da Companhia de Docas do Estado de São Paulo
(Codesp), tinha plenas condições de lhe pagar uma pensão de 10.000 reais
mensais por receber, dentre outras fontes de renda, “caixinhas e
propinas” de um esquema de corrupção no Porto de Santos. Erika apontou
como parceiros do seu ex-namorado no esquema Michel Temer, na época
presidente do PMDB, e um “homem de sobrenome Lima”. A Procuradoria-Geral da República não viu indícios suficientes para continuar investigando o presidente e o inquérito foi arquivado, em 2011.
A segunda reunia 54 planilhas apreendidas pela Polícia
Federal na residência de um executivo da Camargo Corrêa, cujo conteúdo
associava o nome de diversos políticos a valores. Um deles era Temer,
que foi citado 21 vezes ao lado de quantias que totalizavam 345.000
dólares, segundo revelou reportagem do jornal O Estado de S. Paulo
em 2009. Dois anos depois, o Superior Tribunal de Justiça (STF)
considerou a operação ilegal por se basear em denúncias anônimas.
O presidente sempre negou veemente ter participado desses esquemas.
Veja

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