Classe política busca formas de reduzir estragos de delações da Odebrecht
Acuada após a nova leva de revelações da
Operação Lava Jato, a classe política, por meio de suas principais
lideranças, tenta buscar formas de reduzir o estrago criado pelas
delações de executivos da Odebrecht e sobreviver.
É o que tem noticiado a imprensa
brasileira, dando margem à especulações sobre um possível “acordão”
negociado entre essas lideranças, ao relatar supostos encontros entre o
presidente Michel Temer (PMBD) e seus antecessores Luis Inácio Lula da
Silva (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB).
Temer e FHC negaram veementemente qualquer iniciativa neste sentido.
Mas, para muitos, tal estratégia
passaria por mudanças no sistema político que facilitem a manutenção de
congressistas no poder (por exemplo a adoção da “lista fechada” para
eleição de deputados), a aprovação de uma nova lei com punições contra
abusos de juízes, promotores e policiais, e a preservação do foro
privilegiado.
Enquanto alguns analistas veem riscos
reais de uma articulação desse tipo prosperar, outros não consideram que
o Congresso tenha meios de parar a Justiça. O presidente Michel Temer
chegou a negar publicamente qualquer iniciativa nesse sentido e disse
que as conversas se limitam à discussão de uma reforma política.
“É natural que os políticos, envolvidos
ou não (nas delações), estejam pensando em alguma forma de estancar essa
sangria. Mas acho muito difícil que consigam, pois os agentes
(policiais, promotores, juízes) que empurraram pra frente a Lava Jato
não estão sob controle do Congresso e nem do governo federal”, afirma
Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora de Ciências Políticas da
USP.
Ela nota que na época do escândalo do
mensalão também se falava no risco de “pizza”. No entanto, o caso levou à
condenação de diversos políticos pelo STF (Supremo Tribunal Federal),
entre eles o ex-ministro da Casa Civil de Lula, José Dirceu, que voltou a
ser preso pela Lava Jato.
“As pessoas que ficam falando muito em
acordo não perceberam que o país mudou e que as instituições de controle
se fortaleceram muito e têm autonomia. Acho muito difícil sair um
acordão porque não tem como fazer um acordo às escondidas”, ressaltou.
“E, por outro lado, o preço de fazer
publicamente é muito alto. As pessoas envolvidas são políticos que têm
uma vida pública, que precisam passar no teste das urnas”, acrescenta.
Deputado mais antigo na Câmara, Miro
Teixeira (Rede-RJ) também é cético sobre a possibilidade de o Congresso
conseguir parar as investigações e impedir condenações.
Ele lembra que no ano passado, quando
houve tentativa de aprovar uma anistia ao crime de caixa 2 (recebimento
de doação de campanha sem registro oficial) e a criação de punições para
supostos abusos de juízes, promotores e policiais, a forte reação da
opinião pública acabou barrando a tramitação dessas propostas.
“Não há possibilidade (de acordão)
porque hoje as decisões das autoridades não estão limitadas às paredes
dos Poderes fisicamente instalados em Brasília. Hoje as pessoas se
manifestam com a tecnologia da informação das mais variadas maneiras”,
destacou.
Para o parlamentar, que não foi mencionado nas delações, não existe “saída” para a Lava Jato fora do Poder Judiciário.
“O que permite separar culpados de
inocentes a essa altura é o chamado devido processo legal. Deve-se dar a
todos a presunção da inocência e qualquer tentativa de violar esse
devido processo legal (com um acordão) representará uma situação de
cumplicidade”, notou.
Hoje, a ideia de aprovar uma anistia do
caixa 2 parece enterrada, mas ainda tramitam no Senado propostas para
coibir supostos abusos. Uma delas, por exemplo, prevê pena de prisão
para magistrados que determinarem a condução coercitiva de testemunhas
sem que antes o mesmo tenha se negado a prestar depoimento – prática
adotada pelo juiz Sergio Moro.
Novas delações aumentam pressão
Já o jurista Joaquim Falcão, diretor da
FGV Direito Rio, acredita que os parlamentares buscarão, sim, uma
articulação para tentar sobreviver às denúncias. Para ele, o contexto de
novas acusações trazidas pelas delações da Odebrecht e a expectativa de
novos acordos de colaboração, como de executivos da empreiteira OAS,
deve aumentar o instinto de sobrevivência dos políticos.
“Ou eles tentam isso (um acordão) ou são condenados. Não tem uma opção. Vai ser uma tensão grande”, afirma.
Falcão vê na manutenção do foro
privilegiado a principal estratégia dos investigados para tentar se
salvar da operação: como os julgamentos no Supremo são mais lentos que
na primeira instância, o foro acaba aumentando a chance de prescrição
dos crimes (quando se encerra o prazo para julgamento).
“O foro é uma espécie de blindagem antidemocrática”, critica.
Há duas propostas de alteração da
Constituição em tramitação no Senado prevendo a restrição do foro
privilegiado. No entanto, parece improvável que o Congresso aprove
alguma mudança nessa linha na atual conjuntura.
Está previsto, porém, que o STF analise
em maio uma proposta do ministro da Corte Luís Roberto Barroso. Ele
defende que o direito ao foro especial só se aplique às autoridades caso
os crimes tenham sido cometidos em razão do mandato. Já acusações de
ilegalidades cometidas antes de a autoridade assumir o cargo seriam
julgadas nas instâncias inferiores.
A proposta enfrenta resistência dentro
do Supremo e já foi publicamente criticada pelo ministro Gilmar Mendes –
ele considera que a mudança trará insegurança jurídica.
O presidente do PMDB e líder do governo
no Senado, senador Romero Jucá, também reagiu à proposta e disse que,
nesse caso, teria que acabar também com o foro para integrantes do
Judiciário e do Ministério Público.
“Se acabar o foro, é para todo mundo.
Suruba é suruba. Aí é todo mundo na suruba, não uma suruba selecionada”,
disse em fevereiro ao jornal Estado de S.Paulo.
Lista fechada
Uma das propostas em discussão que,
segundo Joaquim Falcão, vai na linha de manter o foro privilegiado dos
investigados, é a adoção de “lista fechada” para eleger deputados.
Nesse sistema, os partidos definem uma
lista com ordem fixa (por isso, fechada) de candidatos que serão eleitos
de acordo com a quantidade de votos obtidos pela legenda. Dessa forma,
os eleitores votam nos partidos, e não em candidatos avulsos.
A proposta ganhou fôlego neste ano sob
argumento de que permitirá campanhas mais baratas, tendo em vista que a
proibição das doações de empresas diminuiu as fontes de recursos e que
há resistência em elevar o financiamento público (usar recursos
arrecadados com impostos).
Para os críticos da mudança, no entanto, ela visa facilitar a reeleição de políticos desgastados pela Lava Jato.
A questão está em discussão em uma
comissão especial da Câmara dos Deputados. Ressaltando não ser defensor
da mudança, o presidente da comissão, deputado federal Lúcio Vieira Lima
(PMDB-BA), contesta que o sistema de lista fechada vá favorecer
investigados.
“A lista não é escondida. Ela é antes
aprovada numa convenção (partidária). Então, se o PMDB do Rio de Janeiro
colocar Eduardo Cunha (ex-presidente da Câmara atualmente preso) na
lista, o PT vai dizer na campanha, ‘se votar 15 vai eleger o Cunha'”,
exemplificou.
Segundo Lima, como a questão é delicada,
a tendência é o atual sistema de eleição de deputados permanecer como
está. No modelo atual, os eleitores votam diretamente nos candidatos,
mas os votos totais obtidos pela coligação partidária são distribuídos
entre os mais votados dessas legendas. Com isso, ocorre o “efeito
Tiririca”, em que o excesso de votos de candidatos mais conhecidos
acabam elegendo candidatos com votação muito baixa.
“Da mesma forma, então, o sistema atual
esconde. Você elegeu Tiririca (deputado federal pelo PR-SP) com um
milhão de votos e elegeu outros 5. Veio gente que você não sabia”,
afirmou.
“É difícil aprovar qualquer mudança. Vai
terminar deixando como está e botando (mais) financiamento (público). O
que acaba sendo, porque falam que o voto em lista fechada não permite
renovação (na Câmara), mas vão ficar os mesmos coronéis, donos de
partidos. Os coronéis estão aí no sistema atual”, disse ainda.
Enquanto essa discussão corre na Câmara,
os senadores debatem a possibilidade de fim das coligações partidárias e
criação de cláusula de barreira, duas medidas que tendem a fortalecer
as grandes siglas, hoje desgastadas pela Lava Jato, e diminuir o número
de legendas com expressividade no Congresso.
Embora alguns também vejam essas
iniciativas como uma reação à Lava Jato, a verdade é que propostas de
reforma política são debatidas há muito tempo no Congresso e existe um
certo consenso entre cientistas políticos de que seria saudável para a
democracia reduzir o número de partidos no Brasil.
Para a professora Maria Hermínia, o momento acaba não sendo apropriado para grandes mudanças no sistema político.
“Lista fechada não tem nada errado,
existe em várias democracias, mas num momento em que existe muita
desconfiança com relação aos políticos não é a melhor hora para
discutir”, acredita.
Fonte: BBC - Publicado por: Érika Soares
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