Tribunal de Justiça de Mato Grosso autoriza divisão de pensão entre esposa e amante
O Judiciário não pode negar a existência de
uma relação de afeto que também se revestiu do caráter de entidade
familiar. Esse é o entendimento da Sexta Câmara Cível do Tribunal de
Justiça de Mato Grosso que, em decisão unânime, acolheu os argumentos de
uma apelação interposta por uma mulher que manteve relacionamento ao
longo de 20 anos com um homem já casado. Com a decisão, a apelante terá
direito a receber 50% da pensão por morte deixada por seu companheiro
– ele morreu em 2015.
As informações foram divulgadas pela Coordenadoria de Comunicação do TJ de Mato Grosso.
Em primeira instância, a Ação de Reconhecimento e Dissolução de União
Estável Post Mortem foi julgada improcedente. Inconformada, a autora da
ação entrou com recurso alegando que o companheiro, apesar de casado,
mantinha as duas famílias ao mesmo tempo –simultaneidade familiar –, que
tiveram vida em comum por mais de 20 anos, que todas as despesas de sua
família eram custeadas por ele, que sempre cuidaram um do outro e que
ele a ajudou a criar e a educar seus filhos.
Sustentou, ainda, que há prova nos autos da “convivência pública,
contínua, duradoura e com intuito de constituir família”. Ela pediu para
que fosse reconhecida a união estável com o companheiro nos últimos 20
anos, que teria se encerrado apenas com a morte dele.
Conforme informações dos autos, o morto era casado desde 1982. Eles
nunca se separaram. No entanto, segundo o relator do recurso,
desembargador Rubens de Oliveira Santos Filho, “ele também formava com a
ora apelante uma verdadeira entidade familiar, na verdadeira acepção da
palavra, até a data do seu óbito”.
Conforme o magistrado, além das testemunhas ouvidas em juízo,
corroboram as alegações da apelante os documentos juntados ao processo
comprovando que o homem também fornecia o endereço dela como seu local
de residência; prova de que ele conduzia o veículo dela; declaração da
cirurgiã-dentista de que ele a acompanhava nas consultas e custeava as
despesas – desde 2002 até 2014. Além de fotos do casal em festas,
cerimônias e momentos em família e, ainda, uma foto juntos no hospital
na véspera da morte dele.
“Durante tempo considerável ele se dividiu entre as duas mulheres, as
duas famílias, as duas residências, apesar de dormir com mais
frequência na casa da apelada, segundo confessado pela própria autora,
mas com esta passava boa parte do dia e também pernoitava”, salientou o
relator. “Ademais, diversamente do que diz a apelada, a ausência de
coabitação, por si só, não descaracteriza a união estável, uma vez que
esse requisito não consta na antiga legislação, muito menos no atual
Código Civil.”
Segundo o desembargador Rubens de Oliveira Santos Filho, o
ordenamento civil não reconhece efeitos à união estável quando um dos
membros do casal ainda mantém íntegro o casamento. “Contudo, a realidade
que se apresenta é diversa, porquanto comprovada a duplicidade de
células familiares. E conferir tratamento desigual importaria grave
violação ao princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana. (…)
Logo, o Judiciário não pode se esquivar de tutelar as relações baseadas
no afeto, não obstante as formalidades muitas vezes impingidas pela
sociedade para que uma união seja ‘digna’ de reconhecimento judicial”,
enfatizou.
Acompanharam voto do relator os desembargadores Guiomar Teodoro Borges e Dirceu dos Santos.
UOL
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