DINHEIRO PÚBLICO FOI USADO PARA BANCAR DESPESAS DE FESTA DE CASAMENTO

Lei Rouanet bancou festa de casamento de Felipe Amorim e Caroline Monteiro em Jurerê Internacional
| Lei Rouanet bancou festa de casamento de Felipe Amorim e Caroline Monteiro em Jurerê Internacional |
O
argumento da "democratização do acesso à cultura" sempre foi um abre-te,
sésamo para produtoras abocanharem verbas da Lei Rouanet. Mas a
Logística Planejamento Cultural foi além. A justificativa que apresentou
ao Ministério da Cultura para pedir a aprovação do projeto que levaria
11 000 estudantes de escolas públicas ao teatro é quase um poema: "A
arte atravessa. Ela tem o poder
de atravessar. Atravessar universos, histórias, limites, personagens,
sentimentos, pessoas. Esse projeto quer mostrar a potência do teatro
como elemento de propagação de cultura, despertando a percepção de
crianças sobre esse elemento artístico. Queremos que elas atravessem
todas as barreiras e entrem no mundo mágico do teatro". Pois o dinheiro
captado para apresentar "o mundo mágico do teatro" a crianças carentes
acabou usado para pagar despesas de uma festa de casamento para 120
pessoas em Jurerê Internacional, a praia mais badalada de Florianópolis,
conhecida como "a Ibiza brasileira". Se algo atravessou limites nesse
caso, foi o cinismo.
A Lei Rouanet, criada em 1991,
autoriza grupos ou artistas que tenham projetos culturais aprovados pelo
Ministério da Cultura a captar dinheiro com empresas, que, em troca,
ganham o direito de deduzir do imposto de renda parte do valor do
patrocínio. Segundo a Polícia Federal, a Logística era uma das onze
empresas usadas pelo Grupo Bellini Cultural para desviar dinheiro
destinado ao fomento da cultura para o bolso dos seus sócios, entre eles
Felipe Vaz Amorim, o noivo de Jurerê, seu irmão, Bruno Vaz Amorim, e
seu pai, Antonio Carlos Bellini Amorim, todos presos na semana passada.
No casamento de Felipe, o cachê de R$ 13.216 reais pago ao cantor
sertanejo Leo Rodriguez, por exemplo, saiu do dinheiro captado pela
Logística. Como confirma Lincoln Porto, advogado da empresa que
assessora o cantor: "Eles pediram que constasse no corpo da nota fiscal
que a despesa se referia ao projeto tal". O projeto "tal" era o das
criancinhas carentes que precisavam conhecer a magia do teatro e
chamava-se Minha Cidade. Junto com ele, a Logística apresentou um
segundo projeto ao MinC, batizado de Caminhos Sinfônicos (objetivo:
organizar apresentações gratuitas de música clássica para mostrar que o
gênero "não é um privilégio da elite"). Com a aprovação dos dois
projetos, a Logística foi autorizada a captar 1,8 milhão de reais no
mercado. A PF não sabe se esse valor foi integralmente usado para bancar
as despesas do casamento.
Segundo os investigadores, em vinte
anos a Bellini Cultural recebeu autorização para captar 180 milhões de
reais por meio de justificativas fajutas encaminhadas ao Ministério da
Cultura. A polícia já sabe que boa parte do dinheiro foi usada para
contratar artistas conhecidos que se apresentavam a seletos grupos ou em
festas de empresas. Por intermédio da Bellini, e cortesia da Lei
Rouanet, um grupo atacadista de alimentos, por exemplo, bancou a
apresentação da banda Jota Quest a 4 000 convidados, e um dos
escritórios de advocacia mais renomados de São Paulo contou com show do
comediante Fábio Porchat em sua festa de aniversário. Segundo o
Ministério Público, há cinco anos o MinC foi informado das fraudes
cometidas pela Bellini. Mesmo assim, seguiu aprovando os projetos do
grupo. Quem fez vista grossa à farra e por que motivo são as perguntas a
que o MP e a polícia pretendem responder em breve.
Revista Veja
Por: Juliana Linhares e Eduardo Gonçalves 03/07/2016 às 08:33 -
Atualizado em 03/07/2016 às 08:33
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