Desvio de dinheiro
Dom
Aldo diz que foi vítima de uma orquestração maquinada por um grupo de
padres que se opunham a medidas que ele adotou desde que assumiu a
Arquidiocese da Paraíba. Ao falar desses padres, cujos nomes ele se
esforça para não revelar, o religioso escancara o ambiente interno
conflagrado no clero – algo que a Igreja, quase sempre, consegue manter
em segredo. Ele acusa os adversários de estarem envolvidos em desvios de
dinheiro e de serem, eles próprios, personagens de escândalos sexuais.
Na origem de tudo, diz ele, está a disputa pelo controle das finanças.
“Tudo
começou porque eu tenho uma visão mais moderna. A questão
administrativa e patrimonial da Arquidiocese estava bastante
comprometida. Então começamos a colocar as coisas em ordem, com
prestação de contas. Isso mexeu na posição de uns privilegiados. Havia
coisas não muito bem resolvidas.”
“Quando você mexe no
bolso, que é a parte mais delicada do corpo da pessoa, vêm as reações,
que não são tão diretas no começo. Aí começam com outras acusações.
Diziam que eu era financista, materialista, e que a Igreja não é só
isso.”
“Essa reação partia de um grupo pequeno, mas muito
bem articulado, formado por cinco padres. Passaram a acusar que o clero
no estado estaria dividido, e outras coisas morais. Diziam que eu era
ditador. Depois foram para os ataques pessoais de ordem afetiva e
sexual. Aí foram para a baixaria mesmo, com acusações horrendas à minha
pessoa e a outros padres também.”
“Esses padres têm poder financeiro. E a reação vinha justamente daí. Tudo parte de quando você quer mexer nas finanças.”
Mas esses padres estavam envolvidos com corrupção?, perguntou VEJA.
A resposta: “Havia
um colégio aqui, o Pio XII, que eu tive que fechar quando cheguei
porque havia uma coisa não resolvida ali. Era um colégio tradicional, de
mais de 80 anos. Pedimos uma auditoria e fizeram de tudo para não fazer
essa auditoria. Sempre me era aconselhado: ‘Não é bom mexer com isso’”.
Dom Aldo diz que, só nas contas da escola, havia um rombo de 1,8 milhão de reais. E quem são esses padres?
“Eu
sei quem são. Alguns nomes eu levei para a Santa Sé. Pelo menos o nome
de dois, entre eles o que capitaneia, eu informei à Santa Sé. São padres
muito bem posicionados aqui, veteranos.”
O segredo do processo e o silêncio do papa
Alvo
de denúncias cada vez mais constantes, e de uma série de dossiês
enviados a Roma, dom Aldo Pagotto passou a ser formalmente investigado
pelo Vaticano. O rol de acusações contra ele era extenso: além de ser
acusado de proteger padres pedófilos, diziam as denúncias, teria
relaxado os critérios para a aceitação de novos seminaristas. Além
disso, era apontado como personagem central de um grupo de religiosos
que se esbaldavam em festas e promoviam orgias sexuais. Em janeiro de
2015, já em consequência das investigações, o Vaticano impediu o
arcebispo de ordenar novos padres.
“Em junho do ano passado
fui ao Vaticano tirar a história limpo. Falei com o cardeal Stella
(Beniamino Stella, prefeito da Congregação para o Clero — uma espécie de
ministro do Vaticano). O cardeal me tratou muito bem, me escutou
durante uma hora, mas disse que a resposta viria só depois de agosto e
setembro e que o desfecho dependia também da Congregação para os Bispos.
Comecei a cobrar e não vinha nada.”
“Em maio eu pedi
para conversar com o próprio papa. Mas isso não me foi concedido. Essa
resposta nem veio. Dois ou três dias depois de redigir a carta de
renúncia, fiz outra carta ao papa reforçando esse pedido. Escrevi ao
papa dizendo que gostaria muito de falar com ele. Ali eu ainda tinha
esperança (de que a investigação pudesse ter outro desfecho). Nada.”
O chamado para renunciar
Dom
Aldo revela que a renúncia não foi um ato de vontade própria. Foi uma
determinação do Vaticano – uma determinação que a disciplina religiosa e
o respeito à hierarquia da Igreja o obrigavam a aceitar. A renúncia era
uma forma de evitar mais desgastes. A explicação oficial que viria na
sequência – “motivos de saúde”— ajudaria
“Fiquei lá (na
Nunciatura Apostólica, em Brasília) uma manhã inteira. A conversa com o
núncio foi de pelo menos uma hora. A sós, no gabinete dele. Ele recordou
todos os fatos. Eu pedi, de novo, para ter acesso ao que eu era
acusado, ao relatório ou ao dossiê. Ele disse: não se pode mostrar.
Então, se é assim… Ele também não disse quem acusava. Ele aconselha. Eu
também tirei minhas dúvidas. Ele disse: ‘O papa está muito preocupado
com você. É para o seu bem. Para o seu bem e para o bem da Igreja.
Então, para o bem da Igreja e para o seu bem, você pense’. Eu cheguei a
dizer: está bem, está muito certo, entendi tudo. Eu mesmo me choquei.”
“Ele me falou: ‘Olha, você faça essa carta’. É assim mesmo. Ele é o representante do papa.”
A certa altura, o arcebispo percebe que estava falando demais. E tenta se corrigir:
O senhor, então foi instado a renunciar?
“Não
é bem assim…. Eu me aconselhei também. E eu aqui já dizia para alguns
padres da minha insatisfação, do meu estado de saúde. Não é que recebi
uma ordem: faça. Não é bem assim. A gente é livre. Eu disse a ele (ao
núncio): é até interessante que eu faça (a carta), e fiz.”
O senhor acha justo o desfecho do caso?
“Não acho. Eu tenho muita dificuldade de aceitar uma coisa dessas. É muito ruim, muito ruim.”
‘Tive que limpar o seminário’
Dom
Aldo Pagotto admite que havia “problemas” na Arquidiocese. Entre eles
problemas, ele cita o fato de ter aceitado, como candidatos a padre,
jovens homossexuais que já haviam sido rejeitados em outros seminários
por “conduta inadequada”. Ele diz, porém, que fez o que tinha de ser
feito: “limpou” o seminário.
“Nós tivemos problemas no seminário. Eu tive que limpar o seminário de pessoas suspeitas de comportamento não adequado.”
Em que sentido? Sexual?
“É, exatamente.”
E o que é “limpar”?
“Limpar
quer dizer convidar a sair. Isso foi em 2012. Em um seminário sempre há
entrada e saída de pessoas. Seminário onde só entram pessoas e ninguém
sai não é bom. Tem pessoas com determinada tendência que vêm procurar
seminário e você sabe que a intenção pode ser outra. Eu não posso ser
julgado por isso. Na verdade, os papas todos tiveram problemas assim. O
João Paulo teve problemas imensos. Depois veio Bento 16, que estatuiu
normas muito caridosas, mas muito objetivas. E, agora, Francisco da mesa
forma. No caso daqui, houve problemas, eu não posso negar. Mas eu fiz
relatórios disso, desde o outro núncio apostólico, como estava o
seminário, que tinha havido infiltração (de gays). Eu relatei a
infiltração. Não escondi.”
A “infiltração” gay
“No
seminário, o problema era homossexualismo. Falando abertamente, é isso.
Tivemos alguns casos. O relato é de que houve infiltração, romance,
defesa de comportamentos que não são admitidos pela Igreja. Naquele
momento, entre 2011 e 2012, isso envolveu cinco ou seis pessoas. Faziam
defesa desse comportamento lá dentro. Também havia comportamentos
estranhos. Colegas estranharam, pessoas da comunidade também. Diziam:
‘Olha, esse rapaz aqui parece que é…’. Havia toda uma preocupação para
evitar a reprodução desses escândalos que estamos vendo.”
Pedofilia na Arquidiocese
“Eu
digo que por misericórdia eu aceitei alguns padres em crise. Aceitei
seminaristas egressos (que já haviam sido expulsos de outros
seminários), mas eu não sabia desse comportamento. Por indicação de
alguém, por pedidos para que eu desse chance. Esses pedidos vinham de
bispos, de superiores de alguma congregação. Enfim, eu fui
misericordioso. Aceitei e me dei mal. Esses seminaristas foram ordenados
por mim e depois tive que afastá-los. Eu afastei seis. Eram acusados de
envolvimento de pedofilia. Um foi inocentado.”
“Era
aquela questão com meninos, coroinhas. Dentro da igreja. Eram casos na
região metropolitana de João Pessoa e no interior. Do interior eram
três, e três da capital. As denúncias foram feitas por familiares dos
meninos. Comecei a receber essas denúncias de 2012 para 2013, tudo de
uma vez, uma atrás da outra. Os padres foram afastados imediatamente. Um
deles morreu. Nunca foi ouvido em juízo e morreu de muita depressão,
coitadinho.”
A acusação de relacionamento homossexual
“Deus me livre, isso não existe. É mentira. Não tem como.”
E com base em que o acusam de ser homossexual?
“Respondo com uma frase: ‘Acusemo-lo daquilo que nós somos’.”
Isso existe entre os religiosos que o acusam?
“Claro que existe. Acuse-o daquilo que a gente é.”
A acusação de organizar festas e orgias
“Mas
que festas? Deus me livre, eu não tenho tempo para pecar. A minha única
diversão é nadar na piscina de um colégio aqui perto. Não vou ao
cinema. Minha vida é trabalho. Não existe isso aí.”
MaisPB com Veja
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