Brasileira luta nos EUA por guarda após pai fugir com filho pelo Paraguai
A
nutricionista brasileira Cíntia Pereira está tentando recuperar a
guarda do filho após seu ex-marido americano fugir com o menino pelo
Paraguai e obter sua guarda em decisão da Justiça de Utah, nos EUA.
Na
disputa, que mobiliza autoridades brasileiras e americanas, Pereira
acusa o ex-marido Gary Lee Heaton de sequestrar o filho do casal,
nascido há cinco anos em São Paulo, onde a família morava antes da
ruptura.
Em dezembro, após perder na Justiça brasileira um
processo sobre a guarda do garoto, o pai viajou com o filho por terra de
São Paulo até o Paraguai, onde embarcaram rumo a Utah, seu Estado
natal.
Após a localização do menino, a mãe viajou a Utah – onde
está hospedada na casa de amigos -, e perdeu, no fim de maio um processo
local sobre a guarda do filho. Por decisão judicial, ela tem se
encontrado com o menino três vezes por semana em uma clínica.
Pereira,
de 35 anos, ampara sua posição na convenção de Haia sobre o sequestro
internacional de menores (1980), que determina que crianças retiradas do
país onde moram sem autorização de um dos genitores sejam repatriadas e
tenham seus casos analisados pela Justiça na nação de origem.
Mas
o juiz Derek Pullen, da cidade de Provo (Utah), decidiu que o menino
deveria ficar com o pai, argumentando que ele correria riscos se
voltasse ao Brasil. Pereira vai recorrer da decisão. O prazo para que
apresente um recurso expira no fim de julho.
Ela diz que evita
tratar da disputa com o filho para não traumatizá-lo, mas que o menino
lhe diz querer voltar ao Brasil. A defesa do pai, porém, afirma que o
garoto está feliz com o pai em Utah.
O caso é acompanhado pela
Autoridade Central Administrativa Federal do Brasil (ACAF) para a
Convenção de Haia, ligada ao Ministério da Justiça, e pelo órgão
correspondente americano.
Em nota à BBC Brasil, o Itamaraty diz
que a disputa foi tema de uma reunião na semana passada entre o
embaixador do Brasil nos EUA, Luiz Alberto Figueiredo, e a assessora
especial do Departamento de Estado dos EUA para Temas de Infância, Susan
Jacobs.
O assunto também foi tratado por diplomatas brasileiros e
americanos em reunião na embaixada dos EUA em Brasília. O Itamaraty diz
que o caso é tratado como prioritário e que está “prestando toda a
assistência consular cabível à mãe”.
O órgão não disse, porém,
qual sua posição sobre a disputa nem se pretende fazer alguma
intervenção para que a brasileira recupere a guarda do filho.
Laços religiosos
O juiz em Utah que decidiu sobre o caso e o avô paterno do garoto
ocupam cargos na Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias,
também conhecida como a Igreja Mórmon. O juiz é conselheiro da diocese
de Heber, localidade vizinha a Provo, cidade onde o avô do garoto é
presidente de missão (líder sacerdotal).
Mais de 60% da população
de Utah é mórmon, crença também professada por Pereira e o ex-marido. A
igreja diz ter 14 milhões de fiéis pelo mundo, mais de um milhão deles
no Brasil.
O caso divide a pequena comunidade brasileira em Utah. A
mãe reuniu dezenas de compatriotas num protesto em Salt Lake City na
semana retrasada, e mais de duas mil pessoas curtiram uma página no
Facebook administrada por voluntários que pede a repatriação do garoto.
Nas
últimas semanas, porém, alguns membros da comunidade – especialmente
mórmons – deixaram de apoiá-la e passaram a compartilhar na internet
argumentos da defesa do ex-marido.
Segundo a brasileira, o pai do
ex-marido (também chamado Gary Lee Heaton) já trabalhou no departamento
jurídico da igreja e tem bons contatos entre juízes. “Ele usou a
influência que tem na igreja para conseguir uma decisão favorável”, ela
diz à BBC Brasil.
A brasileira diz ter conhecido o ex-marido numa
atividade da igreja mórmon em São Paulo, quando Heaton passava férias no
Brasil. Os dois se casaram em 2009 em Utah e se mudaram para o Texas.
Em 2010, quando Pereira estava grávida, o casal voltou ao Brasil.
“Nosso relacionamento não era bom. Ele nunca trabalhou nem aqui nem no Brasil e era viciado em sites de mulheres”, ela diz.
A defesa do americano diz que as acusações são falsas e irrelevantes para a disputa judicial.
Em
2013, Heaton entrou na Justiça brasileira com um pedido de divórcio e
de guarda do filho, mas perdeu a disputa. Ele alegou, entre outras
coisas, que a mãe agredia a criança.
O Tribunal de Justiça de São Paulo negou o pedido do pai e concedeu a guarda definitiva do garoto à mãe.
No
processo nos EUA, o ex-marido afirmou novamente que Pereira costumava
bater no filho com cordas, informação confirmada em juízo por um
brasileiro que foi vizinho da família no Texas.
Heaton expôs fotos em que o menino aparecia com um curativo na clavícula e um corte próximo aos olhos.
Heaton
também diz ter sido agredido pela mulher enquanto eram casados. Ele
registrou boletins de ocorrência em São Paulo contra Pereira e
apresentou fotos em que exibe queimaduras nas costas (causadas, segundo
ele, por um ataque da ex-mulher com água fervente) e lesões pelo corpo.
A defesa do americano diz que, apesar das denúncias, a polícia brasileira não abriu uma investigação contra a ex-mulher.
A brasileira afirma que o ex-marido provocou as lesões no próprio corpo para ter elementos a apresentar no processo judicial.
“Uma pessoa que sequestra uma criança já tem que estar com tudo isso preparado”, ela diz.
Pereira
também nega as acusações feitas pelo ex-vizinho. “Se ele me viu agredir
um filho, por que não me denunciou à polícia naquela época?”
Ainda segundo ela, os ferimentos do filho nas fotos apresentadas pelo ex-marido são “machucados normais de crianças”.
Grave risco de agressão
Em sua decisão, o juiz Derek Pullen avaliou que o menino correria
“grave risco de agressão física ou psicológica se devolvido ao Brasil”.
O
juiz afirma que, sob os cuidados da mãe, o filho sofreu “sérias lesões
sobre as quais Pereira não tinha explicação plausível” e que é “provável
que ela pratique violência doméstica de novo, seja contra um parceiro
ou seus próprios filhos”.
Na sentença, ele diz que essa condição
legitima a permanência do menino nos EUA e cumpre a convenção de Haia
sobre o sequestro de crianças.
A convenção diz que crianças
retiradas do país onde moram sem autorização de um dos pais só não devem
ser repatriadas se a volta lhes impuser graves riscos.
A advogada
Grace Acosta, que representa Heaton, diz à BBC Brasil que o pai admite
ter errado ao fugir com o filho pelo Paraguai, mas que ele agiu pensando
no bem-estar do menino. O americano temia ser impedido pela Polícia
Federal caso tentasse embarcar com o menino no Brasil.
Segundo a
advogada, Heaton está disposto a pagar para que a ex-mulher visite o
menino duas vezes por ano nos EUA e a permitir que ela se comunique com o
filho livremente. A brasileira não tem o direito de residir nos EUA e
pretende voltar ao Brasil, onde tem outro filho de um casamento
anterior.
A advogada diz que a defesa de Heaton se dará em duas
frentes: tentará manter a guarda do filho na Justiça em Utah e buscará
reverter a decisão judicial no Brasil. Os dois processos tramitam
separadamente.
Acosta
rejeita a afirmação de Pereira de que o pai de Heaton se valeu de
conexões na Igreja Mórmon para influenciar a sentença. Segundo ela, o
fator não tem importância, já que grande parte dos moradores de Utah são
mórmons.
Procurado, o juiz Derek Pullen disse que não poderia se
pronunciar sobre o caso. O porta-voz das cortes estaduais de Utah,
Geoffrey Fattah, disse que, se considerar que o juiz agiu de maneira
imprópria, Pereira pode se queixar de sua conduta a uma corte de
apelações.
Caso Sean Goldman
A disputa pela guarda do menino ecoa o caso Sean Goldman, que também envolveu os governos do Brasil e dos EUA.
Em
2004, uma brasileira que vivia nos EUA fugiu para o Brasil com o filho
que havia tido com um americano. O caso gerou grande repercussão nos
dois países e mobilizou autoridades americanas, que apoiaram a demanda
paterna.
Quatro anos depois, a mãe morreu no Brasil durante um
parto de outro filho. Em 2009, o garoto foi devolvido ao pai após
decisão do Supremo Tribunal Federal.
G1
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