Empresas recusaram acordo de R$ 1 bi no início da Operação Lava Jato
A proposta foi recusada. Dois meses depois, a Polícia Federal começou
a prender executivos de empresas como Camargo Corrêa, OAS, Engevix e
UTC.
Segundo
os advogados que participaram das conversas, a oposição mais
contundente veio das empresas Odebrecht, OAS e Engevix. Bastos,
ex-ministro do governo Lula, mirava o futuro pelo espelho do retrovisor.
Primeiro, conhecia o rigor do juiz da 13ª Vara Federal em Curitiba,
Sérgio Moro, de outros carnavais — principalmente em processos que
envolviam lavagem de dinheiro e corrupção.
O advogado já detectava a ação de uma força- tarefa bem articulada,
com profissionais dispostos a chegar longe. E percebeu cedo que, do
Palácio do Planalto, não viria o bombeiro (ou bombeira) disposto a
apagar aquele fogo.
Minuta com base na lei anticorrupção
Bastos, que foi ministro da Justiça por quatro anos e meio e, em
2014, advogava para Camargo Corrêa e Odebrecht, encomendou a redação de
uma minuta à luz da então recém-aprovada Lei Anticorrupção, para
circular entre as empresas investigadas. O GLOBO obteve acesso ao
documento que poderia ter sido a peça-chave de uma outra narrativa para a
Lava-Jato — que completa dois anos na próxima quinta-feira. Pela
minuta, “colaboradores e dirigentes” das empresas assumiam terem estado
em “situações de potencial conflito com dispositivos legais” e
manifestavam “inequívoca disposição em colaborar com a administração na
elucidação dos fatos supracitados”.
As empresas se comprometeriam a “cessar a prática” de atos de
corrupção relatados no acordo, que seria formalizado pela
Controladoria-Geral da União (CGU). Obrigavam-se a “cooperar plenamente
com as apurações”, ressarcir “integralmente o dano ao Erário” que viesse
a ser identificado, para poderem continuar a ser contratadas pelo poder
público. E incluía uma cláusula benéfica às empresas: a qualquer
momento poderiam “desistir das obrigações previstas”, ficando “sem
efeito” eventuais declarações apresentadas à autoridade.
“Se arrecadar R$ 1 bilhão para fazer dez penitenciárias, estou
satisfeito”, teria dito Rodrigo Janot a Bastos, segundo relato do
advogado José Francisco Grossi, testemunha do encontro dos dois. Duas
fontes próximas a Bastos também confirmaram o valor.
— Ali buscávamos pontes para uma conversa. Era tudo preliminar.
Naturalmente, Janot precisaria ainda conversar com os procuradores —
conta Grossi.
Na época advogado da UTC, Alberto Toron confirma ser de Thomaz Bastos
a ideia original do acordo, sobre o qual conversou com ele e em
encontros com outros advogados.
— É preciso lembrar que o contexto de hoje é bem diferente do que
havia em setembro de 2014. Não havia empresário preso, apenas uma
suspeita de participação de empresas em atos investigados — diz.
Mesmo prestando serviços para a Odebrecht, o ex-ministro ouvia da
empresa as ressalvas mais contundes à proposta, segundo os relatos. A
maior dificuldade da multinacional brasileira era assumir
responsabilidade por crimes, com repercussão em contratos
internacionais.
— As empresas só consideravam a ideia de pagar multa e finalizar a investigação, sem assunção de culpa — disse Toron.
No encontros, advogados contra o acordo mencionavam haver elementos
para anular a ação policial em tribunais superiores. Segundo relatos de
participantes da reunião, diziam que “o primeiro time de criminalistas
ainda não havia entrado em campo”, e que a morte da Lava-Jato era
questão de tempo.
“O Brasil mudou, é preciso tomar cuidado”, respondia Bastos, que
também mencionava a necessidade de se considerar melhorias em políticas
de governança das empresas, inclusive com participação direta de órgãos
do governo.
A proposta de acordo foi tocada por Bastos bem antes de várias
descobertas da Lava-Jato — como as contas da Odebrecht e de diretores da
Petrobras no exterior, repasses a ao ex-ministro José Dirceu e a ação
de operadores de propina.
— Naquela época, havia um movimento, uma sucessão de delações com
menções às grandes empresas. O agravamento da crise já ocorria e era
previsível — conta o criminalista Celso Vilardi, que nos meses seguintes
se tornaria o responsável por acordo de executivos da Camargo Corrêa
com a força-tarefa da Lava-Jato.
Vilardi lembra o alerta feito por Bastos, desde o início, para o
papel das colaborações premiadas. O próprio Vilardi considerava que a
anulação de provas — principal estratégia apresentada por advogados que
atuaram contra o acordo — não surtiria o efeito esperado:
— Paulo Roberto Costa (ex-diretor de Abastecimento da Petrobras)
confessou a existência de contas no exterior para receber propina de
empresas, dinheiro que voltou para o Estado. Anular a operação
implicaria aceitar devolver esse dinheiro para pessoas que assumiram
crimes. Que magistrado de tribunal superior concordaria com isso? —
pergunta Vilardi.
No início de novembro, poucos dias antes da fase da Lava-Jato que
ficou conhecida como “Juízo Final”, advogados tiveram um encontro com
procuradores. Souberam que seria preciso entregar muito mais informação à
polícia e assumir responsabilidades para evitar qualquer ação da
Justiça. Como noticiou O GLOBO, a CGU também tentou levar adiante a
ideia de viabilizar algum acordo após a morte de Bastos, em 20 novembro
de 2014.
O procurador-geral da República não chegou a defender publicamente a
proposta de acordo de Bastos. Em encontros com advogados após a morte do
ex-ministro, ele se opôs à ideia de formalização de acordo em conjunto
e, principalmente, sem assunção de culpa. Quando vazaram informações
sobre a continuidade das conversas, sofreu forte reação da força-tarefa,
o que resultou no sepultamento de qualquer iniciativa da procuradoria
pelo acordo.
Advogada da Odebrecht nos encontros com Bastos, Dora Cavalcanti disse
não ter recebido a minuta redigida por encomenda do ex-ministro, de
quem afirma ter sido bastante próxima.
— Se chegou a nós, não passou por mim — afirmou Dora, que completou
“não ter a lembrança de reunião específica sobre a proposta”.
Responsável pela defesa da Engevix no início da Lava-Jato, o advogado
Augusto de Arruda Botelho também disse não ter tratado do assunto com
Bastos. O advogado da OAS, Roberto Telhada, não respondeu ao GLOBO.
Por meio da assessoria, Janot disse desconhecer a estimativa de R$
1bilhão para encerrar a Lava-Jato. Afirmou que considerava, desde aquela
época, a força-tarefa em Curitiba a autoridade competente para conduzir
qualquer negociação.
G1
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