Nascida
em 13 de fevereiro de 1925, no sítio Antas do Sono, em Sapé, zona da
mata da Paraíba, Elizabeth é a filha mais velha de Altina da Costa e
Manoel Justino, pequenos proprietários e comerciantes rurais.
Ainda jovem, ela já demonstrava uma sensibilidade aguçada para as
injustiças sociais, observando, desde a infância, as condições precárias e as desigualdades enfrentadas pelos trabalhadores da propriedade familiar.
Realidade dura e desigual
Em um
ambiente no qual o valor dos estudos era negado às mulheres, sua
consciência crítica floresceu diante de uma realidade dura e desigual. A
coragem de Elizabeth em aceitar o pedido de casamento de João Pedro
Teixeira confrontou diretamente o racismo de seu pai – e o preconceito
de classe – que se recusava veementemente a permitir o casamento
inter-racial. Sua decisão foi recebida com tristeza e indignação por
parte do pai.
Ao fugir de Sapé, João Pedro e Elizabeth foram
morar no engenho Massangana, em Cruz do Espírito Santo (PB), local onde o
tio de João possuía terras e trabalhava como administrador da fazenda.
Entretanto, o tratamento do tio de João Pedro com os trabalhadores
locais o fez passar pouco tempo em Massangana.
Diante disso,
Elizabeth Teixeira e sua filha, Marluce, ficaram na casa da mãe de João
Pedro, em Sapé, enquanto ele buscava um emprego no Recife. João Pedro
conseguiu um emprego na Pedreira Guarani, localizada entre Jaboatão dos
Guararapes e o Recife. João Pedro e Elizabeth estabeleceram sua vida
juntos em uma casa em Cavaleiro, entre Jaboatão e Recife, onde tiveram
quatro filhos. Essa casa testemunhou o nascimento de Abraão, Isaac,
Marta e Maria das Neves, enquanto Marluce nasceu no Engenho Massangana.
Foi durante esse período que Elizabeth Teixeira alfabetizou João Pedro,
que não sabia ler.
Extrema pobreza vivenciada no Recife
Diante da extrema
pobreza em que viviam no Recife, decidiram voltar para Sapé, no sítio
Antas do Sono. Foi lá que, depois da experiência de João Pedro na
fundação do sindicato dos trabalhadores da pedreira em Jaboatão, essa
experiência foi primordial na fundação da Liga Camponesa de Sapé. Em
1958, na cidade de Sapé, João Pedro Teixeira, João Alfredo Dias (o Nego
Fuba) e Pedro Inácio de Araújo (Pedro Fazendeiro) fundaram a Associação
dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas. Inspirados pela experiência
das Ligas Camponesas do Engenho Galileia, o grupo buscava oferecer
suporte social e defender os direitos dos pequenos agricultores e
arrendatários.
Conforme Aued (1985) destaca, a criação dessa
associação, após uma tentativa frustrada em 1954, representou uma
estratégia para conquistar respaldo legal na luta pela reforma agrária,
englobando todos os trabalhadores rurais da região.
Dados
do IBGE ilustram os desafios enfrentados pelos camponeses: na década de
1930-1940 apenas 9,4% dos habitantes de Sapé sabiam ler, o índice subiu
para 10,77% entre 1940 e 1950, e para 16,7% na década seguinte. Esse
avanço, impulsionado pelas lutas sociais e pelo clima da Guerra Fria,
era crucial, pois os analfabetos eram excluídos do direito de voto –
elemento essencial para a participação política.
De 1962 em diante, Elizabeth foi presa com recorrência, mas não desistia nem cedia diante das ameaças.
Em meio a esse cenário, a
educação se tornou um pilar fundamental da resistência. De 1962 em
diante, Elizabeth foi presa com recorrência, mas não desistia nem cedia
diante das ameaças. Oito meses após a morte do marido, ela questionou
dois donos de engenho da região por expulsar camponeses e chegou a ser
presa no mesmo dia.
Em 1964,
Elizabeth viu a pior face da repressão à luta dos camponeses. Teve sua
casa incendiada e passou oito meses presa em um quartel do exército.
Tristeza e perda da filha
Os filhos ficaram em casa
esperando a volta da mãe, mas a filha mais velha não resistiu ao
sofrimento diante das ameaças. Marluce Teixeira, a mais velha dos 11
filhos de Elizabeth, cometeu suicídio por envenenamento. Ao conseguir
sair da prisão, a mãe correu para casa a tempo de ver a filha morrendo.
Já no início da Ditadura Militar, em 1964, Elizabeth viu a pior face da
repressão à luta dos camponeses. Teve sua casa incendiada e passou oito
meses presa em um quartel do exército. Ao sair da prisão, o terror
continuou, e assim foi orientada por companheiros de luta a buscar
exílio no Recife. Encontrada pela polícia em diversas casas onde tentava
se refugiar, conseguiu se esconder no Rio Grande do Norte.
Em meio ao desespero das perseguições, Elizabeth mudou seu nome. Nasceria, em 1964, Marta da Costa.
Teve ainda de rebatizar o único filho que conseguira levar consigo. De
longe, ficou sabendo de sua pior tragédia em vida: filhos apartados da
mãe e espalhados pelo Brasil. Enfileirados na varanda da propriedade do
avô materno, os filhos de Elizabeth foram escolhidos como mercadorias
pelos parentes dispostos a criá-los. As crianças brancas, que herdaram a
genética da mãe, foram escolhidas primeiro. Os filhos negros, com a
memória de João Pedro Teixeira na pele, demoraram a ter um lugar para se
abrigar.
Após quase duas décadas no anonimato, o documentário Cabra Marcado para Morrer, de Eduardo Coutinho, trouxe novamente à luz a história dessa incansável mulher marcada para viver. O filme, que inicialmente seria centrado na vida de João Pedro,
transformou-se em um poderoso retrato da resistência camponesa e da
trajetória de Elizabeth, revelando ao Brasil uma mulher que suportou a
violência do Estado e do latifúndio em nome da justiça social e de um
horizonte mais justo.
Memória histórica
Em tempos de disputas
pela memória histórica e de ascensão da extrema direita, homenagear em
vida heroínas do povo brasileiro como Elizabeth Teixeira é um ato de
resgate da verdadeira história do Brasil. Falar sobre Elizabeth Teixeira
é, na verdade, contar uma história que se constrói à contrapelo –
desafiando narrativas oficiais e abrindo espaço para as vozes de
resistência que desafiaram um sistema excludente e opressor. Sua
trajetória é símbolo da luta pela reforma agrária e principalmente do
papel transformador das mulheres na resistência camponesa e na
construção de um horizonte no qual a igualdade seja uma condicionante.
Em
um país profundamente marcado pela desigualdade, sua coragem e
determinação continuam a inspirar gerações na busca por justiça,
liberdade e igualdade. Quando as portas da história parecem se fechar,
por meio de golpes, ditaduras, torturas e perseguições, são figuras como
Elizabeth Teixeira que as abrem novamente, nos lembrando que, em última
análise, são os povos que escrevem sua própria história.
Blog JURU EM DESTAQUE com Polêmica Paraíba - Texto: Ítalo Aquino – Brasil de Fato - Suedna Lima
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