segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

"Situação em que um papa vivo vai ajudar a enterrar um papa morto"

Por que a morte de Joseph Aloisius Ratzinger, o papa emérito Bento XVI, traz um dilema ao Vaticano

Quando renunciou em 2013 alegando idade avançada, Bento XVI se tornou o primeiro pontífice a renunciar ao cargo em 600 anos

Antoinette Radford e David Ghiglione - De Londres e Roma para a BBC News
 

Esta reportagem foi publicada originalmente em 30 de dezembro de 2022 e atualizada em 31 de dezembro de 2022, com o falecimento do papa emérito Bento XVI

A Igreja Católica tem protocolos rígidos a seguir após a morte de seu líder.

Mas, no caso de Bento XVI, que morreu nesse sábado (31/12), não está claro se esses mesmos protocolos se aplicariam a um papa aposentado, conhecido como emérito. O Vaticano informou que seu velório ocorrerá em 05 de janeiro e será presidido pelo papa Francisco. A partir de 02 de janeiro, o corpo do pontífice emérito ficará na Basílica de São Pedro para a visita de fiéis.

Há quase uma década, dois papas convivem então no Vaticano. Desde sua renúncia, Bento morava no Mosteiro Mater Ecclesiae, nos Jardins do Vaticano, aparecendo de vez em quando ao lado de seu sucessor, o papa Francisco.

"Nunca aconteceu isso antes, uma situação em que um papa vivo vai ajudar a enterrar um papa morto", afirmou o historiador católico John McGreevy.

Nem mesmo a Idade Média oferece um modelo a seguir, porque quando Gregório XII renunciou em 1415, seu objetivo era dar um fim a anos de divisão envolvendo adversários rivais ao papado.

A pessoa que comanda o Vaticano entre a morte de um pontífice e a eleição do seu sucessor é chamada de "camerlengo" — atualmente, é o cardeal Kevin Farrell. Mas como Bento já não era mais papa, algumas das tarefas do cardeal podem não ser mais apropriadas.

Normalmente, o camerlengo tem o papel de confirmar oficialmente a morte do papa — pela tradição, ele deve bater três vezes com um pequeno martelo de prata na testa do pontífice e chamar seu nome.

Ele também supervisionaria a destruição do Anel do Pescador do papa, selaria os aposentos papais, organizaria o funeral e prepararia um conclave para eleger seu sucessor.

Como Francisco já é papa, há uma incerteza considerável a respeito de o que o camerlengo vai fazer.

Um funeral papal é normalmente presidido pelo Decano do Colégio dos Cardeais, atualmente o cardeal Giovanni Battista Re. Mas, neste caso, o Vaticano já informou que esse papel caberá ao papa Francisco. A cerimônia geralmente acontece na Basílica de São Pedro ou na praça em frente a ela.

O papa é então enterrado na gruta sob a basílica.

Cada papa pode especificar seus próprios arranjos para o funeral — e, embora a família de Bento XVI esteja enterrada na Alemanha, seu biógrafo, Peter Seewald, disse que ele queria ser enterrado na tumba que pertenceu a seu predecessor, João Paulo II, antes de ser canonizado e transferido para outro lugar no Vaticano.

O ritual mais significativo após a morte de um papa — a eleição de um sucessor — não acontecerá.

Mas os protocolos exatos que o Vaticano vai seguir não estão claros.

O papa Francisco cumprimenta o papa emérito Bento 16 durante uma reunião com novos cardeais nomeados no Mosteiro Mater Ecclesiae do Vaticano em 27 de agosto de 2022
Vatican Pool - Bento 16 se encontra regularmente com o papa Francisco (à direita)

O escritor e jornalista italiano Massimo Franco, especializado em Vaticano, disse à BBC que todos os procedimentos teriam que ser "escritos do zero" — e que, após a renúncia de Bento XVI em 2013, a Igreja Católica não especificou o que seria feito no caso de sua morte.

Ele também alertou que a eventual morte de Bento XVI poderia ter consequências imprevistas no papado, como normalizar a renúncia de um papa.

"Para alguns dentro da Igreja Católica, a renúncia de Bento representa uma circunstância única que nunca terá que se repetir", diz. "Para outros, pode representar um precedente e, portanto, pode se repetir. Mas isso continua sendo um grande ponto de interrogação, assim como tudo que envolve a morte e o funeral de Bento XVI."

Como Bento XVI foi anteriormente chefe de Estado da Cidade do Vaticano — uma cidade-Estado independente cercada por Roma e governada pelo papa —, é possível que haja um funeral com honras de Estado com líderes estrangeiros convidados. Mas, até o momento, inclusive isso é uma incógnita.

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-64124538

Correio Braziliense

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