Levantamento do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS) aponta que pobreza recorde acentua desigualdades no Brasil
O número equivale a 22,3% do total da população brasileira, o maior percentual em dez anos, segundo levantamento realizado pelo Imds

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ALEXA SALOMÃO - BRASÍLIA,
DF (FOLHAPRESS) - Considerando a renda das famílias, 47,3 milhões de
brasileiros terminaram o ano passado na pobreza. O número equivale a
22,3% do total da população brasileira, o maior percentual em dez anos,
segundo levantamento realizado pelo Imds (Instituto Mobilidade e
Desenvolvimento Social).
"O
Brasil vinha numa trajetória histórica de redução da pobreza, mas no
meio do caminho, apareceu uma pedra, a pandemia, e ainda estamos vendo
os seus efeitos", afirma o economista Paulo Tafner, presidente do Imds.
Analisados no detalhe, os dados do levantamento mostram que a piora foi generalizada.
Quase
11 milhões caíram na pobreza em todo o país em 2021. Para se ter uma
dimensão desse contingente, é como se quase todos os moradores da cidade
de São Paulo se tornassem pobres em um ano.
Mais da metade
dos que perderam renda, 6,3 milhões, caiu para a extrema pobreza, onde o
dia a dia é marcado até pela falta de comida. O ano terminou com 20
milhões de brasileiros nessa condição.
Brasileiros de zero a
17 anos estão entre os mais sacrificados. A pobreza infantil comprometia
o futuro de 19 milhões de crianças e adolescentes ao final de 2021,
35,6% do total desse segmento da população.
Ainda que
a pobreza tenha avançado em todo o país e nos mais diversos segmentos, a
parcela da população que mais sofreu é negra –73% do total– e se
concentrava em regiões e estados mais pobres, o que ajudou a ampliar as
desigualdades nacionais.
No Nordeste, 5,5 milhões caíram na
pobreza no ano passado, elevando o número de pobres na região para 22,8
milhões, quase 40% da população nesta parte do país. No Sul, o
contingente aumentou em 400 mil, fazendo com que os mais pobres
passassem a representar 10% do total da população nesta parte do país.
Lá o ano terminou com 3 milhões de pessoas na pobreza.
Enquanto
a pobreza avançou 12,5% em Sergipe, a maior alta do país, quase o
triplo da média nacional que foi de 5%,cresceu 1,3% em Santa Catarina e
1% no Mato Grosso.
Na avaliação da equipe do Imds, um fator para a oscilação na renda foi o auxílio emergencial.
A
concessão de um benefício de R$ 600 em 2020 teve o efeito de reduzir a
pobreza. No ano passado, porém, o auxílio foi suspenso e, depois, teve o
valor reduzido, além de ter um corte no número de beneficiários. Como a
Covid não havia cedido, e a economia tão pouco reagido, houve repique
na pobreza.
No Maranhão, o auxilio reduziu a pobreza em 2020,
que passou a afetar 37% da população. É um patamar alto, mas foi o menor
percentual de maranhenses empobrecidos em 10 anos. No ano passado,
porém, a parcela de pobres passou a ser 48,5%, quase metade da
população, e o pior patamar nos mesmos dez anos –3,5 milhões terminaram
2021 na pobreza.
Montanha russa parecida ocorreu no Rio Grande
do Norte. A parcela de pobres caiu para 24% em 2020, e saltou para
34,5% no ano passado. Outra vez, piso e teto em dez anos.
Pernambuco
viveu um fenômeno diferente. Não teve redução drástica de pobreza em
2020, mas sentiu o repique na sequência. Terminou o ano com quase 44% da
população na pobreza, 4,2 milhões de pernambucanos. Foi a primeira vez
que o indicador ficou acima de 40% na série. O maior percentual até
então havia sido o de 38,2% em 2012.
"A baixa renda depende do
trabalho informal, predominantemente associado ao setor de serviços com
contato físico, como venda de alimentos e negócios associados ao
turismo", afirma o economista Sergio Guimarães Ferreira, diretor do
Imds. "A oscilação do benefício, sem a retomada dos serviços, foi
determinante para o aumento da pobreza em 2021."
Guimarães,
porém, destaca que será preciso aprofundar a análise de dados para
avaliar mais detalhadamente o aumento da pobreza em alguns locais.
É
o caso, por exemplo, das regiões metropolitanas. De 2016 a 2020, a
parcela de pobres oscilou entre 15% e 16% do total da população. Em
2020, quando as maiores cidades viveram o lockdown, a taxa ficou em
15,5%. No ano passado, no entanto, subiu para quase 20%, com 3,8 milhões
de habitantes dessas áreas urbanas caindo na pobreza.
"A pesquisa
pode ter captado a demora na retomada do setor de serviços, muito
importante para a economia dos centros urbanos", afirma Guimarães.
No
Centro-Oeste, símbolo da pujança do agronegócio, que se beneficiou com a
alta das commodities durante a pandemia, a pobreza registrou um recorde
atípico. Historicamente, de 7% a 8% da população vive na pobreza. Em
alguns momentos, o percentual subiu para casa de 9%. No ano passado, no
entanto, foi a 11%.
"Seria preciso ampliar o escopo da pesquisa para
avaliar melhor os efeitos do agronegócio sobre as camadas mais pobres da
população na área rural", diz Guimarães.
O Imds trabalha com o
cenário de redução da pobreza em 2022, com a retomada do setor de
serviços e o pagamento do Auxílio Brasil, que substituiu o Bolsa
Família.
"Não há evidências até aqui de que haja uma reversão
estrutural na trajetória de queda da pobreza no Brasil, então,
acreditamos que a robusta rede de assistência social do país, criada ao
longo das últimas décadas, associada à retomada da economia e do
emprego, vai contribuir para melhorar os indicadores a partir deste
ano", afirma Tafner.
Um novo elemento que está no radar do
instituto, porque afeta o poder de compra, é o aumento de preços.
Historicamente, a inflação é um elemento que eleva a pobreza.
LIÇÕES PARA A POLÍTICA PÚBLICA
Na
avaliação do Imds, os efeitos sobre o Brasil do baque global da
pandemia, seguido das consequências da guerra da Ucrânia, que também
estão afetando a economia em escala internacional, mostram que a
política pública na área social no Brasil precisa avaliar a criação de
novos instrumentos.
"Muitas famílias vivem com uma renda tão
pequena que podem cair abaixo da linha da pobreza se deixarem de ganhar
regularmente R$ 2 por dia", afirma Tafner. "Mecanismos simples, como um
seguro social para mitigar choques, poderiam impedir esses efeitos."
Outra
alternativa seria construir um sistema de seguridade para o trabalhador
informal. "Na pandemia, quem tinha trabalho com carteira assinada foi
atendido mais rapidamente porque conta com estruturas de proteção já
organizadas", diz Guimarães. "Um sistema para os informais evitaria a
pobreza temporária, causada pela falta repentina de trabalho."
CRITÉRIOS DA PESQUISA
As
séries do Imds que contabilizam pobreza tomam como base a renda per
capita familiar (por pessoa) apurada a partir das séries da Pnadc do
IBGE (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua do Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística). O levantamento foi iniciado em
2012.
O Imds fez uma linha histórica da pobreza estimando
dados da antiga Pnad (1992-2015) com a atual Pandc. Nessa projeção de
longo prazo, o nível de pobreza de 2021 é comparável ao registrado em
2010, mas praticamente metade do indicador nos anos de 1990, quando a
pobreza chegou a atingir 40% da população.
A linha de corte
para pobreza é a mesma adotada pelo Banco Mundial, viver com renda
diária no valor de US$ 1,9, cerca de R$ 10, ou menos que isso.
Os levantamentos regionais e
para estados consideram os efeitos sobre o rendimento do custo de cestas
básicas de consumo local. Os critérios foram desenvolvidos por IBGE,
Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e Cepal (Comissão
Econômica para a América Latina e o Caribe). Seus valores são
atualizados pela INPC, índice de inflação que afeta mais a baixa renda.
Notícias ao Minuto
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